Ética Republicana e Democrática
O Manifesto
A questão da ‘Ética Republicana e Democrática na
Administração Hospitalar’ sendo absolutamente pertinente corre o risco de
transformar-se num utópico e idílico problema.
Comecemos por divagar à volta dos conceitos. Na verdade, a
primeira interrogação que salta versa sobre o que é, de facto, a ‘ética
republicana e democrática’.
Ab initio existe uma redundância já não parece concebível
(possível) a existência de uma ética republicana fora de um conteúdo
democrático. Por outro lado, a expressão ‘ética republicana’ pode tornar-se
numa figura de retórica vazia (ou perigosa) se não for explicitada. Deixar cair
a expressão na vacuidade, indefinição ou em contradições pode levar-nos a
caminhos ínvios. É difícil fazermos o trajecto histórico de República, seja ela
qual for e em que tempo a quisermos colocar, sem embrulharmo-nos em
especulações filosóficas que podem atingir ou camuflar o âmago da questão, isto
é, a sua legitimidade. Legitimidade que emerge do confronto dialéctico com os
estafados modelos alternativos concorrentes que foram caindo ao longo dos
tempos sob uma crescente afirmação democrática, humanitária e ‘igualitária’ (ao
fim e ao cabo a tríade da Revolução Francesa).
Mas a confusão aumenta quando se mistura Ética com
República. Existindo, nos tempos actuais, uma clara separação entre os
conceitos de ‘ética’ e de ‘moral’ facto que engloba a destrinça entre uma
concepção individual e uma outra colectiva, verifica-se que, no caso vertente,
não seria deslocado começar por afirmar o objectivo de uma ‘moral republicana’
já a motivação subjacente será, sempre, pública, isto é, colectiva.
Sem entrar em conceitos niilistas é óbvio que qualquer
atitude ética, ou mesmo moral, conterá muito de relativo e de céptico, para
deixar de lado aberrações do tipo cínico e/ou pessimistas. Neste ‘pântano
ético’ encaixa-se muito da perversão democrática que cresceu ad latere da
actividade partidária, indispensável à democracia, mas absolutamente vulnerável
a ‘esquemas corruptivos’ (latu sensu) em que os cidadãos são substituídos por
militantes, simpatizantes, amigos, etc. É, no entanto, possível vislumbrar
quando se observa a trincheira ética das sociedades muitos outros ‘fantasmas’,
como por exemplo, o medo, a inveja, os conformismos e as traições.
Assim, constatamos que a ‘ética republicana’ tem de ser
construída à volta de um conjunto coerente de valores e princípios aplicáveis a
todos os cidadãos, povos, estados governos e nações, e não apenas para alguns
ou para aqueles que os seguem ou acreditam neles. Entramos no terreno da
meritocracia, tão sensível, volátil e escorregadio, mas absolutamente
necessário para caracterizar qualquer República. E quando olhamos à nossa volta
verificamos que existe, neste amplo e envolvente eixo República/Meritocracia um
vasto mar de utopia por onde se arrisca a navegar o citado Manifesto.
Depois desta divagação é imperioso regressar aos princípios
básicos do ‘republicanismo’: primeiro, a coesão social; depois, a contínua
participação cidadã na governação (e não só de 4 em 4 anos em actos
eleitorais); e, finalmente, que as causas (e as coisas) particulares,
individuais ou de grupos (profissionais) derivam e são subsidiárias de
vivências colectivas. E o que se passa na realidade envolvente é estarmos
perante uma sociedade pouco coesa e muito fragmentada por uma grotesca
austeridade que nos empobreceu globalmente (no terreno económico, social e
cultural) em que a participação cívica – e as actividades profissionais – são
dominadas pelos obscuros meandros do partidarismo e, por outro lado, as causas
colectivas profundamente ensombradas por aparências, pelo dinheiro e pelo
poder.
É claro que os problemas da Administração Hospitalar são uma
gota de água no meio deste oceano de indefinições e contradições. Mas será
muito difícil libertar-se de todas estas poderosas amarras. Os arranques
sectoriais têm pouco impacto e tornam-se reversíveis na primeira oportunidade.
O Manifesto – que representa um saudável regresso à ética
(qualquer que seja o seu entendimento) – será mais esforço de saneamento do
aparelho de Estado, supostamente e nominalmente republicano, mas pervertido na
sua praxis. Na realidade, quando surgem apelos à transparência o caldo está,
por norma, entornado.
Trata-se, também, mais de uma declaração ‘ moralizante’,
avant la lettre (porque o expurgo nacional das aberrações mora longe), e que
corre o risco de ser uma ‘manifesta’ ideia sem pernas para andar. É, por outro
lado, um enunciado deontológico (a criação de uma Ordem aponta nesse sentido)
que para vingar necessitará sempre do agrément do poder, pouco interessado em
partilhar poderes, cultivando na esfera pública a ignorância de saberes e que
permanecerá empenhado até à medula nos compadrios, nos favorecimentos e em
situações quejandas .
Resta-nos registar o esforço no sentido de uma ética
republicana que o sistema político há muito colonizou, submeteu e, na prática,
o sistema partidário vai continuar a adulterar, por razões muito pouco éticas.
O Manifesto quando se coloca no campo ético está
efectivamente a procurar os lídimos terrenos republicanos mas choca
frontalmente com interesses instalados oriundos do espectro partidário. Será,
portanto, de prever que esse Manifesto tenha aceitação na Oposição (enquanto
for Oposição) e mereça o silêncio ou declarações de circunstância dos partidos
do poder. Este é, infelizmente, o País que temos e onde vivemos.
Cabe aqui um escrito de Eduardo Galeano, incontornável
escritor e pensador sul-americano que, há cerca de um mês, nos deixou.
“A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela
afasta-se dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por
mais que eu caminhe, jamais alcançarei.
Para que serve a utopia?
Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.
E-Pá!
Etiquetas: E-Pá
2 Comments:
O meu Direito é uma Utopia?
Conforme o inscrito na Tabela I do Decreto – Lei 101- 80, na qualidade de Administrador Hospitalar de 2ª classe, devem-me ser atribuídas funções (em Centros hospitalares centrais gerais) de gestão e chefia de serviços.
O reclamar por esse direito é uma utopia?
Será que a ética (ou a moral) republicana a que o Manifesto se refere e que, no essencial, alude a que se atribua “a cada um o que lhe é devido”, isto é, se atribuam aos Administradores Hospitalares ou a quaisquer outros profissionais as funções que estão consignadas na lei, é uma utopia?
Será importante termos a noção de que, para além de qualquer preciosismo de linguagem ou de qualquer forma de expressão mais ou menos precisa um problema concreto e muito real subsiste: Existe um grupo profissional (o dos administradores hospitalares) que, apesar da formação específica e das respectivas funções estarem legalmente estabelecidas, continuam espoliados dos seus
direitos profissionais.
Reclamar pelos meus direitos é uma Utopia?
Os Direitos não são uma utopia.
Mas o Manifesto - como veículo de reclamação e afirmação desses Direitos - poderá ser.
São duas situações completamente distintas.
É tempo de entendermos que 'ninguém dá nada a ninguém'. Ou melhor, o que existe para dar (traficar?) são, a nível nacional, centenas de cargos retributivos acoplados a cartão, em ARS, Hospitais, Centros de Saúde, ACES, etc.
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