sábado, maio 16

Se não puder destacar-se pelo talento, faça de conta

Assim, reflectindo no potencial desta máxima proposta por Dave Weibaum1  o talento e o esforço são duas potencialidades que se podem conjugar. Contudo, numa lógica de competitividade estas duas potencialidades, que podem ser obtidas a partir de qualquer recurso, devem ser talentosamente geridas e muitas vezes cautelosamente guardadas.
Alguns autores definem os recursos, como activos específicos de uma organização, que são difíceis, senão impossíveis de imitar, dando como exemplos os segredos comerciais2, a especialização e competências em determinadas áreas de difícil aprendizagem3 (Teece, Pisano & Shuen, 1997:509-533).
Para Wernerfelt (1985), recurso é qualquer coisa que pode ser pensada como um ponto forte ou fraco de uma dada organização. De acordo com o autor, as organizações conseguem vantagens competitivas se adquirirem ou desenvolverem recursos superiores ou conseguindo uma combinação superior de ambos, relativamente aos concorrentes que também estão posicionados nos mesmos segmentos de mercado.
Não podemos falar da teoria baseada nos recursos sem falarmos do contributo de Edithe Penrose4  e a focalização que centrou nas vantagens competitivas destes. Para esta autora a organização constitui uma entidade integrada por pessoas e outros meios necessários à sua actividade, capazes de garantir a sobrevivência da organização para além dos seus fundadores, fundamentando a sua afirmação com referência às organizações centenárias que ainda hoje resistem às adversidades dos tempos modernos.
O principal ingrediente que a autora sustenta é a criação de valor centrado no conhecimento, que a jusante vai gerar valor acrescentado e consequentemente novas oportunidades de negócio, garantindo autonomia à organização para enfrentar as incertezas do curto prazo e as adversidades que o mercado impõe.
Ora, não há conhecimento sem aprendizagem e para que o conhecimento se torne um activo intangível tem que ser partilhado por canais fluídos e transversais a toda a organização fazendo mesmo parte da sua cultura e garantindo a capacidade de inovar e diferenciar.
Assim, quando as organizações criam produtos únicos, desenvolvendo capacidades únicas e competências próprias, tornam os recursos mais competitivos e sustentáveis em contextos de mercado.
A teoria baseada nos recursos reconhece as especificidades de cada organização, focalizando a oferta em detrimento da procura, ao invés do que a teoria neoclássica5 nos propõe.
A ideia central desta teoria que associa os conceitos de criação de conhecimento e aprendizagem organizacional, para de forma conjugada partirem à conquista da vantagem competitiva, sustentável e diferenciada, centrada nos recursos e nas suas superiores qualidades, de forma a garantir o futuro da organização face as demais concorrentes do mercado.
Todavia, este pressuposto implica que os recursos não sejam facilmente replicados e transaccionados. Assim, garantida a dificuldade de replicação e da transferência dos recursos superiores estão criadas as condições para a garantia das vantagens competitivas que podem originar diferenças substantivas face às organizações concorrentes. Importa assim aqui, também dizer, que quando um activo se torna objecto de substituição difícil ou impossível, não se pode considerar, só por isso, um activo de vantagens competitivas superiores mas antes “activo crítico6”, porque a sua saída, pode eventualmente trazer dificuldades acrescidas à organização, dificultando ou bloqueando, a cadeia de produção.
Desta forma se uma organização neste caso, um hospital, despende muitos recursos num determinado projecto altamente diferenciado, conduzido apenas por um colaborador, é provável, que este se torne num recurso altamente apetecível pelas organizações que sentem as mesmas dificuldades. Por outro lado podemos também dizer, que as competências superiores de um recurso dependem do seu contributo para as vantagens distintivas da organização, que se por um lado reforçam as suas potencialidades, por outro lado aumentam a dependência desta (organização), relativamente a este recurso que em determinado contexto pode mesmo propiciar determinados tipos de abusos.
