sábado, dezembro 31

Não havia necessidade...

A OCDE disponibilizou um relatório sobre os sistemas de saúde dos 34 países que a integram (Health at a Glance, 2011).link Os dados confirmam o excelente desempenho do SNS: Portugal é o 5º país com melhor evolução na esperança de vida e o 1º no declínio da mortalidade infantil. Em indicadores específicos de mortalidade por causas associadas ao desenvolvimento, Portugal está perto da média global na mortalidade por acidente (sendo o 4º melhor país na redução entre 1995 e 2009), está abaixo da média na mortalidade por AVC (mas é o melhor na redução deste indicador entre 1980 e 2009), é o 4º melhor na mortalidade por enfarte, e está ligeiramente melhor do que a média na mortalidade por cancro. No indicador global para resultados em saúde, anos de vida potencial perdidos (AVPP), Portugal está acima da média da OCDE, sendo o 2º país com melhor evolução entre 1970 e 2009.

É um impressionante conjunto de resultados, frequentemente não reconhecido pela opinião pública, mais focada em olhar para o SNS como fonte de desperdício e despesa não controlada. Olhemos mais uma vez os números. Na despesa total em saúde, Portugal é o 2º país com menor crescimento no período 2000 a 2009; na componente pública, Portugal é o 3º país em que a despesa menos cresceu, 1,3% de aumento anual, o que compara com 4,2% de média da OCDE! Por tipo de despesa, Portugal é o 2º país a registar o menor crescimento em internamento hospitalar; os custos administrativos representam apenas 1,7% da despesa, bem abaixo dos 3% da média da OCDE. Menos favorável é a comparação em medicamentos, em que a despesa per capita em 2009 está acima da média, bem como a percentagem suportada pelos doentes (40,5% em Portugal e 32,8% na média da OCDE), embora Portugal seja o 7º país em que a despesa per capita em medicamentos menos cresceu (1,9% de aumento médio, face a 3,5% médios da OCDE). Fica evidente que, na última década, foi possível conter o ritmo de crescimento da despesa sem afetar a melhoria dos resultados em saúde.

Na sequência do memorando da troika e da aprovação do OE-2012, existem dúvidas sobre a capacidade de resistência do SNS às restrições orçamentais dos próximos anos. Aceite a necessidade de redução da despesa pública, é inevitável que a saúde esteja incluída nesse esforço, pois representa cerca de 20% da despesa pública. Mas a dimensão dos cortes tem um evidente significado nas opções políticas da governação. Os objetivos traçados para 2012 poderiam aprofundar a tendência da última década, agindo nas áreas onde a comparação internacional mostra algum excesso. O memorando evidencia esse caminho.

A opção política de ‘ir além do memorando’ revela-se na dimensão dos cortes no SNS. O memorando define um objetivo de redução de M€550 em 2012 e uma redução adicional de M€375 em 2013. No relatório do OE-2012 fixam-se dois objetivos de redução de despesa do SNS: 0,6% do PIB (cerca de M€1000) no capítulo das políticas sociais e M€710 na secção do Ministério da Saúde. Ambos bem acima do exigido no memorando. Face ao desempenho do SNS, nos resultados em saúde e na despesa, a opção política de penalizar o sector é imerecida e injusta. E, como diria o diácono, não havia necessidade...

Francisco Ramos, semanário expresso, 1.º caderno, 31.12.11

Etiquetas: ,

1 Comments:

Blogger e-pá! said...

Exitus Letalis

O SNS vive uma especial situação em relação à sua sustentabilidade (política e financeira) cuja intervenção deverá ocorrer de acordo com os princípios que - em termos de tratamento - se denominam como situações de "margem terapêutica estreita".
Há muito que lhe o actual Governo lhe administra "overdoses" (... para além da bula que será no caso vertente o memorando da troika).
O resultado destas "terapias de choque" é sobejamente conhecido: - o exitus letalis!

9:46 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home