quinta-feira, janeiro 7

Um mapa enviesado…

A Comissão de Coordenação Nacional para as Doenças Oncológicas, apresentou um mapa para uma rede de tratamentos nesta área. link

A proposta desta comissão de Coordenação é um documento importante para a definição de uma estratégia de tratamento do cancro no nosso País.
Do documento elaborado pela dita comissão ressaltou para o grande público (e também para os nossos doutos deputados) o provável encerramento de alguns centros oncológicos. Na versão original referia-se o fecho dos centros que tratassem menos de 500 doentes mas, ontem, no Parlamento, como estamos em época de saldos, esse número caíu para 250.

O tratamento do cancro é um complexo processo multidisciplinar que envolve variadíssimos grupos de profissionais da saúde e exige meios técnicos sofisticados, por exemplo, serviços de radioterapia, PET’s, etc, que não podem ser disseminados pelo País, como se fossem quiosques para a venda de jornais.
Daí, a preocupação da comissão de Coordenação Nacional para as Doenças Oncológicas em estabelecer balizas para implementar boas praticas de tratamento e, também, racionalizar o investimento que os Centros Oncológicos necessitam. Não quero acreditar que as quotas de doentes tratados tenham uma matriz “economicista”…

Portugal é um caso atípico em relação à Europa. Existe uma “pré-rede” constituída pelos Centros Regionais de Oncologia (IPO’s), que dominam o sector mas, efectivamente, a liderança nesta área poderá estar nos Hospitais Centrais, instituições que tratam um maior número de casos oncológicos.
Os IPO’s, instituições criadas sob a égide do Ministério da Educação, eram originariamente centros de investigação contra o cancro, mas o paulatino evoluir da situação no campo da saúde, “desviou-os” para tarefas assistenciais de rotina oncológica e a investigação nesta área faz-se, hoje, em diversos HH’s e, também, nos Institutos.
Assim, temos uma estrutura especialmente dedicada ao cancro que foi ultrapassada pelos acontecimentos mas que, por exemplo, continua a dominar o Conselho Nacional de Oncologia (órgão consultivo do MS) e, por esse motivo, a auferirem o grosso das verbas destinadas à investigação e desenvolvimento, na área oncológica.

As instituições salvaguardando as situações que envolvem tecnologias de ponta são o suporte material (físico) para o tratamento do cancro. Não são, contudo, o essencial do problema.
O principal é a componente humano, especializada e, também, multidisciplinar, de que seremos, para não destoar do resto, naturalmente carenciados. Hoje, a oncologia deve fazer-se, essencialmente, no seio de grupos cooperativos nacionais que se devem articular com grupos europeus e trabalhar no seio da EORTC (European Organization for Research and Treatment of Câncer).
As questões de eficiência colocam-se neste campo e nas instituições com capacidade humana e técnica de cumprir as normas de tratamento internacional. Há, portanto, aqui uma transferência de liderança do âmbito nacional para o conjunto europeu. Até, porque, para determinadas situações oncológicas graves, mas com baixa incidência, os 10 milhões de portugueses constituem uma amostra pouco significativa. A cooperação internacional é, deste modo, fundamental.

Em Oncologia a qualidade é fundamental, essencialmente, para os doentes deste foro. Esta só é atingida pela cooperação e pelas constantes auditorias a aplicação dos protocolos internacionalmente aprovados. Não há mais lugar para prosseguir, em capelas ínfimas (à escala europeia), a virtuosidades empíricas domésticas. Tanto mais que a Oncologia é a área privilegiada da introdução de “novos fármacos” e onde a verificação da evidencia cientifica é o factor fulcral para o apuramento do binómio custo/eficácia. Este é também o caminho seguro para cortar nos desperdícios nesta área.
Na Oncologia, existe. quando entramos no campo da avaliação dos resultados um factor que é frequentemente ignorado. O chamado “factor cirurgião” que determina, ou melhor, condiciona diferentes taxas de sobrevida, para situações idênticas. Os japoneses há muito que detectarem este problema. E o “factor cirurgião” está longe de ser determinado pelo número de intervenções/ano, mas antes deriva do conhecimento teórico e desenvoltura técnica que desemboca num bom desempenho. Onde reside este “factor”. Nos grandes ou pequenos centros. Ninguém sabe. Não há, neste País, qualquer avaliação de resultados que seja fidedigna.

Quem já trabalhou em grupos da EORTC sabe que o que conta é o factor humano. O responsável é o líder da equipa e é ele a quem lhe pedem contas. A instituição pouco importa.

A rede de cuidados oncológicos está em discussão pública. Prematuramente.
Teria sido crucial submeter antecipadamente o desenho desta rede ao Conselho Nacional de Oncologia, depois de expurgado de lugares cativos e renovado segundo o “esforço” oncológico das diferentes Instituições que tratam o cancro pelo País fora.
A eventual reformatação da rede deveria, em primeiro lugar, ficar dependente de um sistema de avaliação de resultados. Não de aleatórios condicionalismos casuísticos.
Mas como não temos qualquer avaliação, e temos pressa, devemos ser prudentes. Até porque o sector oncológico tem excitado os apetites do sector privado, que se está marimbando para esta ou qualquer outra rede, e vai, sossegadamente, continuar a operar na área oncológica.
Com esta rede, se não salvaguardarmos com rigor a sua abrangência, poderemos estar a dar um tiro nos pés do SNS. E, continuar a receber doentes em situação desesperada, oriundos do sector privado, trazendo na mão a rescisão unilateral do seu seguro de saúde…
E-Pá!

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