terça-feira, dezembro 5

Futuro da Saúde em Portugal

Acesso aos Cuidados e Princípio da Responsabilidade

“O Mundo atravessa e caminha para uma das maiores mudanças da sociedade. Todas as previsões, optimistas ou pessimistas, são possíveis, mas só o futuro poderá confirmar umas ou outras, ou ambas, em campos diferentes.”
…..
“… Se, como alguns cientistas e políticos pensam, as sociedades dos países desenvolvidos evoluíram mais no último século do que nos últimos vinte mil anos, parece ser também verdade que em um só dia do terceiro milénio a Humanidade adquira mais conhecimentos do que num século da Pré-História.
“É, assim, lógico pensar que os progressos da genética, proteómica e ciências em geral porão à nossa disposição, dentro de dez ou quinze anos, todos os conhecimentos relativos à origem, evolução e cura de todas as neoplasias malignas, tornando-as, para os nossos netos, menos importantes do que a febre tifóide, a sífilis e outras doenças contagiosas eram para os nossos homens da saúde pública nos meados do século XIX.
“Valerá a pena, em face da evolução científica actual, pensar em novos centros de tratamento do cancro, rastreios, organização de serviços?
“Que pensarão os cientistas de vanguarda?
“Por outro lado, todos os dados estatísticos nos mostram um aumento considerável da longevidade humana no último século, o qual se mantém e até aumenta, no início deste, nos países mais evoluídos.
“Que pensarão os cientistas das enfermidades dos futuros centenários e, sobretudo, centenárias? Haverá, nessa idade, cancros do colo do útero ou do pulmão?
“…Como programar serviços de Saúde para os futuros centenários se desconhecemos quase tudo do que será a sua patologia, incidência, rastreios úteis...?”
link
Albino Aroso, colectânea de textos “Futuro da Saúde em Portugal”, edição da APAH e da APDH

Com estas considerações, à guisa de introdução, justifica Albino Aroso a sua opção de se ocupar da “necessidade absoluta, imperiosa e indiscutível de tomarmos consciência da nossa responsabilidade (individual e colectiva) pela nossa saúde, através de um estilo de vida saudável”, o que, efectivamente, faz de forma concordante com o esperável do seu currículo e com o prestígio que merecidamente alcançou.
Diria mesmo que o Sr. Blair leu Albino Aroso nos últimos tempos. Não defendo o sim a qualquer dos “cinco nãos” que Albino Aroso identifica como receita para a “vida com saúde prolongada e sem encargos para os outros e, naturalmente, para o Estado, que se resumem a: não fumar, não engordar, não beber bebidas alcoólicas em excesso nem tomar outras drogas proibidas, não parar e não tentar resolver o que não tem solução”. Com pouco esforço, até acrescentaria outros: por exemplo, não aos boxeurs, aos alpinistas, aos toureiros.
Claro que Albino Aroso não defendeu a exclusão dos malcomportados do SNS, e entendo o seu discurso na linha de política de informação para a promoção da saúde, tão correcta como necessária. Além disso, deveremos agradecer-lhe ter-nos acenado com uma réstia de esperança, o que é sempre bom com tanta ameaça em redor: os nossos filhos não terão os nossos medos, … terão os deles.

Só que a questão não está aí. Blair ouviu e deu o passo seguinte: apresentou a proposta de um novo Contrato Social, que faz depender o exercício dos direitos dos cidadãos (políticos e sociais) do cumprimento de determinadas obrigações (principio da responsabilidade) – V. Post
Acesso aos Cuidados de 30.11.2006 –.
A questão está em saber se o SNS tem como beneficiárias todas as pessoas ou apenas as bem comportadas e, no segundo caso, à luz de que código de comportamento, designadamente, onde se situa a “dead line” que não pode ser pisada sob pena de exclusão.
Isto porque retirar do princípio da responsabilidade, em que se fundamenta o novo Contrato Social proposto por Blair, a exclusão do SNS: i) parece difícil de conciliar com um SNS universal, geral e gratuito para o utente – ou já era? –; ii) obrigaria a averiguar, para cada caso, a responsabilidade em concreto; iii) corresponderia a aceitar uma hierarquia de valores diferente da que enforma o SNS e a própria deontologia médica; iv) mais grave do que contrapor-se ao SNS, atentaria contra a dignidade da pessoa humana da qual deriva o direito aos cuidados de saúde; v) para não ser moralmente reprovável, por negação de assistência em situações graves – o que seria reprovado por consenso universal –, obrigaria a um prognóstico que, penso, seria impossível antes da admissão do doente.
Os mais importantes destes argumentos não são válidos apenas porque o sistema de saúde existente na Inglaterra é o NHS, inspiração dos que foram criados na sua esteira. A meu ver, seriam igualmente pertinentes num sistema de saúde declaradamente suportado em regime de co-pagamentos dos utentes.

Está acessível, no Post acima referido, um interessante artigo,
“Responsibility, fairness and rationing in health care”, de Alexander W. Cappelen, Ole Frithjof Norheim que representa um excelente exemplo da forma racional e ponderada como pode ser feita a opção entre várias alternativas. Será que estudos idênticos foram feitos no nosso país a precederem o encerramento de maternidades ou de SU? Se existem, por que não são publicados? Naquele artigo (de Cappelen e Norheim) claramente se afirma que o objectivo do estudo é o planeamento e a definição de prioridades (definição do sistema de saúde, que pode não ser a mesma em todo o tempo e em toda a parte) e que a aplicabilidade do princípio da responsabilidade tem como condição que os co-pagamentos tenham baixo peso quando confrontados com o rendimento dos doentes.
AIDENÓS

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Este blogg, sobretudo através dos contributos do semmisericórdia, xavier e aidenós, tem feito uma demonstração cabal de capacidade de reflexão séria e profunda sobre os problemas da saúde.

Ao contrário de outros sites do género, procura dar um contributo válido através de uma capacidade de análise só ao alcance de um grupo restrito de experts, sobre os problemas actuais da governação da Saúde.

Dá gosto visitar a SaudeSA e deparar todos os dias com novas matérias e novos desafios.

Pelo muito que aprendi, com os vossos conhecimento e entusiasmo, bem hajam.

11:36 da tarde  
Blogger helena said...

O Portal da Saúde faz hoje um ano de actividade.
Tem melhorado a olhos vistos com conteúdos diversificados, embora dominem as matérias da equipa de CC.

Mas de leitura obrigatória continua a ser o saudesa, quase a completar três anos de actividade.
Se não é, parece ser a menina dos olhos de ouro (e da irritação) de CC.

Fazemos votos para que todas estas aventuras (e sonhos) acabem bem.

2:09 da manhã  

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