quinta-feira, dezembro 26

"O Rei (do corte) Vai Nu (2)


O SNS, face aos desafios decorrentes da crise, está a ser ‘empurrado’ para uma deriva assistencialista/filantrópica sob a mirífica visão da adopção de um conjunto de racionalidades avulsas e de poupanças domésticas que pretendem ocultar o âmago do processo em curso: destruição das vias de acessibilidade e de universalidade do sistema.
O colapso dos cuidados básicos, a mercantilização levada a cabo por uma subreptícia ‘rede’ de instituições privadas, a ‘terceirização’ de amplos sectores assistenciais e de cuidados pelas IPSS (leia-se p. exº as ‘Misericórdias’), as transferências de gestão público-privadas (PPP), em última análise acabam por focalizar-se sobre a rede hospitalar pública - último reduto organizativo do actual modelo assistencial – onde as falhas se tornam ‘gritantes’ e põem a nu as várias insuficiências do sistema (reais, virtuais e enviesadas).
De certo modo, a imposição de um certo modelo neoliberal, ainda envergonhadamente assumida pela actual equipa gestora do MS, passa por uma paulatina desfiguração das prestações das instituições públicas – colocando o movimento assistencial sob quotidianas e intoleráveis pressões à volta de arrastados problemas organizativos (alguns comezinhos e focais) e ainda pelo dramático ‘afunilamento’ do âmbito de acção na área pública ficando-lhe reservado tudo aquilo que o ‘mercado da saúde’ dispensa (ou neste momento não quer) fazer. A agravar este insidioso trajecto está uma outra panaceia criada para compensar (inevitáveis) distorções desse emergente ‘mercado’: a função reguladora do Estado. Uma regulação que vagueia entre as margens do inútil ao marginal. 
De fora resiste (fica) incólume o compadrio, o favorecimento e muita indigência. 
É este quadro de sucessivos ‘ajustamentos’ – nomeadamente orçamentais e laborais - que nos conduzirá irremediavelmente ao desastre. Isto é, à total e cabal perversão (destruição) de um serviço público que foi erguido à sombra de contratos sociais inclusivos e de concepções equitativas (o ‘modelo europeu’) e que, ao longo de mais de 3 décadas, granjeou alcançar níveis de desempenho em progressiva e constante ascensão (e neste momento ‘já’ descendentes). O lema (secreto) será – para a actual equipa ministerial - de ‘ajustamento em ajustamento’ até à implosão do sistema, segundo o anoréxico modelo do ‘british horse’. 
Os profissionais de saúde – e por maioria de razão os seus representados – não podem nem devem ficar circunscritos aos problemas imediatos, corporativos, organizativos e de gestão no sentido de representar interesses (de casta) e optimizar respostas qualitativas e abrangentes (universais neste caso) com custos racionais (controlados e escrutinados). O SNS sendo um instrumento de justiça social insere-se, por outro lado, num quadro político mais vasto que raramente é discutido e que diz respeito ao seu modelo de financiamento. Os políticos do momento dizem frequentemente que temos de pensar os modelos de serviços públicos que os portugueses estão dispostos a pagar (financiar através dos impostos). A questão terá também outra vertente frequentemente submersa: que modelos não estamos dispostos a suportar e que opções (políticas) estamos em condições de tomar. E de uns e outros temos inúmeros exemplos: a começar nas PPP e a acabar na gestão dos recursos (de todos os tipos) a partir de uma clarificadora ‘base zero’. Que para além de optimizar os meios a afectar (financeiros, técnicos, humanos, etc.) revelará donde partimos para o ‘resgate’ e onde realmente estamos… 
E-Pá!

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