sábado, agosto 3

Desnatação e retórica


O ex-ministro Correia de Campos considera que os grupos privados não têm competência para gerir hospitais públicos porque a sua lógica é "fazer o máximo número de actos possíveis, com boa ou má qualidade, desde que não se note".
Em entrevista à agência Lusa, o ex-ministro da Saúde do Governo socialista reagiu, desta forma, à intenção manifestada pelo presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) de gerir os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), nomeadamente consultas, cirurgias e até 80% das camas. link
 De uma forma progressiva, defendeu Artur Osório, “o Estado deve ir alienando parte do seu sector produtivo para um sector privado concorrencial”.
 “Já ouço afirmações dessas há mais de 30 anos e que eu saiba nenhum desses grupos se ofereceu para administrar o Hospital de Santa Maria, os Hospitais Universitários de Coimbra ou sequer o de Viseu”, disse Correia de Campos, para quem estas são “manifestações puramente retóricas”.
 Questionado sobre esta hipótese, o ex-ministro considerou que os grupos privados não têm “competência e capacidade” para o fazer. “Ai de nós”.
 “A lógica da gestão privada nos hospitais não é a lógica do sector público. A lógica da gestão privada é poupar o máximo possível, fazer o máximo número de actos possíveis, com boa ou má qualidade, desde que não se note”,.
 Para António Correia de Campos, “em coisas sérias, vitais, que venham já referenciadas por outros hospitais (...), não é o sector privado que sabe fazer isso, é o público, como sempre”.
 Esta gestão dos hospitais privados por grupos privados colocaria ainda “problemas técnicos no pagamento e financiamento dos serviços”, na opinião de Correia de Campos.
 “Por que tabelas iríamos pagar esses actos? Se a tecnologia e mão-de-obra incorporada nos actos mais diferenciados é muito mais dispendiosa do que a aplicada em actos mais corriqueiros, aqui resultaria um enriquecimento da parte dos prestadores dos actos mais rotineiros e um prejuízo imenso os que tivessem a seu cargo os actos mais difíceis”.
 A isto, disse, “chama-se desnatação. Como é muito fácil induzir procura no sector da saúde, haveria sempre alguém, ou uma peça exterior ou interior ao sistema, que desnataria os actos mais simples para o sector privado, deixando a nata para o sector privado e os detritos para o sector público”.
JN 03.08.12
Mais um presidente patusco tipo Alberto João. Os privados, apesar de tudo, mereciam melhor. Depois queixam-se que não os levamos a sério.
Clara

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8 Comments:

Blogger Olinda said...

O anterior presidente desta Associação vinha da industria do calcado disposto a conquistar o sistema de saúde numa vertiginosa aventura de liberdade de escolha, turismo de saúde e outras supernovas de inovação. A coisa acabou por correr mal. Agora temos novo presidente, novas entradas de rompante em que se misturam ideias gerais com opiniões do tipo de conversa de café. De facto esta Associação nao parece investir muito na sua representação. Quanto a ACC sempre em grande forma. De uma só penada desmonta a o blá blá da gestão privada e das suas virtudes e ainda tem tempo para uns remates retroagidos a velha ANF. O que nao deixa de ter graça tendo em conta a lastimável decisão da atual direcao do PS em fazer de Joao Cordeiro candidato a Cascais. E por estas e por outras que o PS nao sai de cima do tapete rolante em termos nacionais arriscando-se mesmo em Cascais a um resultado humilhante.

12:35 da manhã  
Blogger Tavisto said...

