SU: como chegámos aqui?
foto JP
Ao ler a «peça» de uma jornalista, transcrita aqui no Saudesa link só posso reconhecer e lamentar a ignorância, o atrevimento e a demagogia barata que hoje campeiam. Razão tem ACS ao alertar que é preciso mais comunicação na reforma da saúde, daí este pequeno contributo revendo a evolução do SU.
1º A saúde e o 25 de Abril
Antes do 25 Abril a Saúde era idêntica à dos países do 3º mundo e muito distante da europeia: apenas uma minoria tinha cobertura; interior completamente desprotegido; atendimentos no “banco” maioritários e sem qualidade. Com a revolução veio, e bem: gratuitidade mais tarde tendencial; saúde entendida como um direito de todos, independente do rendimento; criação de rede de serviços em todo o território; remuneração digna para os profissionais de saúde.
Um dos obreiros desta transformação foi o actual MS (CC), por isso ninguém acredita MESMO que queira destruir o que ajudou a desenvolver. Acompanho o Aidenós: «…reformas como a das Urgências e dos CSP são indispensáveis para salvar o SNS …deixar tudo como está será o que mais convém aos detentores de interesses instalados».
Infelizmente muitos passaram a ver apenas «direitos» e o SNS cedo ficou cativo e prejudicado por interesses vários (ex. corporativos), por uso indisciplinado (pelos doentes e alguns médicos) e por apostas erradas como, por ex.: funcionalização, carreirismo, acumulações; ausência de avaliação e responsabilização. O SU viu o seu papel continuamente desvirtuado, convertendo-se no local «certo» para exercício dos interesses (vários) que sobre ele convergem.
2º Evolução mais política que técnica
Perante a fraca resposta dos cuidados de proximidade em geral e dos CSP em particular – traduzida no baixo nº de consultas, na ausência de atendimentos telefónicos e na quase inexistência de consultas domiciliárias – qual foi a resposta dos sucessivos governos/MS ao longo dos anos? Adequou-se e requalificou-se a rede de urgência numa perspectiva técnica e de qualidade? Modificaram-se os sistemas (retribuição, avaliação, de boas práticas, por ex.) para melhor funcionamento do SNS?
Não expandiram suficientemente a oferta de cuidados programados em CSP (ver post trilema (link), não mudaram o enquadramento e organização, não melhoraram a gestão ou os sistemas de retribuição e de avaliação.
Não criaram oferta não agudos, não melhoraram os cuidados a idosos nem desenvolveram respostas para gestão da doença crónica e melhor coordenação externa de cuidados.
Não desenvolveram outras respostas, existentes nos países desenvolvidos – ex. call center, emergência pré-hospitalar, atendimento médico telefónico nos CSP –, essenciais para prevenir/evitar a inapropriação no SU.
Não houve reajustamento da rede hospitalar de urgência, em função das mudanças verificadas (tecnologia, população, meios de comunicação, etc.) para permitir maior qualidade e eficácia da resposta urgente.
Não se alterou a forma de retribuição e avaliação dos profissionais dos hospitais, de modo a reconhecer e recompensar os melhores resultados e comportamentos (não ser necessário estar SU para ganhar «bem»).
Pelo contrário:
Permitiu-se o aumento contínuo de recursos para atendimentos não programados nos hospitais – físicos, profissionais, equipamentos e meios de diagnóstico –, muitas vezes à revelia das melhores soluções técnicas. As coligações de interesses e os oportunismos políticos foram brindados com obras e ampliações, nas proximidades de actos eleitorais e na convicção que primeiro aumenta-se/cria-se o facto consumado «depois virá o reconhecimento do SU». Como disse o E-pá, adulteração da rede de urgências «…por pressões de todo o tipo e conivências de toda a ordem…».
Acomodou-se complacentemente, o aparecimento dos SAPs, realidade apenas Portuguesa, mas que satisfez alguns profissionais e muitos autarcas desejosos de colocar as placas a dizer «urgência» e «hospital».
Agravou-se o desajustamento de retribuição no SU, através de intervenções sem sustentação financeira e sem consequências positivas para a saúde da população (ex. M. Arcanjo).
Estas omissões tiveram como consequência a absorção, pelo SU, de número cada vez maior de profissionais especializados, sobretudo médicos, onde a qualidade e eficiência será sempre inferior à produção programada alternativa, quando houver inapropriação – o que acontece em grande % dos atendimentos de SU.
