segunda-feira, agosto 12

O Sol quando nasce é para todos

Os medicamentos, não. 
Por exemplo, os doentes com cancro da próstata em tratamento nos IPO portugueses não podem receber abiraterona. Quer dizer: poder, podem, desde que paguem do seu bolso. O que só prova, mais uma vez, a acessibilidade e equidade do Serviço Nacional de Saúde, que os governantes, rasgando as vestes, tanto gostam de proclamar como seu objectivo irrevogável. Exactamente; irrevogável. Quem for dado a contas, que calcule quantos tratamentos com abiraterona seria possível fazer se não tivéssemos que salvar o BPN, para não ir mais longe.
O acetato de abiraterona foi aprovado pelaAgência Europeia do Medicamento (EMA) em 2011 (e, portanto, em toda a União Europeia), após um processo de revisão acelerado, com base num estudo de fase III, no qual, associado a prednisona, reduziu, vs placebo, o risco de morte em 35,4%, aumentou em 4,6 meses a sobrevivência global média, diminuiu em 44% (vs 27% com placebo) a dor associada à doença, sem aumento do uso de analgésicos, e reduziu o risco de eventos esqueléticos em 35% (vs 40% com placebo). Reacções adversas de grau 3-4 ocorrerem em 55% dos doentes tratados com abiraterona e em 50% dos incluídos no grupo placebo. Em 2012, o medicamento foi aprovado pela FDA. Se trago estes dados à colação é para significar que não se trata de um tratamento sem eficácia e segurança cientificamente demonstradas (como acontece, ainda, com as tão discutidas células dendríticas).
No Reino Unido, o NICE, em Fevereiro de 2012, recusou a disponibilização da abiraterona com base em critérios de custo-efectividade, mas, em Maio do mesmo ano, assaltado pelo bom senso, reviu a decisão.
Em Portugal, o Ministério da Saúde responde à indignação dos médicos e dos doentes com comovente inocência: que querem, a abiraterona não consta do formulário de medicamentos hospitalares para o tratamento do cancro da próstata, que foi elaborado pelos mais competentes especialistas. A conclusão que o Ministério pretende que tiremos é que se os mais competentes especialistas não abençoaram a abiraterona é porque ela o não merece. Porém, o bastonário da Ordem dos Médicos afirmou à TVI, no passado dia 5, que «a abiraterona tem estudos de eficácia, tem estudos de fármaco-economia» e «apenas falta a decisão de comparticipação. Não há nenhuma objecção técnica, científica ou fármaco-económica, que impeça a aprovação deste medicamento. Tem todos os estudos necessários para aprovação, mas estão a ser atrasados e ainda não está no formulário por decisão artificial e economicista do Ministério da Saúde». José Manuel Silva acrescentou que o medicamento tem «benefícios muito aconselhados para os doentes, está em todas as guidelines internacionais, está nas normas de orientação clínica da Ordem dos Médicos e da Direcção-Geral da Saúde, tem todos os estudos que já demonstraram amplamente a sua eficácia e é dos maiores avanços no tratamento do cancro da próstata dos últimos anos».
Então por que razão a abiraterona não consta do formulário hospitalar elaborado pelos mais destacados especialistas? Porque o processo para determinação do preço e do regime de comparticipação jaz sepultado, como tantos outros (entre eles o do novo tratamento para a hepatite C, genótipo 1, uma combinação de boceprevir e telaprevir com o tratamento convencional que permite taxas de cura de cerca de 80%), na gaveta do secretário de Estado Manuel Teixeira. Isto é, os mais destacados especialistas não puderam pronunciar-se sobre algo que, oficialmente, para o SNS, não existe. Invocar a qualidade dos peritos que elaboraram o formulário para justificar a não-inclusão de um medicamento que não está regularmente disponível é forma deselegante (para poupar nas palavras) de ocultar as verdadeiras razões de «um racionamento no acesso à medicação inovadora» pelo Ministério da Saúde, como acusa o bastonário da Ordem dos Médicos.
Não há dúvida: o Governo continua a não se poupar a esforços para nos tomar por parvos.
Em tempo: Não recebi nada da Janssen, nem uma canetinha.

