PPB, entrevista à GH
Pedro Pita Barros deu uma entrevista à Gestão Hospitalar, conduzida como habitualmente pela Marina Caldas, que achamos do maior interesse trazer aqui à SaudeSA link
Gestão Hospitalar(GH)– O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é ou não sustentável?
Pita Barros (PB) – Se está a falar da questão financeira… a sustentabilidade financeira de qualquer serviço nacional de Saúde é o que os cidadãos do país quiserem que seja.
GH – Isso significa o quê?
PB – Significa que é uma escolha da sociedade no sentido de canalizar ou não recursos para sustentar o sistema.
GH – E a melhor maneira de canalizar recursos seria através de que medidas?
PB – (risos) Eu respondo a todas as perguntas sobre sustentabilidade financeira quando estiver desligado da comissão para o estudo da sustentabilidade do financiamento.
GH – Não está descontente com o facto do ministro da Saúde ainda não ter revelado o vosso estudo?
PB – Descontente não estou. Quem nos pediu o trabalho foram os ministérios da Saúde e das Finanças. O que eles fazem com o trabalho é uma decisão política.
Havia uma expectativa de haver uma discussão pública sobre o tema, mas não é forçoso que assim seja. Até porque, se vir o despacho da constituição da comissão, não está dentro dos passos pedidos um período de discussão pública. Se os ministros quiserem manter o estudo reservado e só o divulgarem daqui a um mês, dois meses, um ano, estão no seu direito.
Como investigador, o que me custa é não me desligar do processo ao fim do tempo previsto para a realização do trabalho…
GH – E poder falar sobre a matéria…
PB – Sim… Obviamente respeitando, como em todos os trabalhos que faço, a confidencialidade.
GH – Acha que o trabalho está a ser retido porque algumas das medidas que propõe são difíceis de aplicar?
PB – Para dizer a verdade, não sei. Pode ser por muitas e variadas razões. Desde acharem que não é possível implementar nada; acharem que não querem colocar a matéria em discussão pública agora, porque desviaria a atenção de outros assuntos que querem tratar, porque a implementação precisava de alguma tempo para ser pensada e eles não têm esse tempo para pensar; ou porque simplesmente eles acham que o trabalho é uma porcaria e que não vale a pena discuti-lo.
GH – Mas como investigador não tem a ideia de que algumas das medidas serão muito complicadas para implementar, como o aumento dos impostos?
PB – Não sou eu que tenho de fazer esse julgamento. Mas a questão do aumento dos impostos surgiu através de uma notícia e não pela divulgação da comissão.
Se nós temos um determinado montante de prestações de cuidados de Saúde que recebemos; se temos preços e custos para essas prestações que recebemos; se estamos a dizer que estamos a baixar um bocadinho os custos mas que os custos da Saúde vão subir; se dizemos que queremos continuar a dar mais às pessoas… o que se gasta tem de ser pago por alguém. E o que se paga são impostos, pagamentos directos, contribuições de seguros privados voluntários, contribuições de subsistemas, são deduções fiscais. Isto significa que, se se aumenta de um lado tem de se aumentar do outro. Se se fizer uma lista de coisas que têm de acontecer uma delas é aumentar os impostos.
Como outra possibilidade é o racionamento. Imaginemos que, no limite, dizemos que só queremos gastar este montante daqui para o futuro. O Ministério disse que o Orçamento para 2007 iria ser constante até 2010.
Se eu estou a fixar as receitas que tenho, o que vai acontecer é que eu vou deixar de prestar alguns cuidados de Saúde. Como é que nós organizamos isso? Deixamos que seja aleatoriamente, ou seja, os últimos a chegar são os que são pior tratados porque já não há recursos para os tratar?
Não é uma questão de querermos aumentar os impostos. Não podemos querer ter ao mesmo tempo mais prestação de cuidados de Saúde e não pensar onde vamos buscar o dinheiro.
De certa forma, nós vamos tendo mais impostos quando a economia cresce, a colecta aumenta e isso permite que se gaste mais dinheiro do Estado em tudo. Agora, estamos num esforço de contenção orçamental global e dentro desse esforço há opções políticas que têm de ser tomadas.
GH – Então onde é que se pode cortar para não cortar tanto na Saúde?
PB – Ao fazer esta pergunta já está a assumir uma das soluções possíveis. Se eu tiver preços – custos - a aumentarem e não pensar que tenho de aumentar o financiamento de alguma forma, vou ter racionamento, que é uma palavra que as pessoas não gostam. O racionamento significa que alguns não vão ser tão bem tratados como outros. Eu posso querer organizar este racionamento ou nem sequer me preocupar com isso. Se um hospital tiver um determinado orçamento e o gastar no início do ano, chega ao final do ano e tem menos dinheiro, dá menos àqueles que lá estão nessa fase. Mas isto é aleatório.