A Ordem dos Médicos decidiu por questões de qualidade fixar o nº de médios por especialidade (ex. Obstetrícia), o que reforçou a necessidade de ter estrutura adequada e procura elevada, a exemplo doutros países da EU. Essa decisão aumentou, em muito, a qualificação e quantidade de recursos necessários num SU, forçando a reestruturação da rede de urgências.
Nota: Aguardamos que aquela decisão seja igualmente aplicada no sector privado de saúde, sob o olhar atento da ERS. A ser assim: dado o requisito de três médicos em permanência em Obstretrícia (são 15 em ETC), como poderá viabilizar-se uma unidade em Chaves onde há pouco mais de 300 partos anuais? Será que terá o mesmo destino da propalada e agora esquecida, unidade para Mirandela (publicitada aquando do encerramento do bloco de partos do H. Mirandela)?
Também no SNS a irresponsabilidade e a insensibilidade a recursos finitos têm limites. Lamenta-se ter sido necessário o país chegar a uma situação difícil (orçamental, financeira e económica) para se concluir que a reforma da saúde, sempre adiada, tenha agora que ser concretizada.
O SU converteu-se, ao longo do tempo, numa caldeirada de interesses: i) Do sector privado de saúde, que quer próximo um SU para tapar as suas insuficiências e ter mão-de-obra disponível, e das novas empresas que fornecem médicos à hora para os SU; ii) Dos autarcas que exigem mais empregos e equipamentos públicos, porque não contribuem para os custos adicionais (suportados por todos os contribuintes); iii) Dos profissionais que assim compõem o vencimento com regime favorável para a acumulação; iv) Dos doentes que usam irresponsavelmente o SNS; v) Dos que querem ter aí um amplo campo para exercício da afirmação irresponsável e da demagogia. É essa realidade que é imperativo mudar, pela técnica e racionalidade, não pela politiquisse ou simples racionamento.
3º Balanço actual
Ir ao “banco” é típico do 3º mundo e Portugal tem muito mais atendimentos no SU/habitante (mais de 0,5 at/hab ano) que os restantes países (ex. Espanha, UK, USA). Esta situação tem, como consequência, utilizar muito mais médicos nos SU criando escassez nas actividades programadas, donde:
a) Muito menor nº de CE e cirurgias,
b) Menor qualidade dos atendimentos (ex. falta de conhecimento da história do doente e família),
c) Maior custo da saúde, por duplicações e erros de prescrição, baixa produtividade no SU face atendimentos programados,
d) Maior espera para uma consulta e operação programada.
Por isso é necessário evitar esse buraco negro que suga todos os recursos, doutro modo o SNS nunca produzirá os resultados que a população necessita e deseja. É necessário desatar esse nó cego do SNS: i) Escassez de médicos para CSP e actividade programada nos hospitais, tendo nós mais médicos por habitante que a EU; ii) Alto custo da saúde, com lacunas de oferta – ver post anterior; iii) Qualidade errática dos cuidados.
Como fazer? Como nos restantes países desenvolvidos que:
Investiram no aumento de actividades que evitam a procura inapropriada do SU: acesso a call center, para orientação e aconselhamento clínico (imediato); maior acesso aos CSP (todos terem médico de família e nº adequado de consultas – presenciais, domiciliárias e telefónicas); maior acesso à CE hospitalar e a atendimentos ambulatórios programados (com gestão da doença crónica e do tratamento de idosos).
Desenvolveram os cuidados continuados, a gestão da doença crónica e as respostas específicas para idosos;
Estruturaram a rede de urgência, como a CTPRU propõe.
Essa parece ser também a política de CC, que a oposição aliás não contesta (antes o processo ou o ritmo) e é aceite tanto pelo actual presidente da república como pelo anterior. O muito do barulho e confusão publicitadas não passam disso mesmo: ruído. De uns porque não tendo o conhecimento se deixam manipular, doutros por falta de alternativas e porventura de alguns poucos que temem perder regalias e vantagens.
Hermes
1º A saúde e o 25 de Abril
Antes do 25 Abril a Saúde era idêntica à dos países do 3º mundo e muito distante da europeia: apenas uma minoria tinha cobertura; interior completamente desprotegido; atendimentos no “banco” maioritários e sem qualidade. Com a revolução veio, e bem: gratuitidade mais tarde tendencial; saúde entendida como um direito de todos, independente do rendimento; criação de rede de serviços em todo o território; remuneração digna para os profissionais de saúde.
Um dos obreiros desta transformação foi o actual MS (CC), por isso ninguém acredita MESMO que queira destruir o que ajudou a desenvolver. Acompanho o Aidenós: «…reformas como a das Urgências e dos CSP são indispensáveis para salvar o SNS …deixar tudo como está será o que mais convém aos detentores de interesses instalados».
