sábado, novembro 22

Legionella e as gotículas em suspensão…


O surto de Doença dos Legionários surpreendeu o País pela súbita dimensão que adquiriu. Mas mais do que uma estonteante surpresa levantou várias questões que, entretanto, o atendimento dos infectados, as tarefas de arquitectar respostas adequadas e concertadas e a necessária informação à população, fez submergir.
E à cabeça das interrogações, surge a questão do(s) foco(s) disseminador(es). O quadro legal de protecção do meio ambiental e consequentemente a capacidade de monitorizar e prevenir as contaminações industriais, ou outras, capazes de criar problemas de saúde pública não sai bem desta fotografia. Será muito difícil defender que as alterações introduzidas há pouco mais de 1 ano (Agosto 2013) ao Decreto-Lei em vigor até então (Dec-Lei nº 79/2006 link) e que passam pelas funções da Inspecção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (IGAMAOT). Quando se lê nas atribuições do IGAMAOT que o mesmo tem como funções “assegurar a realização de ações de inspeção a entidades públicas e privadas em matérias de incidência ambiental, impondo as medidas que previnam ou eliminem situações de perigo grave para a saúde, segurança das pessoas, dos bens e do ambiente” link, verificamos que entre o assegurar e o efectuar inspecções existe um lapso fatal.
Quando da crise política que fustigou este Governo (no Verão de 2013) os arranjos, decorrentes de ‘irrevogabilidades’ e espírito de sobrevivência (do projecto neoliberal), determinaram alterações orgânicas e na repartição de pelouros, competências e influências que até então estiveram concentradas no ‘superministério da Agricultura’ (vamos denominá-lo assim para encurtar texto) sendo, neste contexto, criado um novo ministério (do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia). Fica a sensação que no transbordo decorrente desta acomodação algo se perdeu pelo caminho. Provavelmente em nome da agilização da economia, da diminuição dos custos de produção e, claro está, com sacrifício da segurança das pessoas.
Toda esta mecânica de acomodação teve como objectivo e consequência o aliviar custos associados à produção empresarial (será uma daquelas difusas medidas tomada em prol do aumento da ‘produtividade’) e porventura a diminuição da ‘carga burocrática’ um dos factores de flexibilização da gestão. Assim, as unidades industriais ficaram com a responsabilidade de proceder à monitorização activa dos impactos ambientais e de saúde pública resultantes de uma normal laboração. O Estado ficou reduzido ao papel de transcritor de normas europeias e a missão de actuar à posteriori em caso de acidente ou desastre (função de sapador), vivendo na esperança de escapar à Lei de Murphy. Esta a acção reguladora e fiscalizadora que este Governo reivindica para si e que proclama ter cumprido.
A afirmação do Sr. primeiro-ministro de que não terá existido negligência por parte do Estado (entenda-se Governo) e que a alteração legislativa operada em 2013 “foi feita justamente para reforçar a capacidade de inspecção e de prevenção destes casos”, é manifestamente prematura e poderá ser totalmente gratuita link . Os inevitáveis processos judiciais que se seguirão a estes graves incidentes atentatórios da saúde pública, que se traduziram em perdas de vidas, poderão vir a revelar muita coisa que o primeiro-ministro pretende à priori escamotear. Há, todavia, um facto intransponível: uma visão burocrata e defensiva perante um grave problema de saúde pública.
Uma coisa é, face a um problema, sacudir imediata (e politicamente) a água do capote, outra será tentar perceber o que poderia e deveria ter sido feito e efectivamente não foi, como a realidade com que estamos confrontados demonstra à saciedade.
Fica bem patente a ‘filosofia’ da mirífica reforma ‘estrutural’ da economia que o actual Governo pretende levar a cabo, através dos cortes nos custos e produção e de funcionamento, da deterioração das condições de trabalho intra-muros, de habitabilidade e salubridade nos perímetros industriais e, por outro lado, a acção governamental que se dedica prioritariamente a potenciar o ímpeto facilitador e o apoiar (libertar) custos das empresas, mas para este ‘peditório’ pouco contam as pessoas.
Na quinta-feira passada o DGS moderou uma conferência de imprensa com grande e variada carga expositiva em que a necessária informação devida aos cidadãos surge envolta em algum nevoeiro link.
Francisco George, cujo comportamento perante o surto epidémico de Doença do Legionário deve ser realçado, montou um autêntico ‘workshop’ onde revelou performances de incansável ‘bombeiro’, sendo acolitado pelo ‘amanuense’ Macedo e pelo ‘mochileiro’ Moreira da Silva. Francisco George transformou uma conferência de imprensa num show de performances (work) que demonstraram como os órgãos do Ministério da Saúde e do Ambiente, perante a crise instalada, procuraram afanosamente detectar a origem, remediar ao estragos e controlar danos. A actuação postecipada (shop) foi bem ilustrada e cumpriu com o espectável e desejável (nomeadamente na articulação entre diversos organismos) mas contornou e escondeu a incapacidade prática de prevenir (este e futuros ‘acidentes’).
As únicas coisas que os portugueses conseguiram ver, nestes últimos dias, foi uma exaustiva e inusitada itinerância de Paulo Macedo pelos hospitais colando-se aos resultados que estão a ser obtidos na prestação de cuidados aos doentes infectados pela legionella. Apesar da emergência de saúde pública e das mortes até agora verificadas o sobrenadante será a natural satisfação dos profissionais de saúde pelo cumprimento do dever. Constatação que não precisa, nem beneficia, com o aproveitamento político do ministro, tão solícito e apressado em colher louros. Se existe área onde não há qualquer orientação estratégica é a Saúde Pública.
Quem cumpriu, na íntegra, a sua missão foram os profissionais (todos!) do SNS. O indicador mais rigoroso é a taxa de mortalidade verificada no decurso deste surto, actualmente em fase de regressão. Em mais de 300 casos diagnosticados a percentagem de casos fatais (cerca de meia dúzia), representa uma taxa de mortalidade entre os 2 e 3%, francamente abaixo das estimadas nos prognósticos internacionalmente divulgados pela CDC (5-30%) link.
O que a itinerante agitação ministerial pretende demonstrar é que apesar dos cortes tudo continua a funcionar. Quando na realidade o que se verificou foi, tão-somente, que o sistema embora debilitado ‘ainda’ funcionou.
Mas a pergunta que se impõe é: se tudo continuar no mesmo caminho por quanto tempo mais resistirá o SNS?
E ainda outra: se o Governo tivesse concluído a programada destruição do SNS teria sido possível coordenar as respostas e obter os mesmos resultados?

