THE END
Manuel Delgado (MD) deixou a presidência da APAH ao fim de 16 anos. Para descansar, justifica. Ou a morte anunciada dos AH. Fica a entrevista da praxe ao semanário expresso (17.05.08) link
(...) Entraram em vigor taxas moderadoras reduzidas para as pessoas com mais de 65 anos. O objectivo do Governo de disciplinar o acesso está a ser conseguido?
Convém esclarecer que não estamos perante uma taxa moderadora. Como a palavra indica, as taxas moderadoras são instituídas para moderar o acesso, portanto, um mecanismo de travagem da procura desnecessária, que é um juízo muito pessoal que cada indivíduo faz antes de consumir um bem ou utilizar um serviço. No meu ponto de vista, só há dois momentos em que isso acontece: na Urgência e na consulta do centro de saúde. Todos os outros procedimentos são de iniciativa do médico, ou seja, as outras taxas não são moderadoras mas sim de utilização.
Está a dizer que não concorda com as taxas para os exames e para o internamento?
Eventualmente, nem para as consultas. Quando eu recebo uma série de doentes que provêm dos centros de saúde porque o médico de família considera que o doente tem de ir a uma consulta hospitalar vamos moderar o quê? Vamos moderar uma necessidade deferida por um médico?
Mas esse dinheiro tem sido utilizado pelos hospitais.
Ora bem. São valores percentuais muito baixos mas é um dinheiro que faz falta. A maioria dos hospitais ainda trabalha numa situação deficitária e tudo o que sejam taxas de utilização são úteis ao seu desenvolvimento. O problema é quando essas taxas tocam na necessidade: haverá doentes que por falta de dinheiro se inibem de fazer exames ou consultas?
E há?
Admito-o em algumas famílias.
Mas 55% da população está isenta.
Sim, embora não se perceba qual é a justiça para muitas dessas isenções. Há duas que têm a ver com situações que não são discriminatórias de rendimentos e era bom que fossem: a idade e a doença crónica.
Mas quem se dirige a um hospital sem dinheiro para pagar a taxa moderadora não pode ficar sem assistência.
Nós temos como princípio, aliás constitucional, atender todas as pessoas e dar-lhe a prioridade clínica necessária.(...)
Convém esclarecer que não estamos perante uma taxa moderadora. Como a palavra indica, as taxas moderadoras são instituídas para moderar o acesso, portanto, um mecanismo de travagem da procura desnecessária, que é um juízo muito pessoal que cada indivíduo faz antes de consumir um bem ou utilizar um serviço. No meu ponto de vista, só há dois momentos em que isso acontece: na Urgência e na consulta do centro de saúde. Todos os outros procedimentos são de iniciativa do médico, ou seja, as outras taxas não são moderadoras mas sim de utilização.
Está a dizer que não concorda com as taxas para os exames e para o internamento?
Eventualmente, nem para as consultas. Quando eu recebo uma série de doentes que provêm dos centros de saúde porque o médico de família considera que o doente tem de ir a uma consulta hospitalar vamos moderar o quê? Vamos moderar uma necessidade deferida por um médico?
Mas esse dinheiro tem sido utilizado pelos hospitais.
Ora bem. São valores percentuais muito baixos mas é um dinheiro que faz falta. A maioria dos hospitais ainda trabalha numa situação deficitária e tudo o que sejam taxas de utilização são úteis ao seu desenvolvimento. O problema é quando essas taxas tocam na necessidade: haverá doentes que por falta de dinheiro se inibem de fazer exames ou consultas?
E há?
Admito-o em algumas famílias.
Mas 55% da população está isenta.
Sim, embora não se perceba qual é a justiça para muitas dessas isenções. Há duas que têm a ver com situações que não são discriminatórias de rendimentos e era bom que fossem: a idade e a doença crónica.
Mas quem se dirige a um hospital sem dinheiro para pagar a taxa moderadora não pode ficar sem assistência.
Nós temos como princípio, aliás constitucional, atender todas as pessoas e dar-lhe a prioridade clínica necessária.(...)
A saída do ex-ministro Correia de Campos surpreendeu-o?
Não. A sensação pública e notória era que havia ali uma focalização empoladíssima na conduta do Ministério da Saúde. Independentemente dos seus actos, e foi um excelente ministro, do ponto de vista político era insustentável continuar com ele lugar.
Que avaliação faz do desempenho da actual ministra saúde, Ana Jorge?
O anterior ministro tinha de sair pelo foco de pressão que estava a centrar nele e esse foco desapareceu. Neste momento, as coisas estão pacificadas e a ministra tem ano e meio pela frente para as consolidar.
