O SNS e os interesses que o condicionam
1. Sempre estive convencido de que a falta de estabilidade das políticas, deixadas cair antes de lhes ser dada a oportunidade de serem avaliadas pelos resultados produzidos, tem sido um dos factores negativos da nossa governação, nos últimos trinta anos. Principalmente em áreas como a Saúde, a Educação ou a Justiça que, sendo estruturantes do tecido social, são naturalmente apetentes de pactos de regime com a maior amplitude possível. Olhando para trás, a impressão que se colhe é que as políticas são efémeras, não perduram para além do ciclo governamental e, muitas vezes, fenecem até dentro dele, sem que tal aconteça por comprovada falta de mérito. Isto é, o ruído provocado pelos interesses que se julgam ameaçados – profissionais ou outros – sobrepõe-se à consistência da estratégia em que as medidas se inserem. Este parece-me ser o contexto ideal para que, quanto ao essencial, tudo continue na mesma, ou seja, no reino do equívoco, e não sob o comando dos juízos de valor fundamentados nos resultados colhidos.
2. Por isso, não subscrevo o Comentário de nãoseiquenome usar (V. Post “Se escolher ir por aí não vai longe” de 18.01.2007), se é que ele tem o sentido crítico que lhe atribuo e antecipadamente peço desculpa se estou a fazer leitura errada. De facto, estou de acordo com P.P. Barros quando este afirma “… importa realizar uma avaliação rigorosa dos ganhos e custos das intervenções realizadas” (V. Post “A questão prejudicial” de 26.12.2006) e considero que intervenção é tanto o lançamento de novas políticas como o afastamento das que estavam em aplicação. O que se espera é que um novo Governo execute uma nova política? Pode não ser. O que defendo é que não tenha de ser. Em defesa da consistência e da racionalidade da política de saúde e em prejuízo do excessivo ziguezaguear em que temos andado, com evidente perda de tempo e de esforços. E com evidentes vantagens para os que estão interessados em que as insatisfações e problemas actuais persistam.
3. A quem interessa, afinal, que tudo continue como está? Ou, noutros termos, quem é que, afinal, manda na saúde? Esperar-se-ia que fosse quem paga a factura, e isso sabemos que somos nós, através dos impostos ou directamente pelos pagamentos que nos são exigidos. Deveriam então ser os contribuintes a mandar na saúde, naturalmente através dos governos saídos de eleições. Mas, atento como sempre, Xavier desperta-nos: “o bastonário da OM, Pedro Nunes, a declarar guerra a CC: Face à estratégia de responsabilizar os médicos pelos erros das medidas políticas que têm vindo a ser tomadas", fica o aviso: "Não o vamos tolerar. Se escolher ir por aí, não vai longe."
4. E quais as razões para este vaticínio – ou será ameaça? – do Senhor Bastonário? Cito da entrevista concedida ao DN, em 15 de Janeiro: “Primeiro foi o despacho a proibir a acumulação de cargos de direcção no público com o trabalho no privado. Depois, o controlo da assiduidade através de mecanismos electrónicos. Agora é a concentração dos médicos nos grandes centros. Para o bastonário as declarações mais recentes do ministro Correia de Campos são sinais mais do que claros de "uma estratégia" para "responsabilizar os médicos dos erros das medidas políticas que têm vindo a ser tomadas". Não explica, porém, e pelo menos alguns precisaríamos que explicasse, como é que de tais premissas pode retirar-se a tese que enuncia.
5. Penso que teremos de tirar uma conclusão: embora sem excluir que outros detenham alguma quota de mando na saúde, confessa que, enquanto Bastonário da O.M., lhe cabe um quinhão bastante para poder afirmar: "Não o vamos tolerar. Se escolher ir por aí, não vai longe".
E penso também que há uma pergunta que fica no ar: como reagiria a Ordem dos Médicos se, em vez das pretensas razões acima referidas, o MS anunciasse a necessidade de clarificar as águas através de legislação impeditiva da promiscuidade actual do exercício médico no SNS em acumulação com o exercício liberal? E como por em dúvida a necessidade de tal medida?