Infelizmente muitos passaram a ver apenas «direitos» e o SNS cedo ficou cativo e prejudicado por interesses vários (ex. corporativos), por uso indisciplinado (pelos doentes e alguns médicos) e por apostas erradas como, por ex.: funcionalização, carreirismo, acumulações; ausência de avaliação e responsabilização. O SU viu o seu papel continuamente desvirtuado, convertendo-se no local «certo» para exercício dos interesses (vários) que sobre ele convergem.
2º Evolução mais política que técnica
Perante a fraca resposta dos cuidados de proximidade em geral e dos CSP em particular – traduzida no baixo nº de consultas, na ausência de atendimentos telefónicos e na quase inexistência de consultas domiciliárias – qual foi a resposta dos sucessivos governos/MS ao longo dos anos? Adequou-se e requalificou-se a rede de urgência numa perspectiva técnica e de qualidade? Modificaram-se os sistemas (retribuição, avaliação, de boas práticas, por ex.) para melhor funcionamento do SNS?
Não expandiram suficientemente a oferta de cuidados programados em CSP (ver post trilema (link), não mudaram o enquadramento e organização, não melhoraram a gestão ou os sistemas de retribuição e de avaliação.
Não criaram oferta não agudos, não melhoraram os cuidados a idosos nem desenvolveram respostas para gestão da doença crónica e melhor coordenação externa de cuidados.
Não desenvolveram outras respostas, existentes nos países desenvolvidos – ex. call center, emergência pré-hospitalar, atendimento médico telefónico nos CSP –, essenciais para prevenir/evitar a inapropriação no SU.
Não houve reajustamento da rede hospitalar de urgência, em função das mudanças verificadas (tecnologia, população, meios de comunicação, etc.) para permitir maior qualidade e eficácia da resposta urgente.
Não se alterou a forma de retribuição e avaliação dos profissionais dos hospitais, de modo a reconhecer e recompensar os melhores resultados e comportamentos (não ser necessário estar SU para ganhar «bem»).
Pelo contrário:
Permitiu-se o aumento contínuo de recursos para atendimentos não programados nos hospitais – físicos, profissionais, equipamentos e meios de diagnóstico –, muitas vezes à revelia das melhores soluções técnicas. As coligações de interesses e os oportunismos políticos foram brindados com obras e ampliações, nas proximidades de actos eleitorais e na convicção que primeiro aumenta-se/cria-se o facto consumado «depois virá o reconhecimento do SU». Como disse o E-pá, adulteração da rede de urgências «…por pressões de todo o tipo e conivências de toda a ordem…».
Acomodou-se complacentemente, o aparecimento dos SAPs, realidade apenas Portuguesa, mas que satisfez alguns profissionais e muitos autarcas desejosos de colocar as placas a dizer «urgência» e «hospital».
Agravou-se o desajustamento de retribuição no SU, através de intervenções sem sustentação financeira e sem consequências positivas para a saúde da população (ex. M. Arcanjo).
Estas omissões tiveram como consequência a absorção, pelo SU, de número cada vez maior de profissionais especializados, sobretudo médicos, onde a qualidade e eficiência será sempre inferior à produção programada alternativa, quando houver inapropriação – o que acontece em grande % dos atendimentos de SU.
A Ordem dos Médicos decidiu por questões de qualidade fixar o nº de médios por especialidade (ex. Obstetrícia), o que reforçou a necessidade de ter estrutura adequada e procura elevada, a exemplo doutros países da EU. Essa decisão aumentou, em muito, a qualificação e quantidade de recursos necessários num SU, forçando a reestruturação da rede de urgências.
Nota: Aguardamos que aquela decisão seja igualmente aplicada no sector privado de saúde, sob o olhar atento da ERS. A ser assim: dado o requisito de três médicos em permanência em Obstretrícia (são 15 em ETC), como poderá viabilizar-se uma unidade em Chaves onde há pouco mais de 300 partos anuais? Será que terá o mesmo destino da propalada e agora esquecida, unidade para Mirandela (publicitada aquando do encerramento do bloco de partos do H. Mirandela)?
Também no SNS a irresponsabilidade e a insensibilidade a recursos finitos têm limites. Lamenta-se ter sido necessário o país chegar a uma situação difícil (orçamental, financeira e económica) para se concluir que a reforma da saúde, sempre adiada, tenha agora que ser concretizada.