O Dr. Correia de Campos não para de me surpreender ao defender, quando na oposição, o contrário do que fez enquanto governante. Foi assim quando há pouco veio reclamar o regime de trabalho médico em exclusividade, é agora ao pôr em causa a capacidade dos privados para gerir com vantagem de interesse público os hospitais do SNS.
Quem gere afinal as PPP, modelo de gestão de hospitais públicos em cuja implantação teve grande responsabilidade? Por exemplo, em Braga, onde foi abortada a construção de um hospital público com terreno e projeto aprovados para dar origem à PPP hospitalar de maior dimensão nacional. Porquê falar em Viseu? Não tem aqui um bom exemplo de um hospital público gerido por um grande grupo económico?
Os últimos governos PS/PSD deram corda a esta gente, alimentaram todas as expectativas aos grupos económicos e seus representantes, quanto à alienação progressiva do SNS em seu favor, e, agora, que aqueles tomaram o “freio nos dentes” vem o Dr. Correia de Campos procurar conter-lhes o ímpeto.
Aqui chegados, não julgue que não estou consigo nas propostas que ultimamente tem apresentado em defesa do SNS. Duvido é da sinceridade com que o faz tendo em conta o passado próximo e por não haver qualquer mea-culpa nas suas palavras. Ficamos sem saber se mudou de ideias ou se tudo não passa de mais um show-off de uma cadeira partida.

10:13 da manhã  
Blogger Clara said...

"Sector privado da saúde está disponível para gerir hospitais públicos", esta é a mesma proposta que o sr Salvador de Mello fez há uns anos atrás, quando nos presenteava todas as semanas com declarações bombásticas. Depois aprendeu que em Saúde o jogo dos meios de comunicação dão sempre mau resultado e meteu a viola no saco.
Este novo presidente parece também atingido pela vertigem dos meios de comunicação e já deu para ver que gosta de aparecer, de se fazer notado.
Quanto a CC, concordo, sempre em forma. Sem dúvida, o mais habilitado dos nossos profes / economistas da Saúde. Um verdadeiro arco-iris comparado com o cinzentismo, por exemplo, do prof sempre de serviço PPB (e os seus inquéritos sobre taxas moderadoras) .

11:39 da manhã  
Blogger DrFeelGood said...

Facturação dos hospitais privados cresce a dois dígitos

Facturação dos grupos económicos privados da saúde atingiu perto de 1.500 milhões em 2012, mais cerca de 13% do que no ano anterior. Os grupos económicos que gerem hospitais e clínicas privadas facturaram, em 2012, perto de 1.500 milhões de euros, mais 13% do que no ano anterior. Os dados foram revelados ao Negócios pelo presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, que afasta uma correlação directa entre este aumento e a evolução dos preços das taxas moderadoras.
"Inicialmente houve um aumento da procura da urgência, cerca de 7%, mas rapidamente voltámos aos valores normais, daí não encontrarmos correlação directa entre o aumento da facturação e o aumento das taxas moderadoras no Serviços Nacional de Saúde. Até porque as pessoas que nos procuram são sobretudo pessoas com seguros privados", explicou Artur Osório.
Os 1.500 milhões de facturação englobam perto de 100 unidades hospitalares e clínicas do sector privado a operar no País.
Recentemente, num estudo sobre a saúde privada, a DBK, filial da Informa D&B (Grupo CESCE), revelou que foram facturados 1.185 milhões de euros em 2012, representando mais 12% do que em 2011, ano em que se registou uma variação de 9%. Porém, nestas contas, a empresa de estudos leva apenas em consideração as unidades com internamento (41) e exclui as unidades apenas com ambulatório que, de acordo com o responsável da associação que representa os privados na saúde, serão cerca de 50 unidades. Da análise resulta ainda outra conclusão que é relativamente conhecida e que se prende com o facto deste sector apresenta "uma forte concentração empresarial". Assim, em 2012, os cinco principais operadores acumulavam uma quota de mercado superior a 85%.
Segundo a DBK, "os ajustamentos orçamentais do Governo afectaram negativamente a receita proveniente de acordos públicos, verificando-se ainda uma maior pressão das seguradoras sobre os preços dos serviços que os hospitais privados prestam". "Apesar de tudo, o sector privado continua a apresentar perspectivas de evolução favoráveis, num contexto de aumento da população e da esperança de vida e de dificuldades do sistema de saúde público em cobrir as necessidades de assistência com qualidade".
Margens ‘relativamente baixas’: Em relação às margens de lucro apresentadas por estes grupos, que têm visto a facturação crescer, Artur Osório garante que "esta é uma actividade que deixa pequenas margens" ainda e que as empresas têm "de gerir tudo com muito cuidado". Mas as possibilidades de lucro maior existem, desde que seja "uma actividade bem gerida e com concorrência entre público e privado".
JN, 01 Agosto 2013

