Financiamento dos hospitais 2014
Li a Metodologia para Definição de Preços e
Fixação de Objetivos (CP2014) link
que considero ser um bom documento técnico. Fica claro que 2014 não será
positivo para os hospitais pela situação de partida, em que os défices são a
regra, e porque o montante para o ano será insuficiente, salvo mudanças
drásticas.
No entanto é positiva a
evolução traduzida pelas seguintes medidas: limitação de pagamento ao ato na
consulta; expansão do pagamento por doente crónico; penalização para contornar
os efeitos perversos da capitação nas ULS; programa piloto de telemonitorização
na DPOC.
O documento suscita
várias questões, umas gerais e outras específicas.
1-Questões gerais
1ª Falta uma abordagem
de gestão global do SNS na qual o financiamento se insira como instrumento que
facilita e baliza a atuação dos stakeholders da saúde. Nessa abordagem
privilegiar-se-iam: o planeamento da oferta do SNS; a gestão da procura; o
sistema de qualidade; uma abordagem integrada da doença crónica.
2ª Apesar da ausência
de uma estratégia para o SNS nota-se um esforço de desenvolvimento de
estratégias para os hospitais, com consolidação de documentos e ligação a
contratos plurianuais – falta contudo a articulação com os contratos de gestão,
indispensável para se promover a transparência e a responsabilizacão pelos
resultados.
Mas, num período em que
se acentua a centralização da decisão na tutela e há problemas graves de recursos
para assegurar o funcionamento corrente, algumas perguntas nos assaltam: Como
viabilizar recursos significativos para investimento estratégico no hospital?
Os Conselhos de Administração irão fazer gestão estratégica do pessoal, quando
hoje nem podem contratar um porteiro para um mês? Uma ênfase financeira quase
obsessiva não indicará aos profissionais e aos gestores que há um único
objetivo que conta - cortar despesas, desvalorizando (ou justificando?) a falta
de abordagem global acima referida?
O ano de 2013 acaba com
pesados défices na maioria dos hospitais. Esta situação deve-se, em grande
parte a não se ter reorganizado a oferta, na capacidade e diferenciação dos
hospitais e dos SU, e foi agravada pela abertura de novos PPP, tendo a receita
caído muito mais que a despesa. Parte da responsabilidade pela produção desses
défices parece atribuível ao facto de, sendo as medidas restritivas referidas a
médias globais, não se reconhecer que a estratégia de cada estabelecimento,
para ser implementável, deve ter gradualidade, numa perspectiva de melhoria
contínua, sob pena de produzir roturas para os utentes e desmotivação para os
gestores e para os profissionais.
Assim, a designada
estratégia poderá não passar de mero planeamento financeiro a 3 anos, mais wish
que must devido à natureza da produção de saúde, o que, com a nova redução de
146 milhões, tornará 2014 demasiado difícil para a maioria dos hospitais.
3ª No que respeita às
urgências (SU) não se operaram as mudanças na rede preconizadas pelos técnicos,
não se desenvolveram os CSP como recomendado nem se implementou o financiamento
por disponibilidade (pacificamente aceite). Como em 2014 nada se alterará no
financiamento irão manter-se mais de 2 milhões de atendimentos não urgentes os
quais geram acréscimo de 100 milhões na despesa.
4ª Os recursos
atribuídos ao SNS traduzem as prioridades do governo e a capacidade de
influência do MS. De forma recorrente o MS tem previsto a produção e os custos
para o ano e depois, perante a exiguidade de verbas, corta os preços de forma
transversal. Resta saber se, mesmo num contexto tão difícil e exigente como o
de 2014, não seria possível ensaiar a definição para a saúde de um orçamento
plurianual em % do PIB e simultaneamente explorar outras alternativas: corte
radical nas últimas prioridades; deixar de financiar atos inapropriados e sem
qualidade; ajustar os preços também nas PPP, CVP, Prelada; expandir os CSP e
CCI e ajustar a oferta hospitalar de acordo com os estudos técnicos, etc. É
necessário substituir a prática dos cortes percentuais cegos e idênticos para
todos, com bons e maus resultados, para atuação que incida mais nos que têm
gastos excessivos e má qualidade.
Exemplo são os
Medicamentos Prescritos em Ambiente Hospitalar onde «não há mecanismos para
monitorização e controlo da prescrição realizada» (página 45) (porquê, devido a
quem?). A solução preconizada é penalizar os hospitais que tenham aumento de
despesa superior à média nacional nessa rubrica, mesmo que o aumento se deva a
maior nº de doentes ou à composição de doenças e que o consumo ajustado por
doente fique abaixo da média. Esta medida pode promover a manipulação de
números e da faturação efetivada.
5ª O SNS precisa de um
sistema de informação sólido e atualizado. A informática da saúde tem suscitado
muitas questões, algumas pela vetustez das soluções: A medição, monitorização e
avaliação apresentam problemas de há muito conhecidos. Não parece possível
garantir a qualidade da informação recolhida e difundida, supondo-se que no SNS
há muita omissão na recolha de informação (também criatividade a mais), erros
de cálculo e de imputação. Exemplos por demais conhecidos (e só por isso aqui
se não concretizam) tornam evidente que a ACSS não pode limitar-se a tomar como
fiável a informação que lhe é veiculada, antes deve analizá-la criticamente,
desenvolver e implementar procedimentos que inviabilizem ou, pelo menos,
reduzam drásticamente, os inconvenientes, os expedientes e as incongruências da
falta de qualidade da informação recolhida.
Por isso é arriscado,
podendo ser injusto, efetuar cortes de financiamento aos hospitais com base em
dois indicadores globais: custo ajustado com pessoal, outros custos
operacionais.
Finalmente são de sublinhar dois aspetos
fundamentais, considerando a necessidade de equilíbrio e sustentabilidade do
estado social:
a) Os serviços públicos
podem e devem ajustar-se, mas de modo a garantir uma resposta eficaz e de
qualidade aos seus clientes (doentes). Assim, as mudanças terão que respeitar a
missão e integrarem-se em visão de melhoria global do serviço a prestar;
b) Como o SNS realiza
os seus fins através de muitas aquisições privadas, de produtos e serviços, e
por contratualização com empresas, públicas e privadas (PPP, convenções,
outras) é essencial dispor de serviços que monitorizem, avaliem e controlem
todas as prestações. Assim, uma política cega de “economias” em quadros e
vencimentos poderá revelar-se muito cara no médio prazo.
Em síntese diríamos que se avizinha um ano muito
difícil para os hospitais devido a:
- Problemas de partida
– financeiros, do sistema de informação;
- Ausência de
reestruturação da oferta e de uma abordagem de gestão global do SNS;
- Insuficiência do
financiamento global atribuído à saúde para 2014;
- Profissionais
desmotivados e cansados com os cortes, a burocracia, o tempo de decisão e a
excessiva ênfase financeira;
- Gestores pouco
entusiasmados com a centralização da decisão, a perda de autonomia e a
desvalorização da gestão dos diversos níveis.
Preciosa Saúde
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