Em que é que ficamos? Se os preços estão a subir e não mexemos em impostos, nem em contribuições, nem em prémios, tem de se fazer face à situação através de pagamentos directos; se não queremos mexer nos pagamentos directos, tem de ser outra coisa.
A grande esperança de toda a gente é que vamos conseguir manter os custos. Nós sabemos que os impostos estão a crescer porque a economia cresce e há sempre uma folgazinha todos os anos. Por outro lado, temos a ideia que há imensa ineficiência no sistema, o que significa que há prestações que, se calhar, não precisam de ser dadas, como, se calhar também, há custos excessivos. Diminuir a ineficiência significa, com os mesmos fundos, tentar fazer o mesmo ou melhor.
GH – Mas tem de se optar por cortar em alguma coisa.
PB – Se eu conseguir cortar o desperdício e a ineficiência pura e simples eu arranjo folga para fazer mais (...)
GH n.º 27
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3 Comments:
Esta entrevista acaba com uma verdade de La Palisse.
Aliás, como outras evidências: se a economia cresce os impostos geram mais receitas.
O que é importante é sabemos se é mais importante garantir aos Portugueses um SNS (acessível, com qualidade, e pretação de cuidados em tempo útil) e reduzir as despesas, por exemplo, com o excessivo número de deputados e membros de gabinetes governamentais de funções dispensáveis, ou se pelo contrário dificultar o funcionamento do SNS por falta de recursos ou penalizando aqueles que já são "castigados" pelo simples facto de estarem doentes.
E já agora: será razoável gastar recursos com estudos e mais estudos, comissões e mais comissões, para se aceitar que os resultados sejam "engavetados"? Ou para se decidir apenas com base em opções e convicções políticas?
Pedro Pita Barros escreve, no Jornal de Negócios, sobre A liberalização da abertura de farmácias:
"Recentemente, a Autoridade da Concorrência (AdC) divulgou um estudo sobre a actividade de retalho farmacêutico, as farmácias propriamente ditas. As recomendações constantes deste estudo apontam, desde logo, para três aspectos: liberalização da abertura das farmácias, eliminação da restrição de que apenas farmacêuticos possam ter a posse de farmácias e a possibilidade da venda pela Internet. Outros estão presentes no estudo, mas cabe aqui discutir os três primeiros. Todos eles são capazes de suscitar reacções emotivas, sobretudo por parte das entidades afectadas. É, por isso, fundamental entender o que possa haver, ou não, de mobilidade nas propostas e contra-argumentos.
Toma-se o primeiro aspecto, liberalização da abertura das farmácias, por questão de espaço. Actualmente, a abertura de uma nova farmácia está dependente do cumprimento de critérios de dimensão da zona que irá abranger. A restrição à entrada cria uma distinção entre os que têm uma farmácia e os que não têm essa possibilidade, mesmo mantendo a restrição da propriedade para os farmacêuticos. Não serve, à primeira vista, qualquer propósito para além de gerar bons lucros para quem consegue obter autorização para ter uma farmácia. Adicionalmente, impede que quem tenha ideias para melhorar o serviço prestado, ou as condições em que o mesmo é feito, as possa colocar em prática. Sendo verdade que a liberalização deverá levar à abertura de novas farmácias, quais são os prováveis efeitos dessa abertura? A resposta a esta questão deverá permitir identificar quem ganha e quem perde, e no final, se vale ou não a pena avançar com essa liberalização. O aspecto mais imediato é que com a abertura de novas farmácias, o valor de ter uma já em funcionamento diminui. O valor de trespasse de uma farmácia cairá rapidamente. Tal constitui uma transferência de riqueza, ainda que implícita, dos que têm hoje uma farmácia para os que venham a abrir uma nova farmácia. É um efeito considerável a atender nos valores de trespasse de farmácias que por vezes têm sido conhecidos.
Um segundo efeito é o de com mais farmácias existir uma maior cobertura, e porventura mais eficiente, do país. Pode-se argumentar que essa cobertura também pode ser determinada centralmente, e com base nas necessidades de saúde da população. Contudo, essa visão assume que um “planeador central” consegue ter uma melhor percepção das vantagens e oportunidade de estabelecimento de uma farmácia do que um farmacêutico (por exemplo, e mantendo a restrição sobre a propriedade) que conheça a realidade local. Mais, critérios simples e genéricos terão sempre dificuldade em acomodar realidades específicas, que possam justificar eventualmente uma nova farmácia. Adicionalmente, impede que uma farmácia possa vir a substituir outra, por oferecer melhor serviço, ou outro aspecto qualquer mais valorizado pelos cidadãos. Com as regras actuais de abertura de farmácias, uma vez obtida a posição numa determinada área geográfica, e sobretudo se for a única farmácia numa área geográfica alargada, a disponibilidade para a farmácia se centrar no utente é certamente menor. A possibilidade de abertura de mais farmácias, mesmo que não ocorra, constitui sempre um incentivo a que cada farmácia esteja voltada permanentemente para o cidadão. É verdade que, regra geral, as farmácias têm actualmente uma boa imagem junto da população, muito tendo contribuído para isso o esforço da modernização realizado desde há bastante tempo (liderado em grande medida pela Associação Nacional de Farmácias, permitindo com isso criar economias de escala nalgumas das medidas tomadas). Mas, então, no pior dos cenários, essa liberalização da abertura não teria impacto visível, para o elevado nível de qualidade já prestado, e para preços dos produtos que não são fixados pela farmácia, apenas farmácias que tenham capacidade de oferecer maior qualidade terão possibilidade de vingar. A liberalização de algumas permite, eventualmente, obter valor social por substituição de algumas farmácias por outras que venham mais de encontro aos interesses dos cidadãos.