O SU converteu-se, ao longo do tempo, numa caldeirada de interesses: i) Do sector privado de saúde, que quer próximo um SU para tapar as suas insuficiências e ter mão-de-obra disponível, e das novas empresas que fornecem médicos à hora para os SU; ii) Dos autarcas que exigem mais empregos e equipamentos públicos, porque não contribuem para os custos adicionais (suportados por todos os contribuintes); iii) Dos profissionais que assim compõem o vencimento com regime favorável para a acumulação; iv) Dos doentes que usam irresponsavelmente o SNS; v) Dos que querem ter aí um amplo campo para exercício da afirmação irresponsável e da demagogia. É essa realidade que é imperativo mudar, pela técnica e racionalidade, não pela politiquisse ou simples racionamento.
3º Balanço actual
Ir ao “banco” é típico do 3º mundo e Portugal tem muito mais atendimentos no SU/habitante (mais de 0,5 at/hab ano) que os restantes países (ex. Espanha, UK, USA). Esta situação tem, como consequência, utilizar muito mais médicos nos SU criando escassez nas actividades programadas, donde:
a) Muito menor nº de CE e cirurgias,
b) Menor qualidade dos atendimentos (ex. falta de conhecimento da história do doente e família),
c) Maior custo da saúde, por duplicações e erros de prescrição, baixa produtividade no SU face atendimentos programados,
d) Maior espera para uma consulta e operação programada.
Por isso é necessário evitar esse buraco negro que suga todos os recursos, doutro modo o SNS nunca produzirá os resultados que a população necessita e deseja. É necessário desatar esse nó cego do SNS: i) Escassez de médicos para CSP e actividade programada nos hospitais, tendo nós mais médicos por habitante que a EU; ii) Alto custo da saúde, com lacunas de oferta – ver post anterior; iii) Qualidade errática dos cuidados.
Como fazer? Como nos restantes países desenvolvidos que:
Investiram no aumento de actividades que evitam a procura inapropriada do SU: acesso a call center, para orientação e aconselhamento clínico (imediato); maior acesso aos CSP (todos terem médico de família e nº adequado de consultas – presenciais, domiciliárias e telefónicas); maior acesso à CE hospitalar e a atendimentos ambulatórios programados (com gestão da doença crónica e do tratamento de idosos).
Desenvolveram os cuidados continuados, a gestão da doença crónica e as respostas específicas para idosos;
Estruturaram a rede de urgência, como a CTPRU propõe.
Essa parece ser também a política de CC, que a oposição aliás não contesta (antes o processo ou o ritmo) e é aceite tanto pelo actual presidente da república como pelo anterior. O muito do barulho e confusão publicitadas não passam disso mesmo: ruído. De uns porque não tendo o conhecimento se deixam manipular, doutros por falta de alternativas e porventura de alguns poucos que temem perder regalias e vantagens.
Hermes
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11 Comments:
Caro Xavier:
Concordo com o texto e explicação que esplana.
O ponto que a política não foi capaz de implementar, foi a devida informação dos cidadãos.
Daí as manifestações, sobretudo nos locais onde os meios sempre foram escasos, e agora se tornam "menos evidentes".
Por outro lado, os meios que o INEM iniciou no atendimento pré-hospitalar, já há mt existem na Califórnia, portanto, devidamente testados e com acordo de todos (estado, profissionais e cidadãos) de mais valias, e não, penosidade para os cidadãos daquele país.
Mas, em Portugal as mudanças não são entendidas como mais valias para o utente, mas sim, afronta contra os profissionais, que neste âmbito tiram o seu vencimento mais arrojado. Sendo mts os que estão no SAP, sem SAV ou outros, no fundo sem prática em urgência /emergência.
cumprimentos
Caro Hermes:
Excelente resenha histórica da evolução do exercício deste sistema público de saúde - o SNS.
Bons diagnósticos de situações críticas no aspecto assistencial;
Uma limpida enumeração das tabelas terapêutica prescritas para os males do SNS e, aparentemente, adequada as diversas morbilidades (que convinha diferenciar e "esgalhar");
A evicção de discernir as causas das sérias dificuldades em adequar e provocar níveis satisfatórios de "compliance", tendo em conta a qualidade das terapêuticas prescritas, na actualidade;
E, mais penoso, um total eclipse sobre as responsabilidades da gestão nos erros que o sistema coleccionou ao longo de anos;
A ocultação do permanente lobbyng dos gestores e AH's no MS e as suas consequências no aparelho;
E, por último[*], uma total obscuridade sobre a responsabilidade dos deficites de educação sanitária e de comunicação que atigem a maioria dos utentes.
[*] - por último, porque estou a tentar sintetizar...
Vital Moreira numa análise que vai ao encontro do que tem sido aqui defendido.