Como comenta o desmentido de Sócrates à ministra da Saúde sobre a entrega da assistência médica dos funcionários públicos (ADSE) ao Hospital da Luz?
Somos o único país da Europa em que paralelamente ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), que se admite equitativo para todos os portugueses, há subsistemas contributivos em certas condições e uma é ser funcionário público. É o próprio Estado que desconfia do seu SNS e diz aos funcionários públicos que têm direito a mais 'qualquer coisinha ' porque o que há não funciona bem. O que se passou entre a ADSE e o Hospital da Luz foi dar um extra aos cidadãos que pagam 1,5% para a Saúde. A lógica deste modelo é a de um seguro complementar para os funcionários públicos na convicção de lhes estar a dar um prémio adicional. Mas já existia: a ADSE já tinha acordos com entidades privadas de norte a sul.
Então, os funcionários públicos têm melhores cuidados de saúde.
Têm, aparentemente, uma probabilidade de acesso maior. Contudo pagam mais: os impostos e mais 1,5%.
Que análise faz do afastamento da José de Mello de Saúde do Hospital Amadora - Sintra e do recuo nas parcerias com os privados para os novos hospitais?
O Hospital da Amadora foi o único modelo de gestão privada de um bem público. É um hospital igual aos outros do ponto de vista clínico e funciona relativamente bem. O problema que existiu foi um diferendo na apreciação das contas e o Estado não teve capacidade de montar um esquema de acompanhamento adequado.
E o Estado como não é capaz de fazer esse acompanhamento optou por retirar a administração clínica aos privados.
Exactamente. Mas também é bom que se diga que o modelo de gestão pública evoluiu muito.
Ou seja, o recuo do primeiro-ministro foi acertado.
Como gestor público acho que é e fiquei contente porque é uma prova de confiança na gestão pública. Independentemente da ideologia política, que não discuto, há uma prova de confiança.
semanário expresso, edição n.º 1855, 17.05.08
Não. A sensação pública e notória era que havia ali uma focalização empoladíssima na conduta do Ministério da Saúde. Independentemente dos seus actos, e foi um excelente ministro, do ponto de vista político era insustentável continuar com ele lugar.
Que avaliação faz do desempenho da actual ministra saúde, Ana Jorge?
O anterior ministro tinha de sair pelo foco de pressão que estava a centrar nele e esse foco desapareceu. Neste momento, as coisas estão pacificadas e a ministra tem ano e meio pela frente para as consolidar.
Como comenta o desmentido de Sócrates à ministra da Saúde sobre a entrega da assistência médica dos funcionários públicos (ADSE) ao Hospital da Luz?
Somos o único país da Europa em que paralelamente ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), que se admite equitativo para todos os portugueses, há subsistemas contributivos em certas condições e uma é ser funcionário público. É o próprio Estado que desconfia do seu SNS e diz aos funcionários públicos que têm direito a mais 'qualquer coisinha ' porque o que há não funciona bem. O que se passou entre a ADSE e o Hospital da Luz foi dar um extra aos cidadãos que pagam 1,5% para a Saúde. A lógica deste modelo é a de um seguro complementar para os funcionários públicos na convicção de lhes estar a dar um prémio adicional. Mas já existia: a ADSE já tinha acordos com entidades privadas de norte a sul.
Então, os funcionários públicos têm melhores cuidados de saúde.
Têm, aparentemente, uma probabilidade de acesso maior. Contudo pagam mais: os impostos e mais 1,5%.
Que análise faz do afastamento da José de Mello de Saúde do Hospital Amadora - Sintra e do recuo nas parcerias com os privados para os novos hospitais?
O Hospital da Amadora foi o único modelo de gestão privada de um bem público. É um hospital igual aos outros do ponto de vista clínico e funciona relativamente bem. O problema que existiu foi um diferendo na apreciação das contas e o Estado não teve capacidade de montar um esquema de acompanhamento adequado.
E o Estado como não é capaz de fazer esse acompanhamento optou por retirar a administração clínica aos privados.
Exactamente. Mas também é bom que se diga que o modelo de gestão pública evoluiu muito.
Ou seja, o recuo do primeiro-ministro foi acertado.
Como gestor público acho que é e fiquei contente porque é uma prova de confiança na gestão pública. Independentemente da ideologia política, que não discuto, há uma prova de confiança.
semanário expresso, edição n.º 1855, 17.05.08
6 Comments:
Mais um a caminho da PRIVADA!
