Regresso do lápis azul
O Diário da República publicou no seu n.º 140, 2.ª série, de
23 de julho de 2013 um Despacho (n.º 9635/2013) proveniente do Gabinete do
Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde que julgávamos impossível
acontecer numa sociedade que se quer democrática, informada, transparente e
participativa e num governo e numa administração constitucionalmente
comprometidos com o princípio ético e republicano de prestação de contas aos
cidadãos.
Através deste despacho fica proibido às Administrações
Regionais de Saúde (ARS), aos estabelecimentos hospitalares, aos Agrupamentos
de Centros de Saúde (ACES), e às Unidades Locais de Saúde (ULS) tornar pública
qualquer informação estatística na área da saúde, de carácter regional ou
local, sem que a mesma seja previamente submetida à autorização do
Director-Geral.
Sabendo-se que hoje em dia toda a informação estatística
relativa à saúde, produzida no quadro dos estabelecimentos do SNS, só é possível
através dos sistemas de informação electrónicos validados pelo Ministério da
Saúde, esta decisão apenas pode configurar um dispositivo censório inaceitável
do ponto de vista dos direitos dos cidadãos à informação, e uma inconcebível
desautorização e desrespeito pela autonomia e responsabilização dos vários
organismos integrados na administração direta e desconcentrada do Ministério.
O articulado não deixa dúvidas. É suficientemente explícito
nesta matéria ao atribuir ao Director-Geral da Saúde a prerrogativa de decidir
que tipo de informação deve ser, ou não, considerada de interesse para
divulgação pública generalizada.
Se a preocupação do Ministério é uniformizar termos de
referência no quadro do sistema estatístico nacional tal só é possível através
duma política coerente e tecnicamente sustentada relativamente à produção de
matrizes analíticas e programas informáticos que assegurem este objectivo,
possibilitem a comparabilidade de indicadores e, por conseguinte, de
desempenhos e produzam a informação destinada à análise e à prestação de contas
perante a sociedade em geral. Nunca através dum órgão central encarregue de, a
partir da informação gerada a nível regional ou local, e usando as palavras do
referido Despacho, garantir a produção e divulgação de informação adequada no
quadro do sistema estatístico nacional, eufemismo para censura prévia.
Como pode o Ministério da Saúde fazer publicar semelhante
atentado à informação e à autonomia das instituições quando a prestação de
contas, divulgação de relatórios de actividades e publicitação entendida como
relevante são quesitos avaliados na maioria dos processos de acreditação para a
qualidade e estão contemplados em múltiplos dispositivos legais produzidos pelo
próprio ministério, enquanto competências e obrigações próprias dos seus órgãos
de governação?
Estranhamos até agora o silêncio, não sabemos se
subserviente, cúmplice ou temeroso, dos órgãos de administração dos hospitais,
ARS, ULS e ACES. Mas estranhamos particularmente o silêncio do Sr. Director-Geral
da Saúde.
Será que se sente confortável e disponível para aceitar as
funções de censor-mor que agora lhe passam a atribuir no quadro do ministério
da saúde?
Etiquetas: Fnam
1 Comments:
Bravo!
Passamos do livro 'único' às estatísticas 'únicas'.
A partir daqui só falta recriar o SNI (Secretariado Nacional de Informação).
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