João Paulo de Oliveira, Editor do Jornal «Tempo Medicina», 6 de Agosto de 2013 

É desta maneira que se defende o SNS ?

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2 Comments:

Blogger Unknown said...

É preciso perceber que existem medicamentos que são introduzidos no mercado que não trazem vantagens substanciais em termos de sobrevida e que têm preços centenas de vezes superiores aos já existentes.

NEM TUDO QUE É NOVO, É MELHOR.

É preciso manter sempre presente que a saúde é um negócio. Infelizmente é a realidade e a comunicação social joga com a emoção das pessoas para pressionar gastos injustificados em muitas situações.

Quanto ao cancro da próstata, deixo um link de um artigo interessante sobre o tema:

http://www.ptmedical.pt/rastreiocancroprostata/

E deixo a pergunta. Já viram a publicidade em favor do rastreio do cancro da próstata da Liga Portuguesa Contra o Cancro? Já viram quem é que patrocina essa publicidade?

Joguem com a razão e não com a emoção.

7:01 da tarde  
Blogger DrFeelGood said...

Nota à Imprensa
A Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica (CFT), que está a trabalhar na constituição do Formulário Nacional do Medicamento, já aprovou os princípios orientadores da sua ação e definiu quais os medicamentos a adotar no tratamento da sida, esclerose múltipla e cancro da próstata, onde ainda não consta o medicamento em causa (abiraterona).
A criação do Formulário Nacional do Medicamento, que já arrancou em algumas áreas (sida, esclerose múltipla e cancro da próstata), baseia-se na melhor evidência científica verificada até ao momento. Refira-se que a nova legislação em nada impede os hospitais de utilizarem os medicamentos que não estão nas adendas, se existir justificação clinica.
O Bastonário da Ordem dos Médicos e o Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos participaram nos trabalhos da Comissão de Farmácia e Terapêutica para o Formulário do Medicamento Hospitalar.
A definição de um formulário e a decisão de usar determinados medicamentos é a forma mais eficaz de garantir a qualidade dos tratamentos com medicamentos e assegurar que os doentes não sejam expostos a riscos desnecessários e superiores a qualquer benefício de que possam vir a usufruir. Não é apenas, nem sobretudo, um mecanismo de contenção de custos como se quer fazer crer.
Não é o Ministério, nem será, mas sim a CFT, onde participam os melhores especialistas do país, quem define quais os medicamentos a adotar. O Ministério da Saúde está empenhado em assegurar regras uniformes de forma a garantir a equidade das escolhas terapêuticas em todo o território nacional.
Nos últimos anos verificou-se uma banalização das AUE - Autorização de Utilização Especial que impõe agora a necessidade de uma uniformização de regras, para a qual o Formulário vai contribuir decisivamente. Este Formulário será a garantia de mais equidade.
O Ministério da Saúde advoga que as AUE continuem a ser pedidos de autorização especiais e que sejam solicitadas sempre que se justifique e acompanhadas da devida fundamentação clínica.
Por fim, refira-se que este tipo de notícia surge num momento em que o Ministério da Saúde tem procurado um diálogo com a indústria farmacêutica. Nesse sentido, o Ministério da Saúde espera que a Industria Farmacêutica adote uma atitude realista e responsável, não contribua para a desinformação e continue a colocar os interesses dos doentes e do Serviço Nacional de Saúde de Portugal acima dos seus interesses particulares. Portal da Saúde link

Já houve tempo em que partilhávamos a ideia que neste filme a Indústria era a má da fita.
Paulo Macedo considera que as gorduras residem nos interesses que gravitam em torno do Serviço Público de Saúde.
Depois de vários esmagamentos administrativos de preços a pressão despudorada do ministro sobre a indústria farmacêutica atinge um grau de insensatez difícil de explicar.

12:37 da manhã  

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