quinta-feira, fevereiro 21

Incentivos na Saúde?


O maior obstáculo às soluções dos problemas do SNS não é a ignorância. É o preconceito partidário e a demagogia eleitoralista.

Milton Friedman, um dos académicos norte-americanos que merece toda a atenção nos dias que correm, deixou-nos várias ideias simples de grande profundidade intelectual. No contexto que vivemos hoje no sistema de Saúde português, gostaria de destacar a seguinte: ‘we do not influence the course of events by persuading people that we are right. Rather, we exert influence by keeping options available when something has to be done at a time of crisis.’ Esta citação de Friedman, serve-me, faz anos, como uma lição de orientação estratégica para o conhecimento. Acredito que deve guiar o pensamento de reflexão para a praxis em prol da procura de soluções para as dificuldades no sector da Saúde.

A literatura internacional no tema da gestão dos incentivos em Saúde é bastante elucidativa sobre as opções disponíveis. Há alguns dados que importa referenciar como pistas que os interessados poderão aprofundar em busca de mais pormenores, a saber: a) A introdução de prémios para ‘performance’ e/ou alcance de critérios de qualidade, altera a prática clínica; para melhor ou não, dependendo da orientação dos próprios incentivos; b) Os incentivos financeiros para médicos e hospitais, para que estes atinjam os seus objectivos, são por vezes mal aplicados ou geram conflitos com outras profissões, pelo que deve ser clarificado o que se pretende criar com os incentivos: um sistema de remunerações justo? incentivos financeiros para melhorar os impactos na qualidade de vida do cidadão? ou, simplesmente, induzir os prestadores a promoverem eficiência e aumentarem as suas receitas? c) Pode verificar-se selecção adversa se o incentivo for baseado na ‘performance’, uma vez que os prestadores poderão reencaminhar, com grande rapidez, os utentes “mais doentes” para outra unidade. d) A relação entre ‘guidelines’ clínicas e incentivos à ‘performance’ nem sempre se consegue associar a resultados dos cuidados de Saúde prestados; esta deve ser uma preocupação fundamental. e) A motivação e a equipa deve ser considerada como elemento estruturante na análise do comportamento dos profissionais de Saúde perante um incentivo. f) Uma tipologia de incentivos fundamental deverá ser orientada para promover a satisfação no trabalho e motivar o profissional à melhoria contínua das suas competências; g) É necessário implementar um programa de acompanhamento e avaliação da: ‘performance’, custos reais, qualidade e resultados obtidos. De contrário o incentivo transforma-se em mero incremento salarial. Na incapacidade de estabelecer essa abordagem, será melhor anunciar simplesmente um aumento dos salários. h) Um obstáculo de difícil combinação, é a relação entre o volume de incentivos e o investimento necessário para avaliar os impactos desses incentivos e corrigir os desvios comportamentais. i) O pagamento de incentivos à ‘performance’, implica sempre outros custos que devem ser associados ao orçamento do programa, referentes ao desenvolvimento e à implementação de sistemas de informação que monitorizem o seu efeito.

Na sequência destes pontos, apresentados para que discutamos opções, somo forçados a referir que, do ponto de vista da estratégia política, o anúncio dos incentivos aos clínicos gerais como primeira acção pública da nova ministra da Saúde foi, no mínimo, surpreendente. Tratando-se de incentivos essencialmente financeiros, o anúncio focalizou a intervenção da ministra nos cuidados de Saúde primários nas questões financeiras. Sendo uma área técnica em que Ana Jorge estará menos à vontade, é também uma das opções em que há menos flexibilidade devido às restrições associadas ao combate ao ‘deficit’ da dívida pública. Um erro político? O maior obstáculo às soluções dos problemas do SNS não é a ignorância. É o preconceito partidário e a demagogia eleitoralista. Esperemos pelos próximos episódios das políticas de Saúde em Portugal. Vale a pena reler Milton Friedman.

Nota: ideias adaptadas de trabalhos da autoria e coordenação do próprio, realizados em 2004 e 2007, respectivamente.
PKM, DE 21.02.08