E-Pá!

Etiquetas:

1 Comments:

Blogger DrFeelGood said...

“A Europa tem de flexibilizar algumas das suas regras ambientais”, palavras do Álvaro Santos Pereira em Dezembro de 2012, quando ainda era ministro do governo PSD/CDS-PP. No mesmo sentido, foram as declarações de António Tajani, então vice-presidente da Comissão Europeia: “As regras europeias no domínio ambiental foram longe de mais”.

Tais declarações encaixam bem no programa político que está em marcha no nosso país e em toda a U.E.: para aumentar os lucros das empresas e recuperar as perdas do sistema financeiro, o PPE, a Comissão Europeia e os governos nacionais estão a impor alterações legislativas que aproximem os custos do trabalho e demais encargos patronais aos que são praticados na China e noutras economias asiáticas. É preciso melhorar a competitividade da Europa, dizem os figurões que mandam nas instituições da U.E.

Salários são mais elevados que na China, corta. Contribuições das empresas para a proteção social (pensões, saúde, educação) nos países da Europa são muito maiores que na Ásia, dizem os boys da universidade de Bocconi em Milão: corta. Cumprir regras ambientais, bem mais exigentes que na China, custa dinheiro: corta.

Estas políticas têm um nome: austeridade. E a estrutura da nova Comissão Europeia é até muito clarificadora. Para estrangular as políticas ambientais e climáticas, Juncker já deu instruções: qualquer iniciativa no domínio ambiental tem que passar pelo visto prévio do vice-presidente Katainen que tem a pasta do Emprego, Crescimento, Investimento e Competitividade.

Tudo isto ajuda a perceber melhor o (não) cumprimento das regras ambientais em países como Portugal. E como o Decreto Lei nº 127/2013 de 30 de Agosto (Regime das emissões industriais) transpôs a Diretiva europeia 2010/75 e revogou o Decreto Lei nº 173/2008 sobre prevenção e controlo integrado da poluição. Monitorizar o funcionamento de torres de arrefecimento e outros equipamentos custa dinheiro, reparar e substituir ainda mais. Corta. Uma Igamaot (Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território) a funcionar como devia ser, precisa de recursos financeiros e pessoal em número suficiente e qualificado. Custa dinheiro. Corta.

Quando há quase 40 anos em Seveso, uma cidade italiana, uma fábrica de pesticidas lançou para a atmosfera uma nuvem altamente tóxica que obrigou duas mil pessoas a tratamento contra a dioxina, a U.E foi forçada a legislar. Saiu a Diretiva Seveso I em 1982. Mais tarde, um outro incidente causado por uma fábrica da Sandoz na Suiça levou em 1996 ao reforço de medidas de prevenção: a Diretiva Seveso II. A poluição em Baia Maré forçou novas regras: a diretiva Seveso III de 2012 está ainda em vias de transposição para a legislação portuguesa.

Nas mudanças que estão a ocorrer na U.E,. impulsionadas pelos partidos políticos da direita com a cumplicidade da social-democracia, o ambiente já não é o que era. Agora é a competitividade, a economia, o mundo dos negócios a impor as regras ambientais. Pela nossa saúde, não podemos deixar…link

12:21 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home