“Os partidos usam as administrações dos hospitais para satisfazer alguma clientela e resolver problemas de colocação ou de influência de pessoas muito importantes que pedem os lugares para este ou aquele”.
No topo da lista dos políticos mais adeptos do «jobs for boys», o economista coloca os antigos ministros da Saúde Leonor Beleza e Luís Filipe Pereira. Ambos são acusados de serem os autores do cenário mais negro para esta classe profissional: a ex-governante por ter feito uma “clivagem brutal no modelo de gestão” e Pereira por ter ido “buscar pessoas sem sensibilidade para os problemas da Saúde. Os administradores hospitalares foram tratados como meros funcionários administrativos”. Nos antípodas, Manuel Delgado põe, precisamente, o actual Executivo: “Manda a verdade dizer que, este Governo é, porventura, o que menos tem utilizado esse instrumento”.
Semanário Expresso 17.05.08
A jornalista do abundante material recolhido na entrevista quis destacar este ponto. Um dos problemas graves da nossa gestão hospitalar. Pois continuamos a assistir a nomeações de favor de um elevado número de administradores para os Conselhos de Administração dos HHs do SNS. Pese embora o perfil desadequado dos nomeados, o baixo nível de conhecimentos, o envolvimento anterior em situações estranhas, etc,etc.
O interesse ligado a estas nomeações é óbvio: servir de pivot à colocação de interesses de entidades com capacidade de influência nestas nomeações. E o que é mais caricato é ver estes nomeados de favor, após o cumprimento de um conjunto de tarefas pouco escrupulosas (afinal, o cumprimento dos objectivos dos padrinhos), serem colocados de novo, em cargos cada vez mais importantes. De notar que este sistema (carrossel de interesses) resulta, como é evidente, em prejuízo do SNS e da bolsa dos contribuintes.
É por isso, indispensável avançar com a maior celeridade possível com a implementação do Sistema de Avaliação dos CAs dos HHs.
A entrevista de MD é importantíssima pelo que diz, escalpelizando o SNS de cima abaixo. Não só porque diagnostica muito dos “podres” que o têm enfraquecido (Xavier tratou de um deles), mas principalmente porque aponta soluções para muitos dos seus males. Pela sua importância destaco:
“A medicina familiar é, talvez, o maior desafio que temos: criar uma rede de cuidados primários que evite a concentração de doentes nos hospitais. Em Portugal teremos 70% dos médicos concentrados nos hospitais quando em França este valor não passa dos 50% e na Alemanha 40%. Ou seja, em Portugal temos tudo invertido em relação aos outros países. A Urgência é um dos 'cancros '. Temos dez milhões de urgências por ano e isso é o sinal de um país com os cuidados de saúde desorganizados. Daí a necessidade de reforma dos cuidados primários e do trabalho coordenado com os hospitais. Lá fora, o médico de família e do hospital conversam, aqui o médico do centro de saúde manda o doente para a Urgência”
Como já alguém disse, em vez de uma medicina baseada na evidência temos no País uma baseada na urgência. A reforma dos cuidados primários é pois crucial para corrigir este viés, sabemos porém que enquanto não invertermos a proporção de médicos entre hospitais e centros de saúde, será difícil dar uma resposta adequada e racional às necessidades das populações. Parece-me pois que pelo menos num período de transição haveria necessidade de fazer deslocar, em regime de consultadoria, profissionais dos hospitais para os centros de saúde. Como se sabe, a partir dos 50 anos muitos médicos hospitalares pedem escusa do Serviço de Urgência, verificando-se frequentemente que essas horas não são utilizadas noutras actividades. Pergunta-se, por que não aproveitar estes profissionais para o fim em vista?
Caro Xavier:
Na altura da partida de MD, trago à superfície 3 notas e um propósito:
1ª.) ...Com Luís Filipe Pereira, os administradores hospitalares foram tratados como meros funcionários administrativos e até desrespeitados".
Exacto. Com Correia de Campos os médicos um corpo técnico especial da função pública para além de desrespeitados, foram também administratizados e humilhados quando questionados sobre o dever de assiduidade (entre outros);
2ª.) As carreiras...
MD termina a entrevista, com a seguinte asserção:
"muitos hospitais estão hoje com administradores hospitalares, contudo, há um problema por resolver: a revisão da carreira, mas ainda há esperança que sobreviva."
Quando o grupo profissional médico fala em carreiras os gestores f preferem falar em desempenhos contra empregos que nada produzem, subsidiários do OE.
Em que ficamos?
Isto é para todos?