AIDENÓS
2. Por isso, não subscrevo o Comentário de nãoseiquenome usar (V. Post “Se escolher ir por aí não vai longe” de 18.01.2007), se é que ele tem o sentido crítico que lhe atribuo e antecipadamente peço desculpa se estou a fazer leitura errada. De facto, estou de acordo com P.P. Barros quando este afirma “… importa realizar uma avaliação rigorosa dos ganhos e custos das intervenções realizadas” (V. Post “A questão prejudicial” de 26.12.2006) e considero que intervenção é tanto o lançamento de novas políticas como o afastamento das que estavam em aplicação. O que se espera é que um novo Governo execute uma nova política? Pode não ser. O que defendo é que não tenha de ser. Em defesa da consistência e da racionalidade da política de saúde e em prejuízo do excessivo ziguezaguear em que temos andado, com evidente perda de tempo e de esforços. E com evidentes vantagens para os que estão interessados em que as insatisfações e problemas actuais persistam.
3. A quem interessa, afinal, que tudo continue como está? Ou, noutros termos, quem é que, afinal, manda na saúde? Esperar-se-ia que fosse quem paga a factura, e isso sabemos que somos nós, através dos impostos ou directamente pelos pagamentos que nos são exigidos. Deveriam então ser os contribuintes a mandar na saúde, naturalmente através dos governos saídos de eleições. Mas, atento como sempre, Xavier desperta-nos: “o bastonário da OM, Pedro Nunes, a declarar guerra a CC: Face à estratégia de responsabilizar os médicos pelos erros das medidas políticas que têm vindo a ser tomadas", fica o aviso: "Não o vamos tolerar. Se escolher ir por aí, não vai longe."
4. E quais as razões para este vaticínio – ou será ameaça? – do Senhor Bastonário? Cito da entrevista concedida ao DN, em 15 de Janeiro: “Primeiro foi o despacho a proibir a acumulação de cargos de direcção no público com o trabalho no privado. Depois, o controlo da assiduidade através de mecanismos electrónicos. Agora é a concentração dos médicos nos grandes centros. Para o bastonário as declarações mais recentes do ministro Correia de Campos são sinais mais do que claros de "uma estratégia" para "responsabilizar os médicos dos erros das medidas políticas que têm vindo a ser tomadas". Não explica, porém, e pelo menos alguns precisaríamos que explicasse, como é que de tais premissas pode retirar-se a tese que enuncia.
5. Penso que teremos de tirar uma conclusão: embora sem excluir que outros detenham alguma quota de mando na saúde, confessa que, enquanto Bastonário da O.M., lhe cabe um quinhão bastante para poder afirmar: "Não o vamos tolerar. Se escolher ir por aí, não vai longe".
E penso também que há uma pergunta que fica no ar: como reagiria a Ordem dos Médicos se, em vez das pretensas razões acima referidas, o MS anunciasse a necessidade de clarificar as águas através de legislação impeditiva da promiscuidade actual do exercício médico no SNS em acumulação com o exercício liberal? E como por em dúvida a necessidade de tal medida?
AIDENÓS
8 Comments:
Quem manda na Saúde ?
Os Médicos, obviamente.
Quem manda no negócio das farmácias?
O João Cordeiro.
Aqui há um duplo equívoco:
Uns pensam que são os farmacêuticos. Outros, mais embuídos de espírito empresarial, pensam que é a ANF.
Efectivamente, quem domina o negócio das farmácias em Portugal é o JC.
Em relação à poderosa corporação dos médicos quem manda são os médicos. O bastonário, Pedro Nunes, não passa de um cabo que diz e faz o que lhe mandam.
Quem manda na corporação e na Saúde dos portugueses são os barões da medicina que enriqueceram com os seus consultórios privados.
Muitos acumulam com a actividade hospitalar.
Toda a organização dos HHs foi determinada pelo interesses da grâ corporação: horários, listas de espera (sem as quais não havia consultórios privados que se vissem)numerus clausus, horas extraordinárias, especialidades, carreiras, formação/informação patrocinada pelos laboratórios.
Controlo dos horários com pica electrónico, mobilidade para o interior (e as almoçaradas no Clara) depois da desfeita das HE da urgência!
Mas quem pensa este ministro da saúde que é?
Fala-se já com o Sócrates.
E, se for preciso, pomos o Manuel Alegre em acção. Accionamo-lo. A propósito, o que é que está para encerrar na zona de Coimbra?
Quem manda na Saúde?...
CC não é certamente.
