SNS, património de todos?
A recente constatação de que a equipa ministerial da saúde
tem 52 funcionários, que custam mais de um milhão de euros ao ano, surpreende
apenas os que não compreendem que um ministro que não é do sector que dirige
necessita de muito apoio em áreas técnicas que um conhecedor do sector poderia
dispensar. Adicione-se a estes custos a compra de serviços de consultoria a
elevados preços, muitas vezes de qualidade duvidosa se submetidos a revisão de
pares, e para decisões em que um ministro especialista do sector também não
necessitaria. Este é, aliás, um fenómeno observado ao nível de muitos conselhos
de administração de hospitais, administração central e institutos tutelados
pelo Ministério da Saúde. Trata-se de um problema estratégico encoberto na
administração pública do sector da saúde. O desrespeito para com as efectivas
competências técnicas e científicas de gestão em saúde, disponíveis mas
desaproveitadas em Portugal, merece fazer parte das notas negativas da troika a
Portugal. Eis um fenómeno que uma cortina de silêncio mantém fora do debate
sobre o futuro do SNS.
Mais de dois anos de ausência de qualquer ideia estruturada
para as políticas de saúde geraram um contexto de profunda depressão em todos
os agentes do sistema de saúde e do SNS. Sendo a incompetência do actual
Governo extensível a outros sectores da sociedade e da economia, o sector da
saúde exige uma atenção particular e mais diversidade nos debates.
Nomeadamente, garantindo a participação de analistas independentes, associações
de doentes e representantes de todas as profissões da saúde. O debate sobre o
futuro do SNS não pode manter-se limitado a indivíduos alinhados com partidos
políticos e alguns representantes de interesses financeiros do sector.
Os principais problemas que o sistema de saúde enfrentava em
Junho de 2011 mantêm a sua tendência de agravamento. Não há um único indicador
favorável a este Governo em que exista evidência credível e independente. Para
nossa frustração, nem os indicadores financeiros do SNS podem ser apresentados
com evolução positiva sem gerar um sorriso irónico nos que entendem as
manipulações de dados que antecederam esses anúncios de alegados sucessos. Uma
dessas manipulações recentes é a de que, alegadamente, o ministro poupou 1,3
milhões de horas extraordinárias, quando a verdade é que o acordo que fez com
as associações sindicais dos médicos transferiu esse nível de despesa para 2015
(altura em que já não deverá estar no Governo). A capacidade propagandista de
alguns dos 52 colaboradores gerou a inacreditável alegada “imagem positiva”
projectada na opinião pública. Como admirador do espírito de livre pensamento
de Noah Chomsky, não posso deixar de referenciar o leitor para as suas análises
do tipo de fenómeno de manipulação da opinião pública praticada pelo ministro
da Saúde.
Ainda assim, a actual equipa ministerial criou uma nova
realidade. Até o “pai do SNS” teria que recorrer a hospitais privados se
quisesse tornear a extensa lista de espera cirúrgica no SNS. Este fait-divers,
que chegou à comunicação social, clarifica parte da agenda da governação
assumida pelo actual ministro da Saúde. Conforme antecipei neste espaço de
reflexão, era simples compreender que as medidas implementadas desde meados de
2011 gerariam maior procura dos hospitais privados e dos seguros de saúde, o
que, não sendo necessariamente negativo, obriga a definir o limite dos seguros
de saúde e dos sectores privado e social no desenvolvimento de algumas
respostas às necessidades reais da população. A Assembleia da República deve
esclarecer as políticas de saúde de um ministro que diz estar a “proteger o
SNS”.
Entretanto, o SNS é reclamado como património de todos.
Sendo uma acção política louvável e inteligente, constatamos, com preocupação,
que o debate de ideias está limitado pela intenção de “manter tudo como está” e
pouco aberto a novos modelos de prestação e organização intersectorial dos
cuidados de saúde.
Valha-nos a sociedade civil e a liberdade de imprensa.
Paulo Moreira, JP 22.09.13
1 Comments:
"Manter tudo como está..." é uma visão optimista da cruel [e outra] realidade...
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