sexta-feira, novembro 14

Paulo Macedo: um novo Bandarra?…


O Ministro Paulo Macedo, na cerimónia de posse do Conselho Directivo do Instituto Ricardo Jorge, teve a ousadia e a ligeireza de tentar teorizar sobre um flagelos nacionais, repetidamente denunciado nos meios políticos, sociais e académicos, a emigração massiva de quadros técnicos.
Sob este propósito, disse:
“Questionado sobre esta situação, o ministro da Saúde, Paulo Macedo, defendeu que o mercado de trabalho de "qualquer profissão diferenciada, das pessoas com competências específicas, (...) é o mercado internacional", lembrando nomes de profissionais que foram trabalhar para fora "e regressaram como mais-valias", como João Lobo Antunes, Manuel Antunes ou Sobrinho Simões. O valor que nós pagamos aos nossos médicos, quer quando acabam a licenciatura, quer quando acabam a especialidade, é do valor mais alto que pagamos a qualquer licenciado em Portugal. (...) À saída da faculdade, no Estado e mesmo no sector privado, em muitos casos, ninguém paga valores tão elevados como nós pagamos aos médicos. E também, ao fim de quatro anos, são dos valores mais altos que qualquer licenciado ganha em Portugal" link.
A propositada e insidiosa confusão entre as necessidades específicas de formação no exterior que no passado alguns médicos enfrentaram e que foi feito a expensas próprias, com recurso a bolsas ou às chamadas ‘comissões gratuitas de serviço’ (outros tempos!) com emergência de um mercado de trabalho internacional, fruto da globalização, é um insulto às múltiplas dificuldades que os profissionais diferenciados (e não só os médicos) enfrentam para, em Portugal, sobreviverem (este será o termo adequado).
Os 3 exemplos citados são verdadeiramente ‘espantosos’ e revelam como esta equipa dirigente vive de expedientes e toma os ‘outros’ por ignorantes ou mentecaptos.
O Prof. João Lobo Antunes, depois de licenciado em Medicina, dando continuidade a uma tradição familiar na área das neurociências, desloca-se entre 1971 e 1984 para Nova Iorque, Universidade de Columbia, onde preparou o seu doutoramento (efectuado em 1983) como bolseiro (Comissão Fullbright) na área de neurocirurgia. Em 1984 regressa à FMUL para assumir o lugar de professor catedrático e dirigir o respectivo serviço clínico no H. Sta. Maria.
O Prof. Manuel Antunes, licencia-se em 1972 na Faculdade de Medicina de Lourenço Marques (Moçambique), ‘refugiou-se’ – perante a ‘instabilidade’ derivada do processo de independência – em Joanesburgo (África do Sul) de 1975 a 1988 para fazer a formação cirúrgica, na área da cirurgia cardio-torácica, ingressando posteriormente nos quadros do Johannesburg Hospital e desenvolvendo paralelamente a sua carreira académica na Universidade de Witwatersrand onde obtém o grau de ‘Master of Medicine’ em 1982. Em 1987 faz o seu doutoramento na Universidade de Coimbra.
Em 1988, foi ‘convidado’ a deixar a África do Sul para dirigir e desenvolver o Serviço de Cirurgia Cardiotorácica dos Hospitais da Universidade de Coimbra (actuais CHUC) e ocupar o lugar de professor catedrático na FMUC.
O Prof. Sobrinho Simões, licenciou-se em 1971 na Faculdade de Medicina no Porto e posteriormente, no Hospital de S. João, especializou-se em Anatomia Patológica tendo, em 1979, concluído o doutoramento na área de Patologia.
Em Julho 79 e Julho 80) faz um estágio de pós-doutoramento na Noruega (Norsk HydroŽs Institute for Cancer Research) onde, a par de um contacto mais próximo com as técnicas de microscopia electrónica (patologia ultra-estrutural), dedica-se à investigação das patologias da tiróide. Desde 1989, que integrando o núcleo de fundadores, tem dedicado o seu trabalho, o saber e o entusiasmo pela investigação e pela formação ao IPATIMUP (Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto).
Quando confrontado com os dados e as razões porque muitos médicos recém-formados e especializados, nos dias que correm, emigram para a UE e outras paragens do Mundo, o Ministro vai buscar ao arsenal argumentativo, os 3 exemplos acima referidos, está tudo dito sobre a idoneidade política e intelectual do cidadão a quem foi entregue o encargo de dirigir o Ministério da Saúde. Quando ousa aquilatar ou comparar a tradicional migração de (alguns, poucos) médicos no século passado para adquirir um melhor formação, granjear experiência e aceder a um bom percurso profissional (e universitário) com a ‘nova migração’ ditada por motivos económicos (empobrecimento abrupto), de desinvestimento nacional e desmantelamento do Estado Social, o ministro Paulo Macedo está deliberadamente a ‘apoucar’ o discernimento dos portugueses.
A questão real e objectiva é outra e muito simples e directa. O ‘mercado nacional’ não é propriamente ‘livre’ já que está condicionado pela universalidade do SNS.
Ao invocar e justificar a migração de competências específicas ao sabor e aos apetites dos ‘mercados internacionais’ é deixar subentender que não existem condicionantes nacionais que obrigatoriamente (constitucionalmente) balizam a sua acção e intervenção política. Tudo parece ao Ministro como sendo livre e aberto à especulação da exportação de competências segundo a lei da concorrência, derivadas dos interesses dos mercados.
Na realidade, a ‘cobertura nacional’, isto é, a condição primordial para afirmar a sua universalidade, é deficitária – e assim continuará - essencialmente porque não existe motivação política e erguem-se barreira ideológicas para não proceder ao investimento público neste sector social. Cerca de um milhão e meio de utentes do SNS não têm médico de família link , apesar de porfiados expurgos administrativos. Os médicos sem motivação profissional link, sem remunerações condignas e com condições de trabalho restritivas e limitadas link , no território nacional, emigram.
O ministro para justificar-se invoca avulsos e excepcionais exemplos garantindo que – um dia – os médicos emigrantes voltarão carreando ‘mais-valias’ adquiridas lá fora para, benemeritamente, imolá-las no altar da pátria (que lhes foi madrasta).
É uma nova versão do sebastianismo. Só que um denso nevoeiro já envolve o SNS, ameaça encalhá-lo nas ardilosas fragas da ‘iniciativa privada’ e nada de aparecerem personagens salvíficas.
Afinal, o ministro não passa de uma bastarda e tosca imitação do histórico Bandarra.
E-Pá!

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