domingo, dezembro 3

SNS-Sustentabilidade e Acesso

É do respeito da personalidade humana que deriva o direito aos cuidados fundamentais para manter, desenvolver ou recuperar a saúde. Dar resposta satisfatória a este direito é mais importante do que manter o SNS que é apenas um dos modelos de organização dessa resposta. Quando C.C. afirma: “vamos valorizar o sector público. Eu fui designado ministro da Saúde para gerir o SNS”, (revista Visão de 30.11.2006), ele é que sabe; a resposta até pode ser circunstanciada e estar correcta no contexto, mas transmite uma noção restringida do que se espera do ministro da Saúde;

Para muitos de nós, eu incluído, o SNS é o melhor modelo para garantir que todos têm acesso aos cuidados de saúde. Para mim, a razão fundamental desta opção está no facto de garantir com maior consistência lógica esse acesso também para os de menores recursos, principalmente para os que não têm recurso algum; saber se é sustentável no médio/longo prazo é outra questão;
A principal distinção entre os modelos de prestação dos cuidados está no facto de o financiamento do SNS se fazer através do O.E., alimentado pelos impostos, enquanto os modelos tipo Bismarckianos são financiados através de tributações dos trabalhadores e das empresas. Num SNS a existência de taxas moderadoras (portanto, suportadas pelos utentes) só é coerente se provierem do objectivo, que é o seu, de moderar ou racionalizar (não racionar) o acesso aos cuidados; diferentemente, estaremos a falar de co-pagamentos, mais ou menos encapotados. Isto, sem prejuízo de as taxas moderadoras produzirem receita que, pouco ou muito, vai contribuir para a sustentabilidade dos cuidados de saúde;
Há uma realidade incontornável: é que os cuidados de Saúde têm custos, muito e cada vez mais elevados, e que têm de ser suportados. Qualquer que seja a opção, só teremos os cuidados de saúde que for possível pagar, e essa possibilidade existe ou não num contexto concorrencial, com outras áreas que não podem ser ignoradas até porque, elas próprias, são geradoras de recursos, necessários para, designadamente, serem afectados à Saúde. É uma interdependência impossível de desamarrar;
Compreensivelmente, seria óptimo que todos tivéssemos tudo, o melhor, aqui e agora, só que esse cenário não é deste mundo. Também o não é nos países mais ricos. Veja-se a evolução (de sentido convergente!) na Inglaterra e na Alemanha de que o Professor Sakellarides nos dá conta (V. Post Futuro da saúde em Portugal, ponto 4.1). Aquilo a que assistimos é, na minha leitura, aos esforços de tentar aproveitar, de um e de outro lado, o que possa contribuir para a sustentabilidade dos sistemas de saúde.

Com um PIB per capita à volta de 70% da média da C.E. (não da Alemanha e da Inglaterra!) já afectamos à saúde 10,1%, situando-nos no grupo da frente. Apesar disso, não só temos um SNS com graves carências – vide Listas de Espera inaceitáveis – como também nos permitimos um nível de desperdício de recursos que poderá ultrapassar os 30%. E ainda, as coisas não vão ficar como estão, porque, naturalmente partilhamos as causas que, independentemente da nossa sub produtividade, fazem crescer em todo o mundo as despesas de saúde.

Reduzir o desperdício – o que seria bastante para garantir a sustentabilidade do SNS durante mais dois ou três anos – é um objectivo que o MS deve, seriamente, prosseguir e exigir dos serviços e estabelecimentos que tutela. Se o não fizer, terá de retirar mais dos impostos que já pagamos e que, dizem os fiscalistas e nós sentimos, já são muito elevados. Considero que seria injusto, para não dizer imoral. Mas é evidente que os resultados não vão aparecer instantaneamente, até porque se trata de uma hidra que não tem sete mas setecentas cabeças, sendo necessário cortá-las uma a uma. De qualquer modo, o problema subsistiria para o médio/longo prazo, porque um SNS é um construendo, em função das nossas ambições, dos custos induzidos pelos avanços do conhecimento e das novas tecnologias, pelo envelhecimento da população …;

