sábado, maio 16

Ética Republicana e Democrática

O Manifesto
A questão da ‘Ética Republicana e Democrática na Administração Hospitalar’ sendo absolutamente pertinente corre o risco de transformar-se num utópico e idílico problema.
Comecemos por divagar à volta dos conceitos. Na verdade, a primeira interrogação que salta versa sobre o que é, de facto, a ‘ética republicana e democrática’.
Ab initio existe uma redundância já não parece concebível (possível) a existência de uma ética republicana fora de um conteúdo democrático. Por outro lado, a expressão ‘ética republicana’ pode tornar-se numa figura de retórica vazia (ou perigosa) se não for explicitada. Deixar cair a expressão na vacuidade, indefinição ou em contradições pode levar-nos a caminhos ínvios. É difícil fazermos o trajecto histórico de República, seja ela qual for e em que tempo a quisermos colocar, sem embrulharmo-nos em especulações filosóficas que podem atingir ou camuflar o âmago da questão, isto é, a sua legitimidade. Legitimidade que emerge do confronto dialéctico com os estafados modelos alternativos concorrentes que foram caindo ao longo dos tempos sob uma crescente afirmação democrática, humanitária e ‘igualitária’ (ao fim e ao cabo a tríade da Revolução Francesa).
Mas a confusão aumenta quando se mistura Ética com República. Existindo, nos tempos actuais, uma clara separação entre os conceitos de ‘ética’ e de ‘moral’ facto que engloba a destrinça entre uma concepção individual e uma outra colectiva, verifica-se que, no caso vertente, não seria deslocado começar por afirmar o objectivo de uma ‘moral republicana’ já a motivação subjacente será, sempre, pública, isto é, colectiva.
Sem entrar em conceitos niilistas é óbvio que qualquer atitude ética, ou mesmo moral, conterá muito de relativo e de céptico, para deixar de lado aberrações do tipo cínico e/ou pessimistas. Neste ‘pântano ético’ encaixa-se muito da perversão democrática que cresceu ad latere da actividade partidária, indispensável à democracia, mas absolutamente vulnerável a ‘esquemas corruptivos’ (latu sensu) em que os cidadãos são substituídos por militantes, simpatizantes, amigos, etc. É, no entanto, possível vislumbrar quando se observa a trincheira ética das sociedades muitos outros ‘fantasmas’, como por exemplo, o medo, a inveja, os conformismos e as traições.
Assim, constatamos que a ‘ética republicana’ tem de ser construída à volta de um conjunto coerente de valores e princípios aplicáveis a todos os cidadãos, povos, estados governos e nações, e não apenas para alguns ou para aqueles que os seguem ou acreditam neles. Entramos no terreno da meritocracia, tão sensível, volátil e escorregadio, mas absolutamente necessário para caracterizar qualquer República. E quando olhamos à nossa volta verificamos que existe, neste amplo e envolvente eixo República/Meritocracia um vasto mar de utopia por onde se arrisca a navegar o citado Manifesto.
Depois desta divagação é imperioso regressar aos princípios básicos do ‘republicanismo’: primeiro, a coesão social; depois, a contínua participação cidadã na governação (e não só de 4 em 4 anos em actos eleitorais); e, finalmente, que as causas (e as coisas) particulares, individuais ou de grupos (profissionais) derivam e são subsidiárias de vivências colectivas. E o que se passa na realidade envolvente é estarmos perante uma sociedade pouco coesa e muito fragmentada por uma grotesca austeridade que nos empobreceu globalmente (no terreno económico, social e cultural) em que a participação cívica – e as actividades profissionais – são dominadas pelos obscuros meandros do partidarismo e, por outro lado, as causas colectivas profundamente ensombradas por aparências, pelo dinheiro e pelo poder.
É claro que os problemas da Administração Hospitalar são uma gota de água no meio deste oceano de indefinições e contradições. Mas será muito difícil libertar-se de todas estas poderosas amarras. Os arranques sectoriais têm pouco impacto e tornam-se reversíveis na primeira oportunidade.
O Manifesto – que representa um saudável regresso à ética (qualquer que seja o seu entendimento) – será mais esforço de saneamento do aparelho de Estado, supostamente e nominalmente republicano, mas pervertido na sua praxis. Na realidade, quando surgem apelos à transparência o caldo está, por norma, entornado.
Trata-se, também, mais de uma declaração ‘ moralizante’, avant la lettre (porque o expurgo nacional das aberrações mora longe), e que corre o risco de ser uma ‘manifesta’ ideia sem pernas para andar. É, por outro lado, um enunciado deontológico (a criação de uma Ordem aponta nesse sentido) que para vingar necessitará sempre do agrément do poder, pouco interessado em partilhar poderes, cultivando na esfera pública a ignorância de saberes e que permanecerá empenhado até à medula nos compadrios, nos favorecimentos e em situações quejandas .
Resta-nos registar o esforço no sentido de uma ética republicana que o sistema político há muito colonizou, submeteu e, na prática, o sistema partidário vai continuar a adulterar, por razões muito pouco éticas.
O Manifesto quando se coloca no campo ético está efectivamente a procurar os lídimos terrenos republicanos mas choca frontalmente com interesses instalados oriundos do espectro partidário. Será, portanto, de prever que esse Manifesto tenha aceitação na Oposição (enquanto for Oposição) e mereça o silêncio ou declarações de circunstância dos partidos do poder. Este é, infelizmente, o País que temos e onde vivemos.
Cabe aqui um escrito de Eduardo Galeano, incontornável escritor e pensador sul-americano que, há cerca de um mês, nos deixou.
“A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela afasta-se dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei.
Para que serve a utopia?
Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.

E-Pá!

Etiquetas:

2 Comments:

Blogger admihospitalar1 said...

O meu Direito é uma Utopia?

Conforme o inscrito na Tabela I do Decreto – Lei 101- 80, na qualidade de Administrador Hospitalar de 2ª classe, devem-me ser atribuídas funções (em Centros hospitalares centrais gerais) de gestão e chefia de serviços.
O reclamar por esse direito é uma utopia?
Será que a ética (ou a moral) republicana a que o Manifesto se refere e que, no essencial, alude a que se atribua “a cada um o que lhe é devido”, isto é, se atribuam aos Administradores Hospitalares ou a quaisquer outros profissionais as funções que estão consignadas na lei, é uma utopia?
Será importante termos a noção de que, para além de qualquer preciosismo de linguagem ou de qualquer forma de expressão mais ou menos precisa um problema concreto e muito real subsiste: Existe um grupo profissional (o dos administradores hospitalares) que, apesar da formação específica e das respectivas funções estarem legalmente estabelecidas, continuam espoliados dos seus


direitos profissionais.

Reclamar pelos meus direitos é uma Utopia?

3:42 da tarde  
Blogger e-pá! said...

Os Direitos não são uma utopia.
Mas o Manifesto - como veículo de reclamação e afirmação desses Direitos - poderá ser.
São duas situações completamente distintas.
É tempo de entendermos que 'ninguém dá nada a ninguém'. Ou melhor, o que existe para dar (traficar?) são, a nível nacional, centenas de cargos retributivos acoplados a cartão, em ARS, Hospitais, Centros de Saúde, ACES, etc.

2:32 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home