A diminuição da oferta não se traduziu em nenhum défice ou degradação do serviço público [de saúde], pelo contrário
A meu ver, por mais politicamente aliciante que seja, não tem fundamento a tese de que as políticas de saúde em curso estão a "destruir o SNS". Pelo contrário, penso que só a sua reforma pode salvá-lo da destruição, pela insustentabilidade financeira e pela incapacidade para responder às crescentes necessidades em cuidados de saúde.
Os sistemas de saúde como o SNS, baseados na prestação directa de cuidados de saúde pelo Estado financiados por via de impostos, enfrentam dois riscos maiores. Primeiro, o risco da ineficiência da gestão pública tradicional; segundo, o risco da politização imediata de todas as deficiências e de todas as reformas do sistema. Ambos esses riscos se agravam quando, como sucede universalmente desde os anos 80, os sistemas de saúde se tornam cada vez mais exigentes em termos financeiros (por efeito da maior procura e sofisticação dos cuidados de saúde), ao passo que as disponibilidades financeiras do Estado deixam de acompanhar essas necessidades (por causa de taxas de crescimento económico mais reduzidas e da pressão política e social para a diminuição da carga fiscal).
Por toda a parte as respostas aos problemas referidos passam por duas vias.
A primeira passa pela mudança da gestão dos serviços públicos, no sentido de mais autonomia e mais responsabilidade dos gestores, profissionalização da gestão, financiamento pelo volume e qualidade dos cuidados prestados, avaliação de desempenho, contratualização das prestações e do financiamento, adopção de mecanismos de direito privado, incluindo o contrato de trabalho nas relações de emprego (em vez da função pública), etc.
É nesse movimento da "nova gestão pública" que se insere nomeadamente a gestão empresarial dos hospitais, como sucedeu em Portugal, bem como a "externalização" dos meios complementares de diagnóstico e de tratamento, parcerias público-privadas no financiamento, construção e gestão de equipamentos, etc. Em qualquer caso, trata-se de alcançar dois objectivos essenciais: em primeiro lugar, o aumento da eficiência, de modo a fazer mais com os mesmos recursos materiais, humanos e financeiros, eliminando desperdícios e utilizando plenamente os meios disponíveis; em segundo lugar, um certo distanciamento entre a gestão dos serviços de saúde e a gestão política, na medida em que aquela se torna mais autónoma, mais profissional e mais vinculada a objectos de desempenho "empresarial".
A outra via de reforma dos sistemas de saúde consiste na racionalização dos meios disponíveis, que passa pela concentração e diferenciação de estabelecimentos e pelo reordenamento territorial das redes de cuidados de saúde, de modo a cobrir todo o território e toda a população, sem vazios mas também sem redundâncias. É nesta vertente que se enquadra entre nós o reordenamento da rede de maternidades e blocos de partos (já realizado) e dos serviços de urgência (em curso). Visa-se não somente alcançar uma cobertura mais racional do território nacional, colmatando lacunas e eliminando a oferta supérflua, mas também de melhorar a qualidade dos cuidados de saúde prestados, substituindo serviços deficientes e sem pessoal qualificado suficiente por serviços mais modernos, mais bem equipados e com mais pessoal qualificado, mesmo se a maior distância.
Mesmo quando o saldo global entre ganhos e perdas é manifestamente positivo, o reordenamento territorial de serviços públicos enfrenta sempre a contestação dos que se vêem privados de serviços a que se julgam com direito, bem como a exploração mais ou menos demagógica das forças políticas interessadas na manutenção do statu quo (mesmo quando o seu interesse está justamente em deixar tudo como está, para depois invocar a insustentabilidade do sistema a fim de justificar a sua extinção). A contestação é em geral agravada pela conjugação da defesa de interesses profissionais (em especial a perda da generosa remuneração do horário extraordinário...) e das susceptibilidades locais à perda de qualquer equipamento público.
Mas é evidente que todos os serviços públicos devem ser justificados pelo serviço às populações e não somente porque "já lá estão" e há quem tenha interesse na sua permanência. Como mostrou o caso do encerramento das escolas do ensino básico e das maternidades - ambos os casos também muito contestados -, a diminuição da oferta não se traduziu em nenhum défice ou degradação do serviço público. Pelo contrário, trouxe um melhor serviço público. No caso das maternidades, por exemplo, há menos cesarianas e, contrariamente ao que corre, menos nascimentos em ambulâncias.