São, portanto, indispensáveis outras medidas capazes de reduzir a sub produtividade que caracteriza o nosso SNS. De facto – e, neste ponto, estou plenamente de acordo com a posição expressa pelo M.S., pelas razões acima aduzidas, – e até porque não existe margem para aumentar os impostos, a intervenção imprescindível deverá situar-se muito principalmente do lado da despesa. Não querendo repetir aspectos já anteriormente referidos e analisados, parece que seria adequado intervir, entre outros, nos seguintes pontos:
- repensar/redefinir a rede de prestação dos cuidados de saúde e as regras de acesso a cada área (C.P., S.U., C.E.) hospitalar, divulgá-las amplamente, e promover o seu rigoroso cumprimento: i) reduzir, ou mesmo suprimir, o financiamento pelas prestações com transgressão; ii) não conceder isenção de taxa moderadora no acesso irregular sem justificação aceite por médico (acesso abusivo);
- adequar a oferta à procura, eliminando situações de manutenção de serviços desnecessários, com procura insuficiente ou até perigosamente insuficiente, com sub produtividade, em alguns casos escandalosa, dos custos implicados; a linha de intervenção seguida nas maternidades e nas urgências (nestas apenas fora de Lisboa, Porto e Coimbra!) deve ser levada até ao fim. Só como exemplo, o que justifica manter abertos quatro SU totivalentes e 24 horas por dia, num raio de menos de 8 km? É o que acontece no Grande Porto. Com que custos?
Este tipo de intervenção deveria ser estendido a todas as especialidades, não permitindo o que for redundante ou desnecessário;
- o número de camas necessárias, a lotação do HH e a sua organização interna carecem de ser repensadas à luz das possibilidades de intervenção resultantes dos conhecimentos e dos avanços tecnológicos actuais que abrem amplo espaço de intervenção para a C.A., para o H.D., e para centralização de serviços de diagnóstico (ex.: Radiologia e Análises). Isto significa que medir e avaliar os HH pelo número de camas de que dispõem e pelos índices correspondentes de utilização deixou de ser adequado. Parece aqui oportuno citar o que, a respeito, escreveu o Professor Sakellarides:
“Os hospitais, transformados definitivamente em centros de assistência a doentes agudos, organizar-se-ão essencialmente em torno de dois pólos de cuidados, com algum espaço relativamente instável entre os dois.
“O primeiro pólo estará centrado em doentes que necessitam de internamentos de curta duração – desde algumas horas (hospital de dia) até 24 horas, infrequentemente muito mais do que isso. Este pólo estará fortemente articulado com os atendimentos e serviços no ambulatório e na comunidade (domicílios) e constitui uma parte integrante importante da cadeia de valor em cuidados de saúde.
“O segundo pólo representa essencialmente as respostas tecnologicamente apropriadas às ameaças iminentes a funções vitais críticas e agrega fundamentalmente cuidados de emergência médica e unidades de cuidados intensivos”. (Ver post citado, ponto 5.2)
- O importante não é que o SNS pratique mais actos médicos ou outros de cuidados de saúde, mas sim produzir resultados em saúde da população. É sabido que a coordenação da intervenção dos vários níveis de prestação (C.S.P., HH e Cuidados Continuados) pode evitar a repetição inútil, ganhos de tempo e de resultados.
- Idêntica atenção deverá ser dada à prevenção e ao desenvolvimento do sentido de responsabilidade de cada um pela prevenção da doença e pelo desenvolvimento da saúde: da sua, da dos familiares e da da comunidade a que pertence. Aqui se insere a chamada de atenção do Professor Sakellarides para a importância de “promover a literacia em saúde”. Tenho que citá-lo mais uma vez:

“Surpreendentemente, as reformas da Saúde continuam a não contar com as pessoas. O notável mecanicismo de muitas das reformas em curso (reorganizar, privatizar, normalizar, restringir, fazer pagar, abrir, fechar, cortar ou expandir) não se apercebe de que o capital humano (cidadãos e profissionais) é um activo crítico para o desenvolvimento do sistema de Saúde.”

Finalmente – que já vou mais longo que o desejável – ocorre-me perguntar se não é daqui que decorre a rejeição imediata e acrítica, diria sentimental, que fazemos de qualquer ideia ou iniciativa que pareça contrariar o SNS tal como o concebemos no nosso imaginário e que, na verdade, nunca conseguimos ter. F.R. diz que o SNS é relutante à mudança. Estaremos, também nós, em alguma medida, a ser vítimas da falta de promoção da literacia em saúde?
AIDENÓS

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Aceitar a mudança do SNS?
Que mudança?
Que mudança é que CC nos propõe?

"CC quer manter o Serviço Nacional de Saúde (SNS) como está: com uma maioria de hospitalização pública e diz que a sua transformação num modelo em que há um sector privado forte também pago pelo estado não está na agenda política."
Entrevista à revista visão

Isto é o que o ministro da saúde diz. A mensagem que quer fazer passar.

E o que é que vemos?

-Os nossos melhores profissionais a serem contratados pelas empresas privadas, na maior transferência de activos do sector público para o s. privado, até hoje registada.

- o projecto das USF que não são mais do que a preparação da rede de CSP para a privatização.

- a entrada em fncionamento de novos hospitais de investimento privado(s.privado a ganhar músculo para as concessões do s.público)

-o reforço do projecto das parcerias públio-privado de Luís Filipe Pereira com uma segunda vaga de hospitais PPP.

Não será isto suficiente para concluirmos que CC aposta na criação de um sector privado da saúde forte?

Não será este o principal objectivo da sua política?

O que me parece é que nos estamos a "deixar ir" pelo marketing político deste ministro.
Claraente, o que CC diz não coincide com o que faz.

Querem mudanças, o SNS precisa de mudanças?
Façam-nos propostas honestas.

Vamos apostar na redução do desperdício para melhorar a eficiência do nosso sistema de saúde.Tudo bem!

-Mas onde está o investimento nos mecanismos de regulação?

-Como explicar o nunca visto desinvestimento da Saúde, registado no OE/2007?

-Como explicar uma segunda vaga de hospitais PPP?

Encorajar os investimentos privados,apostar na construção de um sector privado da saúde forte, constitui o núcleo forte da política deste ministro e deste Governo, fortemente apoioado pelas instituições financeiras da nossa praça. as mesmas que constituem a frente de assalto ao sector público da Saúde.

Por isso, senhor ministo, seja qual for a sua política de saúde, apenas lhe pedimos um favor: Não minta mais aos portugueses.

10:37 da tarde  

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