3º.) Finalmente, outra vez os médicos:
- um medico pode fazer 2 anos de ENSP e tornar AH, passando a pessoal dirigente da função pública;
outro médico em igualdade de circunstâncias, depois de 2 anos de tirocínio medico-cirúrgico generalista, concorre às carreiras médicas, faz de 4 a 6 anos de prendizagem de conhecimento e treino de desempenho, exames final de habilitação é um mero técnico superior da função pública.
Depois, passamos a vida a falar de privilégios corporativos.
Finalmente, compreendo a sua insistência em terçar armas pela implementação do Sistema de Avaliação dos CA’s dos HH’s epe’s.
O que no plano dos princípios defende o bom desempenho no SNS, e nesse campo é eticamente inatacável.
Um dos problemas é que a avaliação dos CA dos HH carrega com o risco de indiciar ao sector privado por onde começar, melhor dizendo, como prosseguir, a "desnatação" nessa área.
Como é notório na entrevista de MD esse não é um fulcral interesse dos partidos. Não só do PS, mas do chamado Bloco Central. Pelo contrário.
Neste momento, "jobs for the boys" continuam a existir, só que com nomeações mais discretas, mais sofisticadas...
Mas, MD sabe que este esquema não começou com Leonor Beleza, nem terminou com Luís Filipe Pereira. Ele, actualmente, existe em HH’s e MD deveria ser comedido nesta apreciação e adocicá-la, p. exº., com ovos moles.
Finalmente, Xavier:
Uma provocação, saudável.
Elabore uma lista para os futuros corpos gerentes da APAH. ..
Tem perfil de liderança, está up date numa imensa variedade de assuntos da saúde e estes anos de Saudesa, deram-lhe traquejo para resolver com situações difíceis e complicadas.
Lá se ia a Saudesa!
Um abraço.
A regra de Sutton
Willie Sutton, um famoso gangster americano, foi capturado após sucessivos assaltos a bancos que lhe renderam uma enorme fortuna. Uma vez em tribunal e questionado pelo Juiz: Mas por que é que o senhor só assalta bancos? Responde: Mas ó Dr. Juiz não é aí que está o dinheiro?
Esta história tem servido para muitas explicações e penso que bem se pode aplicar ao que se está a passar no sector hospitalar. Com os grupos privados a oferecerem bons vencimentos, em especial aos profissionais a tempo inteiro, e com salários em constante perda na função pública, os trabalhadores do SNS, tal como Sutton, seguirão o rasto do dinheiro.
Se nada de muito rápido for feito, os profissionais, médicos em particular porque as relações de oferta/procura os beneficiam, vão continuar a sair do SNS numa relação directa com as suas qualificações e lei do mercado. Correia de Campos, irresponsavelmente, desvalorizou este fenómeno migratório; Ana Jorge, mostrando sentido de Estado, já manifestou preocupação com a sangria do Hospital Público que se vai esvaindo à medida que os grandes grupos privados se vão instalando. Espero bem que tenha transportado essa preocupação para o seio do Governo e que a dor de cabeça se transforme em medidas concretas que estanquem a hemorragia que, em minha opinião, terão de ter em consideração estas componentes:
- Pagar melhor, tendo como contrapartida maior dedicação com tradução em maior e melhor produção, através do reforço de regras de contratualização interna.
- Considerar três componentes remuneratórias: Actividade Clínica/Investigação/Ensino.
- Clarificar as formas de pagamento associando-as à produtividade individual e de grupo.
- Maior competitividade, através de concursos de provimento sempre abertos ao exterior e com novas regras.
Manuel Delgado nesta entrevista diagnostica algumas das situações hospitalares anómalas que qualquer reforma a empreender deverá ter em linha de conta. Em muitos casos nem se trata de aumentar o bolo mas de o distribuir melhor.
Penso que a sociedade portuguesa está alheada senão mesmo iludida, com as mudanças que se estão a operar na área hospitalar. É pois preciso fazer passar o discurso, não por propaganda mas por ser real, que a conservação e melhoria do Hospital Público é do interesse de todas as camadas sociais, excluindo talvez as grandes fortunas. A pequena e média burguesia, que julgam estar a salvo das vicissitudes dos decisores políticos por se encontrarem protegidas por um qualquer seguro de saúde privado, desconhecem em muitos casos que essa mesma protecção caduca em idades em que os problemas de saúde se avolumam e que, sem fortuna própria, é ao Hospital Público que terão de recorrer. Ou será que alguém está convencido que Estado Português tem força negocial para exigir das seguradoras coberturas vitalícias ou, em alternativa, capacidade orçamental para suportar um sistema tipo Medicare como nos USA?
Enviar um comentário
<< Home