De resto, não faz sentido manter uma rede de serviços de urgência (ou de pseudo-urgência) mal equipados e mal dotados de pessoal qualificado, criados há muito tempo sem qualquer racionalidade territorial, quando agora os requisitos de qualificação de tais serviços não cessam de crescer e os tempos de deslocação se tornaram muito menores, mercê da nova rede rodoviária agora existente. Parece evidente que, tal como sucedeu nas escolas e nas maternidades, mais vale ter serviços mais qualificados a alguma distância, do que ter maus serviços ao pé de casa, que muitas vezes se limitam a ser locais de passagem (e de perda de tempo) para os serviços de urgência mais qualificados. Ponto é que seja assegurado o transporte dos doentes, incluindo ambulâncias medicalizadas.
Há três condições essenciais para o êxito de reformas politicamente tão delicadas como estas. Primeiro, assentarem numa forte convicção política; segundo, serem previamente validadas por estudos técnicos credíveis; segundo, assegurarem inequívocos ganhos em saúde (validação pelos resultados). Preenchidas as três condições, é muito mais fácil enfrentar os interesses profissionais ou paroquiais e os atavismos políticos e ideológicos. De estranhar seria que reformas destas fossem consensuais.
vitalmoreira, JP 22.01.08
Um texto excepcional pela capacidade de síntese e clareza.
Um texto didáctico que bem poderia fazer parte dum qualquer programa do secundário.
Na análise das reacções populares às medidas de reforma da Saúde, ressalta o seguinte:
a) as pessoas, duma forma geral, desconhecem o que se passa na saúde;
b)a memória é curta;
c) Desconfiança nata do zé povinho em relação ao poder político;
f) atraso cultural;
g) poderes instalados;
h) conformismo.
Quem é que consegue ser prior duma paróquia destas.
(...) Mas toda esta contestação evidenciou, igualmente, quão baixo se pode descer na política, ao ponto de não se ter escrúpulos em instrumentalizar a morte. Em vez da cobertura acrítica que fizeram, os meios de Comunicação Social, acampados em Anadia, poderiam ter ajudado a esclarecer um pouco mais a questão se tivessem procurado saber se casos como este já tinham acontecido quando as urgências funcionavam, se eram tratados em Anadia ou transferidos para outras localidades, qual é a dotação mínima de médicos e enfermeiros para que seja possível organizar um serviço de atendimento permanente de qualidade, como se faz noutros países, etc.. Não o fazendo, tem vindo a ficar-se pelos "sound bite". Talvez por o jornalismo em Portugal, também ele, estar doente. Tenho esperança de que tenha cura, sem necessidade de ir à urgência!
Alberto Castro, JN, 22.01.08
Estou de acordo com a Clara, trata-se de um texto de excepcional qualidade.
Temos grandes jornalistas como o Adelino Ferreira Gomes. E na saúde o MB. Mas a maioria da malta não estuda, não percebe, não sabe, não se esforça. Mas aventura-se a prestar péssimos serviços aos leitores.
A vergonha que se está a passar com a cobertura jornalística das urgências atingiu o seu ponto máximo com o caso da morte da bebé de Anadia.
Fazer pior é impossível.
A forma como o Hermes reduziu a pó o texto da jornalista do JP é a todos os titulos digna de nota.
Uma verdadeira lição dirigida a quem não percebe patavina do nosso sistema de saúde e tem a lata de escrever e lançar bitaites sobre o mesmo.
O texto de vital moreira deveria ser fortemente criticado por aqueles que "aqui" se têm desde sempre manifestado contra a empresarialização dos HH e as PPP.
Porque aponta exctamente essa medidas como uma solução.
Ora se o texto é bom, então parece que algo está a mudar ou andamos distraídos!
É um texto que encerra além do mais todo um discurso recorrente do tipo blá, blá, blá.
Mas uma passagem merece especial reparo.
Diz o autor:
"...ao passo que as disponibilidades financeiras do Estado deixam de acompanhar essas necessidades (por causa de taxas de crescimento económico mais reduzidas e da pressão política e social para a diminuição da carga fiscal)."
Até parece ser verdade, mas não é.
Diz o Governo que a economia está em crescimento (e está; pouco mas está) e a redução de benefícios fiscais, a mair eficácia da cobrança de impostos e o agravamento das taxas, têm permitido aumentar grandemente as receitas fiscais, como se constata.
Ao mesmo tempo, já pagamos muitos serviços que, não há muito tempo, eram gratuitos.
Pagamos mais propinas, pagamos mais taxas moderadoras e de punição, pagamos estacionamentos, pagamos, pagamos, pagamos...
E vejam como pagamos tão caros os actos notariais!
