quinta-feira, junho 20

Sakellarides lamenta "autosuficiência do governo"

Ex-coordenador do Observatório do Sistema de Saúde, que amanhã faz um balanço da situação do país, lamenta "autosuficiência do governo"
Faz um ano que o Observatório Português dos Sistemas de Saúde avisou que a austeridade estava a fazer mal à saúde e que havia sinais de racionamento implícito no SNS, não por ordem da tutela mas por pressões financeiras que não permitiam manter as boas práticas. Amanhã o observatório apresenta um novo relatório. Constantino Sakellarides dirigiu o projecto até ao ano passado e saiu para dar vez a outras lideranças. Mas acredita que há um alerta por escutar: um governo não pode ser alérgico a críticas e negá-las sem contraditório.
Continua a haver racionamento implícito no SNS?
A queixa no ano passado era haver indícios e as autoridades não os investigarem. Este ano presumo que o relatório possa repetir a crítica, o natural é que persistam esses sinais: estão subjacente à lógica de pressão financeira. O essencial é que não parece ter havido investigação. Não existe um relatório a reconhecer as queixas e a dizer que umas são verdade e outras não.
O que impede essa investigação?
Os poderes não estão habituados ao contraditório. Geralmente as criticas vêm da oposição, o que faz com que confrontados com reparos fundamentados usem a resposta política de que os outros estão contra ou a dizer mal. Contribui também para isso uma certa inércia das forças políticas. A crítica da oposição politica por exemplo em relação a saúde é um deserto.
O título do relatório do ano passado era "Um país em sofrimento". Acha que contaminou a leitura da tutela?
O Secretário de Estado não gostou nada mas o título corresponde à realidade. Só quem anda noutro mundo é que não compreende que um país com 18% de desempregados, sucessiva austeridade, aumentos de impostos, jovens a sair em carruagem, está em sofrimento. Os sinais de sofrimento social são intensíssimos.
Mas o relatório era sobre saúde.
As ameaças de saúde vêm do sofrimento social. Desemprego e o empobrecimento são determinantes de saúde e do acesso.
Ficou desiludido com o seguimento dado ao relatório?
O que me confrange é o esforço e o cuidado que tivemos em classificar o que encontrámos, evitando críticas infundadas. Dizemos que há coisas a acontecer e, noutros casos, que há indícios. O relatório merecia ter sido colocado em cima da mesa pelo governo, que até nos poderia ter chamado. O governo tem de estar aberto a visões externas.
Este governo é menos aberto?
Não noto muitas diferenças, há é um contexto nacional e europeu bloqueado que faz com que os traços de auto-suficiência se acentuem. Existe uma história oficial que anda à volta das dificuldades dos programas de ajustamento, que vê os seus méritos e tem dificuldade em aceitar os fracassos. Esta história vem-se afastando cada vez mais do que as pessoas sentem, da história real.
Como vê a postura de Paulo Macedo?
É, como dizem as sondagens, o melhor ministro do governo. É inteligente e bom gestor, mas gostaria que estas qualidades se transmitissem ao governo e que o ministério da Saúde não importasse as coisas más do governo, auto-suficiência, e reacções epidérmicas a críticas.
Vê margem para uma atitude diferente?
Esta postura de negação tem sido do conjunto do governo e nenhum ministro pode sair dessa sombra. Percebo que o ministro tenha dificuldades mas devia fazê-lo. Só assumindo que austeridade tem efeitos negativos é que melhoramos.
Está mais preocupado?
Julgo que pouco se alterou. Mas há aspectos positivos. Já no ano passado o relatório destacava avanços na área do medicamento, racionalização de recursos, redução de dívida. O que nenhum governo pode presumir é que é tão bom que só faz as coisas bem e nem estar disponível para ouvir críticas. Foi isso que aconteceu no ano passado.
O SNS está pior nestes dois anos de troika?

O problema não são os cortes que o SNS sofreu nos últimos anos, mas terem sido abruptos. Uma coisa era cortar-se com calma para dar tempo a reorganização. Cortar como se cortou deixa marcas e é preciso avaliá-las e defender o SNS de mais cortes. O ministro protegeu o orçamento deste ano, é verdade, mas o aumento das taxas não protege o acesso. Não há preto e branco, como o governo e oposição gostam de descrever as coisas. Há coisas boas e más e pessoas razoáveis têm de o admitir.
I, 17.06.13

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