É igualmente referido, por vezes, que a liberalização da abertura de farmácias criaria ainda mais desigualdades entre o interior e o litoral, entre as zonas mais rurais e as zonas urbanas. Para este argumento, o estudo desenvolvido para a Autoridade da Concorrência tem o mérito de o desmontar muito facilmente. Não existindo neste momento qualquer subsídio material ao estabelecimento e desenvolvimento da actividade de uma farmácia, as que existem actualmente são naturalmente rentáveis na zona geográfica em que se inserem. A liberalização da abertura de farmácias não altera em nada essa rentabilidade – quanto muito obriga a dividir essa rentabilidade por mais de uma farmácia. Nas zonas em que apenas uma farmácia é rentável, não há qualquer motivo para deixar de existir essa farmácia. Não há assim que ter receio de que a liberalização da abertura de farmácias venha a desproteger determinadas populações? Em grande medida, não. Mas como em tudo, há que atender a situações específicas que possam surgir. Tome-se por exemplo uma zona em que coexistem uma população envelhecida, que precisa de acesso a uma farmácia de proximidade ao seu local de residência, e uma população jovem, com elevada mobilidade, nomeadamente para o local de trabalho. Podendo essa população de maior mobilidade optar entre farmácias da zona de residência e da zona de trabalho, a liberalização da abertura de farmácias, por aumentar a oferta disponível na zona de trabalho, poderá deslocar a procura inerente a essa população com mobilidade nessa direcção. Se o desvio de procura para fora da zona de residência for significativo, apenas a população envelhecida e de fraca mobilidade poderá não ser suficiente para manter a rentabilidade da farmácia dessa zona. Neste caso hipotético e estilizado, a abertura de novas farmácias, por induzir uma alteração do padrão geográfico de utilização da farmácia, poderia vir a prejudicar um segmento da população particularmente vulnerável.
Será este um argumento suficientemente poderoso para impedir a liberalização da abertura de farmácias (e que corresponde a manter uma transferência implícita das gerações mais novas, com maior mobilidade, para as gerações mais idosas, com menor mobilidade)? Depende da sua aderência à realidade, da importância que se der ao impacto sobre grupos eventualmente mais vulneráveis e da inexistência de outros instrumentos que permitam ultrapassar esses impactos negativos.
Deve-se também pensar no potencial efeito da abertura de novas farmácias sobre o consumo de medicamentos. Se a abertura de novas farmácias criar consumo desnecessário de medicamentos, por diminuir o custo não monetário de aquisição destes, então haverá aqui um efeito negativo. Mas sendo a procura de medicamentos determinada sobretudo pela actividade médica, e não pela actividade farmacêutica, não parece plausível que esse seja um efeito particularmente forte.
Por fim, é de realçar que o estudo apresentado à AdC refere um factor económico, normalmente ignorado, que consiste numa tendência para abertura exclusiva, do ponto de vista social, de farmácias pelo simples facto de cada farmácia obter parte da sua rentabilidade à custa da diminuição dos resultados de outra. O valor que a farmácia cria tem uma componente de melhor serviço e mais disponibilidades para a população (valor social positivo) e uma componente de transferência de valor que era apropriado por outras farmácias (valor social neutro, por se tratar de uma transferência). Uma vez mais, não é claro que este efeito seja suficientemente forte para se defender a situação actual face a uma situação de liberalização.
Embora a intuição imediata de um economista seja pensar que as actuais regras de restrição à abertura de farmácias geram apenas rendas económicas a favor dos actuais proprietários, sem justificação económica para tal, é de tomar em consideração, de forma séria, os possíveis argumentos contrários. O estudo divulgado pela Autoridade da Concorrência é certamente um bom primeiro passo nessa discussão. As reacções de natureza mais corporativa, e apenas usando argumentos desse teor, devem dar lugar a uma discussão informada sobre os reais impactos da liberalização da abertura de novas farmácias.
A abertura de farmácias é um tema "maldito". Já ninguém fala nisso. As candidatas a bastonárias da OF até tremem de medo quando se aflora o assunto.
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