Hospitais cheios na primavera
A gripe só volta no próximo inverno e o frio deu lugar ao
tempo ameno, mas nem por isso há menos doentes internados. Em vários hospitais,
a ocupação é até superior à registada no final do ano, quando o caos se instalou
nas Urgências, sobretudo na Grande Lisboa.
No Centro Hospitalar do Oeste, que reúne os hospitais das
Caldas da Rainha, Torres Vedras e Peniche, a ocupação das camas foi a que mais
aumentou — pelo menos entre as unidades que responderam ao Expresso. A taxa de
94,5% na transição do ano (29 de dezembro a 4 de janeiro de 2015) passou para
109,6% na segunda semana de março, quando a Direção-Geral da Saúde decretou o
fim da época gripal e o país teve uma primavera antecipada.
Os responsáveis daquele centro explicam que os valores acima
dos 100% devem-se “ao número de camas adicionais alocado aos serviços de
internamento, uma medida para evitar a permanência de doentes no corredor”. Ao
invés, naquele que foi um dos piores momentos do inverno, que obrigou até o
ministro da Saúde a explicar-se no Parlamento, as camas não chegaram a esgotar.
“A menor taxa de ocupação parece resultar do facto de alguns
doentes terem tido alta para o domicílio para passar as festividades com a
família, voltando, muitos deles, a novo internamento.” O diagnóstico não variou
muito: “Idade avançada e estado de saúde mais agravado.”
Um responsável da Administração Regional de Saúde (ARS) de
Lisboa, que não quer ser identificado, garante que o problema é ainda mais
preocupante nos hospitais Amadora-Sintra e Garcia de Orta, em Almada. De Almada
não chegou resposta às perguntas do Expresso e da Amadora apenas a informação
de que “a ocupação continua elevada”. A diretora clínica Helena Almeida disse
ainda que o hospital tem recebido “idosos com muitas complicações”. “A crise é uma
das causas”, garante o bastonário dos Médicos. “Na Urgência do Hospital de
Setúbal, as pessoas de Palmela têm uma taxa de internamento de 8% e as de
Sesimbra de 15%, e dizem que é devido aos lares ilegais na Quinta do Conde, de
onde chegam doentes com desidratação ou hipotermia, como nunca tinham visto.”
HIPOTERMIA
Em plena capital, o aumento da taxa de ocupação repete-se.
Nos centros hospitalares de Lisboa Norte (Santa Maria e Pulido Valente) passou
de 81,4% no final do ano, para 88,6 em março; e no de Lisboa Central (São José
e Curry Cabral, por exemplo) de 84,7 para 86,6%. Já na unidade de Lisboa
Ocidental (São Francisco Xavier e o Egas Moniz, entre outros), a utilização de
camas desceu: de 81% para 77%.
Mesmo com uma descida, verifica-se “maior duração do internamento
por causas clínicas, nomeadamente resposta mais lenta pelas comorbilidades
[várias doenças] e idade avançadas”, salienta a administração do centro
Ocidental. O presidente da ARS de Lisboa Luís Cunha Ribeiro reconhece que o que
está a acontecer nos hospitais da região “é uma preocupação e que estão a avaliar-se
as razões do problema”.
ARS DE LISBOA PREOCUPADA
O presidente do Conselho para a Qualidade da Saúde, Luís
Campos, tem uma explicação para os hospitais cheios na primavera. “Durante a
crise de inverno, estavam superlotados e os doentes acumulavam-se na Urgência.
Atualmente, é natural que continuem superlotados, só que existem menos
internamentos naquele serviço.”
No resto do país, pelo menos em Beja e em Coimbra — Porto e
Faro, por exemplo, não responderam —, a subida na taxa de ocupação também se
fez sentir, com mais discrição: de 70% para 73% e de 75,2% para 81,3%,
respetivamente. José Martins Nunes, presidente do Centro Hospitalar e
Universitário de Coimbra, salienta que os valores “são equilibrados para um
hospital muito diferenciado”. Há outra leitura: “A taxa de ocupação otimizada é
de 75% a 80%, porque acima deste valor pode estar comprometida a resposta em caso
de uma procura maior”, explica Marta Temido, presidente da Associação
Portuguesa de Administradores Hospitalares
O fim da gripe teve uma vantagem em Coimbra: permitiu “chamar
mais doentes para operar”. No entanto, “a complexidade dos doentes mais idosos
é maior e muitas vezes a alta após a cirurgia demora um pouco mais”, reconhece
o presidente. Marta Temido garante que as camas são poucas.
“Reduzimos como os outros países, mas os nossos doentes ficam
internados mais tempo. Temos um atraso de dois anos nos cuidados continuados e
faltam cuidados domiciliários, de dia e na comunidade.”
Com doentes mais velhos e várias doenças durante mais tempo,
é a medicina interna que sofre maior pressão, como confirmaram os hospitais.
“Este fenómeno vai ter consequências devastadoras, com a ocupação dos serviços
por uma população idosa, com algum grau de incapacidade, problemas sociais e
comorbilidades. O impacto já foi apelidado de ‘silver tsunami’”, alerta Luís
Campos. Ou seja, uma doença sistémica do SNS.
O tratamento é possível e passará “por tirar doentes
crónicos dos hospitais, por exemplo criando condições para o internamento em
casa”, sugere o presidente do Colégio de Medicina Interna da Ordem dos Médicos.
António Martins Baptista afirma que as lacunas são profundas: “Há um grande
abandono e temos casos que já não víamos há anos, como escorbuto.”
O Ministério da Saúde reconhece que “o internamento prolongado,
sobretudo da população mais frágil, mais idosa e com várias doenças, mantém-se,
continuando por isso a registar-se uma elevada ocupação de camas”. Acrescenta
que “este fenómeno está ainda relacionado com ‘casos sociais’ e que este
retrato se verifica, sobretudo, em hospitais em zonas de maior densidade populacional
e com de população envelhecida”.
A equipa de Paulo Macedo afirma que tem atuado. Destaca a
abertura de 400 camas nos cuidados continuados, a estratificação para que
doentes menos complexos não se concentrem em hospitais muito diferenciados ou
mais cuidados na comunidade, em colaboração com a Segurança Social.
O professor da Escola Nacional de Saúde, Adalberto Campos
Fernandes, recorda que “a evolução do perfil dos doentes é conhecida há muito,
pelo que não deverá ser utilizada para justificar as falhas na resposta
assistencial”. Ou seja, “não foi acautelado, em devido tempo, o risco” e “persistir
na ideia de que as ocorrências do início do ano se encontram resolvidas é
insistir num erro que não ajudará a resolver a questão de fundo”.
Expresso 03.04.15, Vera Lúcia Arreigoso
Paulo Macedo vai deixar o SNS preso por arames, à beira do
abismo, como há longos meses prevíramos Por fim, a propaganda hábil não resistiu à triste
realidade.
Etiquetas: Crise e politica de saúde, Paulo Macedo
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