Moral da história: "Quem não chora não mama!"

11:49 da manhã  
Blogger tambemquero said...

O que eles querem é mama!

«Artur Osório garante que "esta é uma actividade que deixa pequenas margens" ainda e que as empresas têm "de gerir tudo com muito cuidado". Mas as possibilidades de lucro maior existem, desde que seja "uma actividade bem gerida e com concorrência entre público e privado".»
Cá está, nesta perspectiva vamos à desnatação do sector público para termos melhores lucros: O Estado deve continuar na prestação directa dos cuidados de saúde mais pesados (que não dão lucro) e concessionar aos privados o filé, a maminha da alcatra, para os coitados, engordarem os lucros. Trata-se, como é evidente, da defesa da conhecida política de saúde filha-da-puta.

12:08 da tarde  
Blogger e-pá! said...

Osório, o cão, a cobra e a salsicha

Primeiro um remoque: Os tempos de oposição assemelham-se um pouco às curas termais. Não alteram nada de essencial, no terreno orgânico ou patológico, mas lá conseguem melhorar o aspecto...
Dito isto - independentemente do reconhecimento da oportunidade e valor das declarações de ACC - a proposta do presidente da APHP para além de capciosa ( e insultuosa), é verdadeiramente leonina para o sector que diz representar. link
Não vale a pena entrar em elaborados estudos analíticos e rebuscadas contabilidades (como sempre enviesadas link).
O que a APHP propõe é simples e linear:
Quer comer a carninha (da perna) e deixar para o Estado (‘mínimo’ já se vê) os ossos.
É exactamente esta espúria partilha que está contida na proposta de Artur Osório:
“O setor privado da saúde quer e diz-se preparado para gerir os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), nomeadamente consultas, cirurgias e até 80 por cento das camas”… link)
Os 20% de camas remanescentes seriam – faltou dizê-lo – para ofertar um ‘bodo aos pobres’. E para mais tarde fazer virtuosas estatísticas e conclusões como aquela que apresentou na entrevista à Lusa: “O que o Estado pode fazer, … é dar ao setor privado a gestão desses hospitais, que se tornará muito mais eficiente e muito mais capaz, a bem do doente e do próprio SNS”.
Sabemos que isso não chega! O Estado além de dar (como é solicitado) teria de, mais tarde, pagar os custos diferenciais.
Das PPP (que ainda falta analisar para futuro) passaríamos para um novo e criativo modelo de ‘health’ swaps. Isti é, alienar a capacidade produtiva e, deixando de regular o sector, passaria a pagar ao sector privado – e já agora ao social - derivados sobre projecções 'artísticas' na evolução da procura, oferta e ainda sobre hipotéticos diferenciais.
Seria transformar a Saúde num mercado de ‘commodities’ e endossar para o Estado os riscos - e a factura - da evolução dos custos, do financiamento e da orçamentação.
Uma leonina permuta de riscos que é absolutamente perceptível na entrevista do presidente da APHP. Não será mais do que o prenúncio (anúncio) de assalto “à coisa pública”.
Um filme requentado, da série B, mas – já aprendemos - muito oneroso (para muitos portugueses).

Existe um provérbio brasileiro que o Dr. Osório deveria ter em consideração quando se aventura nestes terrenos. Diz assim:
Cão que levou mordida de cobra tem medo de salsicha”…

1:07 da tarde  
Blogger saudepe said...

