Sakellarides lamenta "autosuficiência do governo"
Ex-coordenador do Observatório do Sistema de Saúde, que
amanhã faz um balanço da situação do país, lamenta "autosuficiência do
governo"
Faz um ano que o Observatório Português dos Sistemas de
Saúde avisou que a austeridade estava a fazer mal à saúde e que havia sinais de
racionamento implícito no SNS, não por ordem da tutela mas por pressões
financeiras que não permitiam manter as boas práticas. Amanhã o observatório
apresenta um novo relatório. Constantino Sakellarides dirigiu o projecto até ao
ano passado e saiu para dar vez a outras lideranças. Mas acredita que há um
alerta por escutar: um governo não pode ser alérgico a críticas e negá-las sem
contraditório.
Continua a haver racionamento implícito no SNS?
A queixa no ano passado era haver indícios e as autoridades
não os investigarem. Este ano presumo que o relatório possa repetir a crítica,
o natural é que persistam esses sinais: estão subjacente à lógica de pressão
financeira. O essencial é que não parece ter havido investigação. Não existe um
relatório a reconhecer as queixas e a dizer que umas são verdade e outras não.
O que impede essa investigação?
Os poderes não estão habituados ao contraditório. Geralmente
as criticas vêm da oposição, o que faz com que confrontados com reparos
fundamentados usem a resposta política de que os outros estão contra ou a dizer
mal. Contribui também para isso uma certa inércia das forças políticas. A
crítica da oposição politica por exemplo em relação a saúde é um deserto.
O título do relatório do ano passado era "Um país em
sofrimento". Acha que contaminou a leitura da tutela?
O Secretário de Estado não gostou nada mas o título
corresponde à realidade. Só quem anda noutro mundo é que não compreende que um
país com 18% de desempregados, sucessiva austeridade, aumentos de impostos,
jovens a sair em carruagem, está em sofrimento. Os sinais de sofrimento social
são intensíssimos.
Mas o relatório era sobre saúde.
As ameaças de saúde vêm do sofrimento social. Desemprego e o
empobrecimento são determinantes de saúde e do acesso.
Ficou desiludido com o seguimento dado ao relatório?
O que me confrange é o esforço e o cuidado que tivemos em
classificar o que encontrámos, evitando críticas infundadas. Dizemos que há
coisas a acontecer e, noutros casos, que há indícios. O relatório merecia ter
sido colocado em cima da mesa pelo governo, que até nos poderia ter chamado. O
governo tem de estar aberto a visões externas.
Este governo é menos aberto?
Não noto muitas diferenças, há é um contexto nacional e
europeu bloqueado que faz com que os traços de auto-suficiência se acentuem.
Existe uma história oficial que anda à volta das dificuldades dos programas de
ajustamento, que vê os seus méritos e tem dificuldade em aceitar os fracassos.
Esta história vem-se afastando cada vez mais do que as pessoas sentem, da
história real.
Como vê a postura de Paulo Macedo?
É, como dizem as sondagens, o melhor ministro do governo. É
inteligente e bom gestor, mas gostaria que estas qualidades se transmitissem ao
governo e que o ministério da Saúde não importasse as coisas más do governo,
auto-suficiência, e reacções epidérmicas a críticas.
Vê margem para uma atitude diferente?
Esta postura de negação tem sido do conjunto do governo e
nenhum ministro pode sair dessa sombra. Percebo que o ministro tenha
dificuldades mas devia fazê-lo. Só assumindo que austeridade tem efeitos
negativos é que melhoramos.
Está mais preocupado?
Julgo que pouco se alterou. Mas há aspectos positivos. Já no
ano passado o relatório destacava avanços na área do medicamento,
racionalização de recursos, redução de dívida. O que nenhum governo pode
presumir é que é tão bom que só faz as coisas bem e nem estar disponível para
ouvir críticas. Foi isso que aconteceu no ano passado.
O SNS está pior nestes dois anos de troika?
O problema não são os cortes que o SNS sofreu nos últimos
anos, mas terem sido abruptos. Uma coisa era cortar-se com calma para dar tempo
a reorganização. Cortar como se cortou deixa marcas e é preciso avaliá-las e
defender o SNS de mais cortes. O ministro protegeu o orçamento deste ano, é
verdade, mas o aumento das taxas não protege o acesso. Não há preto e branco,
como o governo e oposição gostam de descrever as coisas. Há coisas boas e más e
pessoas razoáveis têm de o admitir.
I, 17.06.13
Etiquetas: Entrevistas
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home