O que se verifica entre nós é que cada vez pagamos mais impostos. E a carga fiscal, como todos sentimos nos nossos bolsos só tem aumentado.
E as receitas fiscais, elas próprias, também têm aumentado.
Portanto o que há que fazer opções quanto ao destino dos impostos e às funções do Estado.
Mas qualquer política social deve privilegiar a prestação de cuidados de saúde a TODOS SEM DISTINÇÃO.
Ainda que, com é óbvio devam ser permanentemente tomadas medidas de racionalização e melhoria da eficiência.
Falta Planeamento na Saúde há muitos anos. Durante muitos anos a Saúde foi defacto refúgio para muitos. O Sistema foi mal gerido, por muita gente incompetente a quem foram oferecidos lugares pagos principescamente sem qualquer relação com as suas competência e os resultados alcançados.
E atrevo-me até a dizer que muitos dos que criticam o que os médicos ganham com trabalho extraordinário, ganham, incomparavelmente mais na relação com o trabalho que prestam.
Para bom entendedor...
Como fazer?
ou
Como está a ser feito?
1.) Cuidados Primários Saúde / USF’s
2.) Cuidados Continuados Integrados (CCI’s)
3.) Requalificação e reorganização da rede de Urgências (SU)
Alternativa (estrutural)
ou
Adivinhe o que está a ser esquecido?
1.) CPS / USF’s
2.) SU
3.) .../ … (*)
4.) CCI
(*) – Rede Cuidados Secundários (reestruturação) / HH’s:
- Não basta para os HH’s as máximas de LFP (economista, ISCEF):
“mais cirurgias, mais consultas, mais tratamentos…” ( e o resto a monte!).
- Ou os slogans de CC (economista da saúde, ENSP):
“combater o desperdício”; “maior efectividade”, “ melhores respostas” ...(sem motivações, sem investimentos, sem re-qualificações ou reformas).
NOTAS GENÉRICAS :
a) o escalonamento não é aleatório;
b) as prioridades estão implícitas no escalonamento;
c) soluções técnicas não substituem estratégias políticas;
d) os sistemas são sempre ideológicos
e) fim da espontaneidade do “Que Fazer?” e chegada ao “Como Fazer”;
§ - Único
1. Os ganhos em saúde nesta área (que existem!) devem ser endossados à gestão “profissional” (o “profissional” é importante – de modo que os outros trabalhadores da saúde pareçam amadores).
2. Quando, hoje, alguém fala na “destruição do SNS” (imagem caricatural, ainda) está a pensar na privatização total ou parcial do sistema. Está olhar para os HH’s! A preocupação reside aí, onde os sectores eventualmente beneficiários dessa privatização estão a investir, prometem continuar a investir e mostram ao público unidades hospitalares modernas, inovadoras e multidisciplinares, de porta aberta.
Porque investiram e afirmam que vão continuar ou intensificar?
- Um esclarecimento inadiável.
3. Os HH’s PPP’s, em adiantada fase de lançamento, são compreendidos pela população?
Ou ao menos temos a certeza que são um bom negócio para o SNS?
ADENDA:
Quando se agita o “desmantelamento” do SNS – julgo que hoje um firme consenso sobre o SNS nas forças políticas portuguesas, morreu - não estamos a circunscrever-nos a naturais e previsíveis dificuldades de reorganização e reestruturação dos serviços e suas redes de integração, que existem, mas são acidentes de percurso. Nem à balbúrdia social que se gerou à sua volta, fundamentalmente por falta de percepção da mudança.
A agitação valorizável, daninha e deletéria à volta do SNS (no seu seio não se detectam comportamentos autofágicos) é, essencialmente, política.
E as convicções e condições políticas para reformar (como sugere Vital Moreira) são como os chapéus. Há muitos, sendo necessário escolher, decidir, o feitio, o corte, a talha, o modelo.
Todavia, a verdadeira ameaça é:
o NEOLIBERALISMO político e económico.
É neste campo que o futuro do SNS vai, em última análise, ser decidido.
Os pretextos serão:
a insustentabilidade financeira, a má gestão pública, o mau desempenho dos funcionários, a incapacidade de se reestruturar e reorganizar, a falta de agilidade nas respostas, etc.
Por esse motivo, entendo que a petição do BE é plenamente justificável e oportuna.
Como é reconhecido em alguns comentários alguma comunicação social sabe pouco do SNS.
O que saberá a população?
Se não houver oportunidade de questionar o futuro do SNS, são legitimas todas as "sombras" que obscurecem o sistema.
