domingo, janeiro 5

Financiamento dos hospitais 2014


Li a Metodologia para Definição de Preços e Fixação de Objetivos (CP2014) link que considero ser um bom documento técnico. Fica claro que 2014 não será positivo para os hospitais pela situação de partida, em que os défices são a regra, e porque o montante para o ano será insuficiente, salvo mudanças drásticas.
No entanto é positiva a evolução traduzida pelas seguintes medidas: limitação de pagamento ao ato na consulta; expansão do pagamento por doente crónico; penalização para contornar os efeitos perversos da capitação nas ULS; programa piloto de telemonitorização na DPOC.
O documento suscita várias questões, umas gerais e outras específicas.
1-Questões gerais
1ª Falta uma abordagem de gestão global do SNS na qual o financiamento se insira como instrumento que facilita e baliza a atuação dos stakeholders da saúde. Nessa abordagem privilegiar-se-iam: o planeamento da oferta do SNS; a gestão da procura; o sistema de qualidade; uma abordagem integrada da doença crónica.
2ª Apesar da ausência de uma estratégia para o SNS nota-se um esforço de desenvolvimento de estratégias para os hospitais, com consolidação de documentos e ligação a contratos plurianuais – falta contudo a articulação com os contratos de gestão, indispensável para se promover a transparência e a responsabilizacão pelos resultados.
Mas, num período em que se acentua a centralização da decisão na tutela e há problemas graves de recursos para assegurar o funcionamento corrente, algumas perguntas nos assaltam: Como viabilizar recursos significativos para investimento estratégico no hospital? Os Conselhos de Administração irão fazer gestão estratégica do pessoal, quando hoje nem podem contratar um porteiro para um mês? Uma ênfase financeira quase obsessiva não indicará aos profissionais e aos gestores que há um único objetivo que conta - cortar despesas, desvalorizando (ou justificando?) a falta de abordagem global acima referida?
O ano de 2013 acaba com pesados défices na maioria dos hospitais. Esta situação deve-se, em grande parte a não se ter reorganizado a oferta, na capacidade e diferenciação dos hospitais e dos SU, e foi agravada pela abertura de novos PPP, tendo a receita caído muito mais que a despesa. Parte da responsabilidade pela produção desses défices parece atribuível ao facto de, sendo as medidas restritivas referidas a médias globais, não se reconhecer que a estratégia de cada estabelecimento, para ser implementável, deve ter gradualidade, numa perspectiva de melhoria contínua, sob pena de produzir roturas para os utentes e desmotivação para os gestores e para os profissionais. 
Assim, a designada estratégia poderá não passar de mero planeamento financeiro a 3 anos, mais wish que must devido à natureza da produção de saúde, o que, com a nova redução de 146 milhões, tornará 2014 demasiado difícil para a maioria dos hospitais.
No que respeita às urgências (SU) não se operaram as mudanças na rede preconizadas pelos técnicos, não se desenvolveram os CSP como recomendado nem se implementou o financiamento por disponibilidade (pacificamente aceite). Como em 2014 nada se alterará no financiamento irão manter-se mais de 2 milhões de atendimentos não urgentes os quais geram acréscimo de 100 milhões na despesa.
4ª Os recursos atribuídos ao SNS traduzem as prioridades do governo e a capacidade de influência do MS. De forma recorrente o MS tem previsto a produção e os custos para o ano e depois, perante a exiguidade de verbas, corta os preços de forma transversal. Resta saber se, mesmo num contexto tão difícil e exigente como o de 2014, não seria possível ensaiar a definição para a saúde de um orçamento plurianual em % do PIB e simultaneamente explorar outras alternativas: corte radical nas últimas prioridades; deixar de financiar atos inapropriados e sem qualidade; ajustar os preços também nas PPP, CVP, Prelada; expandir os CSP e CCI e ajustar a oferta hospitalar de acordo com os estudos técnicos, etc. É necessário substituir a prática dos cortes percentuais cegos e idênticos para todos, com bons e maus resultados, para atuação que incida mais nos que têm gastos excessivos e má qualidade.
Exemplo são os Medicamentos Prescritos em Ambiente Hospitalar onde «não há mecanismos para monitorização e controlo da prescrição realizada» (página 45) (porquê, devido a quem?). A solução preconizada é penalizar os hospitais que tenham aumento de despesa superior à média nacional nessa rubrica, mesmo que o aumento se deva a maior nº de doentes ou à composição de doenças e que o consumo ajustado por doente fique abaixo da média. Esta medida pode promover a manipulação de números e da faturação efetivada.
O SNS precisa de um sistema de informação sólido e atualizado. A informática da saúde tem suscitado muitas questões, algumas pela vetustez das soluções: A medição, monitorização e avaliação apresentam problemas de há muito conhecidos. Não parece possível garantir a qualidade da informação recolhida e difundida, supondo-se que no SNS há muita omissão na recolha de informação (também criatividade a mais), erros de cálculo e de imputação. Exemplos por demais conhecidos (e só por isso aqui se não concretizam) tornam evidente que a ACSS não pode limitar-se a tomar como fiável a informação que lhe é veiculada, antes deve analizá-la criticamente, desenvolver e implementar procedimentos que inviabilizem ou, pelo menos, reduzam drásticamente, os inconvenientes, os expedientes e as incongruências da falta de qualidade da informação recolhida.
Por isso é arriscado, podendo ser injusto, efetuar cortes de financiamento aos hospitais com base em dois indicadores globais: custo ajustado com pessoal, outros custos operacionais.
Finalmente são de sublinhar dois aspetos fundamentais, considerando a necessidade de equilíbrio e sustentabilidade do estado social:
a) Os serviços públicos podem e devem ajustar-se, mas de modo a garantir uma resposta eficaz e de qualidade aos seus clientes (doentes). Assim, as mudanças terão que respeitar a missão e integrarem-se em visão de melhoria global do serviço a prestar;
b) Como o SNS realiza os seus fins através de muitas aquisições privadas, de produtos e serviços, e por contratualização com empresas, públicas e privadas (PPP, convenções, outras) é essencial dispor de serviços que monitorizem, avaliem e controlem todas as prestações. Assim, uma política cega de “economias” em quadros e vencimentos poderá revelar-se muito cara no médio prazo.
Em síntese diríamos que se avizinha um ano muito difícil para os hospitais devido a:
- Problemas de partida – financeiros, do sistema de informação;
- Ausência de reestruturação da oferta e de uma abordagem de gestão global do SNS;
- Insuficiência do financiamento global atribuído à saúde para 2014;
- Profissionais desmotivados e cansados com os cortes, a burocracia, o tempo de decisão e a excessiva ênfase financeira;
- Gestores pouco entusiasmados com a centralização da decisão, a perda de autonomia e a desvalorização da gestão dos diversos níveis.

Preciosa Saúde

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