Caro "Ai de nós", estou em total sintonia consigo e o meu comentário a que se reporta nada tinha de irónico.
Disse que a política de CC não é (apenas)de CC, porque efectivamente já estava definida como estratégia de política para a saúde, por LFP. E como sabe estava não só definida, como a ser implementada. Caminho que CC seguiu, e a meu ver bem, na senda da estabilidade das políticas.
Quando falei em irreversibilidade, queria dizer que o caminho é mesmo esse, não há outro, por mais criticável que possa ser. Naturalmente tem de ser avaliado, aperfeiçoado, melhorado. Mas que nem se pense em voltar às brandas "políticas" de um tempo anterior a LFP, porque isso sim, seria desastroso.
Magnífico post, bloguista de grande nível. Com contributos deste calibre o saudesa vai longe.
CC declarou anteriormente a propósito do controlo dos gastos com medicamentos, que nunca viria para a praça pública com acusações que pusessem em causa os médicos.
Vejo com preocupação as sucessivas campanhas desenvolvidas junto da opinião pública, quer da parte da OM,quer da parte do Governo.
E, CC já vai dando mostras de não cumprir o prometido, desabafando para os jornais que a elevada prescrição pode ser fraude.
Como a elevada prescrição é generalizada...
Parece-me que este lavar de roupa suja em público, com acusações e agressões de parte a parte, não é uma boa forma de conduzir a política de saúde, defender os interesses de classe e dos doentes.
Caro naoseiquenome usar: O meu pedido de desculpas pelo entendimento errado, passa então de dubitativo a efectivo, e com muito gosto!
Concordo totalmente com este seu Comentário; apenas mudaria um adjectivo: é que, mais do que criticável, o caminho a percorrer pode ser (será) amargo para muitos. Mas que havemos de fazer-lhe? … É a vida.
Já que estou aqui: não gostei nada da inflexão que hoje ouvi da boca de CC – noticiário da SIC à hora do Almoço – sobre o despacho de incompatibilidade de cargos de direcção e chefia. O problema não é de pluri-emprego, como parece que se pretende fazer passar, mas sim de incompatibilidade ou de conflito de interesses. E CC tinha tanta razão que, como diria o Herman, … não havia necessidade disso. Mas, ele é que sabe.
Obrigada caro "aidenós". Era desde início efectivamente esse o sentido das minhas palavras, tanto que até me pus a "jeito" para me chamarem "p'ro sistema" ou coisa parecida...
Só há uma coisa que não me cabe na perfeição: é o "caro"! ... É que, sou mulher.
Quanto às inflexões de CC e nesta em particular, realmente "não havia necessidade".
(éoquetemos: para ter uma idéia da complexidade da questão aconselho-o um blog fiável e no caso em concreto um post de fácil leitura. Andou muita coisa mal, mas o que em concreto está em equação, num caso ainda não transitado em julgado, é a conduta censurável do Sargento, que instado várias vezes a entregar a criança ao pai biológico o não fez. A questão nuclear da criança resolver-se-à, infelizmente com grandes demoras, noutro processo que não neste. Mas não digo mais veja então, se quiser - http://grandelojadoqueijolimiano.blogspot.com/2007/01/esmeralda-ana-filipa.html#comments)
Excelente esta reflexão do Aidenós. Na verdade era merecedora de um meu comentário mais oportuno.
Mas, esperando tolerância e compreensão do seu autor, vou "meter a minha colherada".
Qualquer Ministro da Saúde e CA dos HH, sabe que os médicos são elementos-chave na prestação de cuidados de saúde. Tal como os operários especializados o são nas empresas. E tantas vezes ouvimos dizer que as reformas na Saúde têm que ser feitas com os trabalhadores e não contra os trabalhadores.
Mas, como também se diz: bem prega Frei Tomás...
Parece-me que a estratégia de CC para com os médicos (como o fez outrora com outros profissionais) vem sendo a de criar através da Comunicação Social um ambiente favorável às medidas que pretende implementar e que podem mexer com interesses instalados. Mas, em meu entender, nem tudo deve valer. E não se podem meter todos os trabalhadores (nem todos os médicos) no mesmo saco.
Sendo certo que a ninguém de bom senso interessa que tudo continue como está.
Mas a todos apenas interessam mudanças para MELHOR!
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