Mas o visível, no artigo de hoje (no JP) de Vital Moreira é pretensão de à partida "desvalorizar", diria melhor, "abortar" essa discussão...
que, segundo tive oportunidade de ouvir hoje na SICNotícias (21h), até o próprio MS, com um sorriso nos lábios, se prontificou a subscrever (a petição).
Acabava eu de escrever o meu comentário anterior e na TV era repetida a notícia: o H. de Faro vai investir (gastar, digo eu) um milhão de euros na construção de um pavilhão pre-fabricado para resolver o problema do SU daquele hospital. Mais 400 mil euros em equipamento.
Ora aqui está um bom exemplo dedesperdício de recursos por falta de planeamento.
Há dias tive ocasião de repor uma notícia onde se dizia que CC, em campmaha eleitoral, afirmara não ser prioritária a construção do novo Hospital de Faro.
Em contrapartida, dizia o então MS LFP: ..."está tudo calendarizado, programado e preparado para que o lançamento da obra se efectue até Agosto" mas não esqueceu o actual período de eleições: "Se formos nós a governar, faremos este hospital, mas não podemos falar pelos outros nem adivinhar o que vão fazer."
Hoje, decorridos três anos de governo PS, com CC à frente do MS, o H. de Faro é aquilo que se vê e se ouve!
E será deitado à rua mais de um milhão de euros, gastos numa solução que não deixará de ser um remendo. E será a forma de mais uma vez adiar uma definitiva e boa solução para a Saúde em Faro.
Mas talvez nem seja isso que é mais criticável. O que é mais criticável é o desleixo com que o MS tem olhado para problemas como este.
Caro Hermes:
Espero que tenha lido a ampla e citada (capa) reportagem na Visão de 24.Jan, sobre o candente tema das Urgências, no nosso País.
Ela teria (penso eu) o mérito de decifrar algumas "visões" confinadas e estereotipadas, nomeadamente, em relação a "laivos pitonistas" nas declarações de alguns membros da CTPRU, que os jornalistas são exímios em detectar...
A não ser que esteja convicto que estamos rodeados por uma abominável "gutter press"...
Tonitosa
A gente não deve falar do que não sabe!
1.º No ano de 2001/2002 o actual presidente da CE Durão Barroso, vinha a Faro prometer um novo Hospital poque os algarvios não eram menos que os veraneantes para o qual a ARS Algarve organizava desde 1987 um Plano Verão; 2.º O Governo de DB/Luis Filipe Pereira decidia a construção de 10 novos Hospitais em PPP, o Hospital de Faro era o 5.º; Na pré-campanha eleitoral 2004 CC dá uma entrevista ao DN onde põe em causa a oportunidade da construção dos hospitais de 2.ª vaga; Poucos dias depois o actual PM diz no Algarve que o H Central do Algarve era uma prioridade e dias depois CC vêm ao Algarve reafirmar a mesma posição;3.º em Janeiro de 2005 LFP vem ao Algarve dizer que com o PSD o Hospital avançaria no Verão de 2005; 4.º Em Maio de 2005 CC ordena estudo para a calendarização dos Hospitais de 2.ª vaga; 5.º meses depois a EGP anuncia as prioridades para os novos Hospitais; 6.º Em junho de 2006 CC nomeia GT para efectuar o dimensionamento e perfil funcional do HCA; em Julho de 2007 é apresentado o referido estudo;7.º em Setembro de 2007 novo GT inicia os trabalhos para o Programa Funcional do Hospital que CC já anunciou que estará pronto em Fevereiro de 2007; 8.º O Novo HCA será PPP infraestrutural; 9.º O Concurso Público será no 2.º trimestre de 2008; 10.º Em Abril de 2007 o actual H. Faro passa a Hospital Central para fins de financiamento; 11.º No 1.º trimestre o H Faro passará a EPE;
Só que não conhece a actual urgência do Hospital de Faro é que não percebe a necessidade de ser reformulada e aumentada, só quem não conhece o que se tem feito em Faro nos dois últimos anos é que pode dizer estas barbaridades - foi posta funcionar a Cirurgia do Ambulatório, reformulado o Bloco de partos, o novo Bloco central, encontram-se em finalização as obras do novos serviços de gastroenterologia, pneumologia e urgência pediátrica. Foi posta a funcionar a Unidade de AVC, a Unidade de Cardiologia de Intervenção funciona sete dias por semana 24 horas, e faz mais de 600 cateterismos ano; Abriram no Algarve 163 camas de cuidados continuados e 19 equipas de apoio domiciliário integrado, serão abertas até final do ano mais 263 camas.
Tonitosa
Desleixo é não fazer trabalho de casa e falar do que naõ se conhece.
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