As PPP pelos vistos não é modelo que agrade aos privados.Demasiado complexo, risco excessivo, os ditos investidores privados pretendem via mais airosa ao filão do serviço público de saúde. A concessão de serviços e de alguns hospitais mais ligeirinhos parece ser o próximo objectivo. Grande expectativa relativamente à próxima reforma hospitalar do "especialista Ribeiro . Crescimento e lucros de dois digitos no horizonte.

12:32 da manhã  
Blogger DrFeelGood said...

Braga com capitais negativos de 7,9 milhões

A gestora do Hospital de Braga encerrou 2011 com capitais próprios negativos de 7,922 milhões de euros, para os quais, diz o TC, "concorre o seu historial de resultados". No primeiro ano de entrada em funcionamento do novo edifício, 2011, a gestora do estabelecimento teve prejuízos de 16,465 milhões, quando o caso base previa 1,363 milhões. A Administração Regional de Saúde do Norte refere, em sede de contraditório, que a concessionária informou da ocorrência de um reforço de fundos accionistas de 5 milhões de euros e de 8 milhões de euros adicionais ao abrigo da responsabilidade subsidiária.

Cascais estima prejuízo de 4,9 milhões em 2012

A gestora do Hospital de Cascais - HPP, este ano adquirido pela Amil - apresentou resultados líquidos negativos em 2010 e 2011 "bastante mais acentuados do que os que previa o caso base", diz o TC. A concessionária estima para 2012 prejuízos de 4,9 milhões, mais uma vez piores do que os 1,2 milhões do caso base. A explicação para os resultados, diz a concessionária, está nos gastos operacionais acima do esperado. 2011 terminou também com uma situação de capitais próprios negativos de 30,5 milhões. Este é um caso, diz o TC, que implica "um risco para a previsibilidade dos encargos para o Estado".

Hospital de Vila Franca de Xira só abriu este ano

A unidade de Vila Franca de Xira, gerida pela José de Mello Saúde é, dos quatro hospitais PPP analisados pelo TC, a mais recente, tendo aberto este ano. Segundo os números avançados na auditoria, a entidade gestora do estabelecimento registou em 2011 resultados líquidos de 2,124 milhões de euros, quando o caso base previa 0,382 milhões. "Embora os rendimentos tenham ficado abaixo do caso base (-4%), tal foi compensado pela existência de gastos operacionais também mais baixos (-13,6%)", diz a auditoria, que decorreu antes da entrada em funcionamento do novo edifício hospitalar.

Loures com gastos maiores do que esperado

Embora o modelo financeiro previsse para 2010 e 2011 resultados negativos, a entidade gestora do estabelecimento da PPP de Loures teve resultados ainda abaixo do inicialmente previsto (-0,22 milhões de euros em 2010 e -0,58 milhões em 2011). Devido, diz o TC, a gastos operacionais e financeiros maiores do que os esperados. A auditoria cita o relatório e contas de 2011, que refere que "no final daquele ano se encontrava perdida a totalidade do capital social", mas lembra que a abertura do hospital, da ES Saúde, foi em 2012, primeiro ano em que se verificam pagamentos de remunerações aos privados.
JN 05.08.13

Quem conhece a realidade das PPP de perto sabe que este modelo de exploração de unidades hospitalares do SNS se tem traduzido, até agora, em avultados benefícios para o estado e levados padrões de qualidade de funcionamento para as populações a quem prestam cuidados.
Era tempo do ministro da saúde promover o desenvolvimento de estudo sério sobre as PPP.
Os privados que investiram neste modelo parecem constituir a parte menos feliz desta experiência.
Daí talvez a preferência do presidente Osório na concessão dos hospitais mais rentáveis da rede pública já em funcionamento.
Como diz o e-pá, cão picado por cobra, caso não morra, da salsicha tem medo.

10:24 da tarde  

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