Para Rugman e Verbeke (2002), a emergente influência desta teoria pode dever-se à polivalência de ingredientes que a incorporam da área da economia, estratégia, logística e comunicação. Assim, um recurso distintivo deve possuir os seguintes atributos:
• Precisa ser superior, detendo capacidades distintivas face aos concorrentes;
• Deve ser escasso entre as organizações, particularmente nas que operam no mesmo sector;
• A sua replicação deve ser difícil e nunca deve ser perfeita;
• Devem ser eliminados os substitutos estrategicamente equivalentes e facilmente replicáveis (Barney, 1991).
O recurso capaz de criar vantagem competitiva e sustentável é socialmente complexo (Barney,1991). O aspecto que melhor explica a dificuldade de imitação deve estar ligado à sua escassez, ou dificuldade de obtenção, garantida pelo controlo de acesso ou uso exclusivo, tais como registo de marca, propriedade exclusiva, a destacar de entre outros (Rumelt e Lippman, 1982). A dificuldade de imitação deve estar também associada à dificuldade de transferência dos recursos entre organizações e à incerteza dos investimentos na sua obtenção.
Para Mathews (2003), os recursos da organização podem ser entendidos como sendo o núcleo fundamental para gerar valor sustentado. Estes recursos não existem desagregados, mas interligados dentro de um dado contexto organizativo, que levam a organização a alcançar resultados superiores para os seus accionistas, tais como retorno sobre investimento, retorno sobre activos e fluxo de caixa líquido.
A partir do trabalho de Penrose (1997) outros autores como Wernerfelt (1984) também começaram a analisar as organizações a partir dos recursos, ao invés de centrar a análise nos seus produtos, o que permitiu abrir novas perspectivas para a estratégia organizacional.
Já antes, Barney (Barney e Hesterly, 1996:133) tinham desenvolvido este paradigma transformando a visão baseada nos recursos numa teoria completa, suportada em dois pressupostos básicos respeitantes às capacidades e aos recursos da organização:
• 1.º Os recursos e as suas competências podem evoluir, de forma significativa na organização, isto é, o pressuposto da heterogeneidade da organização;
• 2.º Estas diferenças permanecem estáveis, ou seja, o pressuposto da imobilidade de recursos e das competências. Assim, face ao exposto podemos afirmar que a teoria baseada nos recursos diverge da teoria económica tradicional, já que nesta, as diferenças entre as organizações são tratadas como fruto do acaso em detrimento das vantagens competitivas dos recursos. A principal consequência dos pressupostos desta teoria é que a diferença de desempenho entre as organizações, ou melhor, a obtenção de vantagens competitivas, é explicada pela heterogeneidade superior dos recursos. Isto significa que a fonte básica para a vantagem competitiva e distintiva, são os recursos e competências que estes detêm, que devem ser desenvolvidas e controladas pelas organizações, particularmente quando estes são elementos escassos e valiosos, ao ponto de se tornar impossível a sua substituição.
Ora, em contextos de mudança, todos estes determinantes têm que ser apurados.
Quando, na tomada de uma decisão, oconhecimento constitui a variável mais importante, é aconselhável que a autoridade de quem decide e a capacidade de decisão coincidam. Podemos fazer coincidir o conhecimento e autoridade de decisão de duas maneiras: uma é deslocando o conhecimento para os que possuem o poder de decisão, outra é deslocando o poder de decisão para os que detêm o conhecimento. Esta foi a opção escolhida pela gestão da qualidade total.
A transferência de saberes não é instantânea. As pessoas levam tempo a assimilar a informação. Estas dificuldades têm um custo e, em contextos de crise, estes podem ser muito elevados, incluindo a perda irreversível de oportunidades, não fazendo, por vezes, qualquer sentido o seu investimento. Problemas difíceis e específicos de transferência de informação acontecem, quando a melhor tomada de decisão exige a integração específica de conhecimentos, localizados em indivíduos, que trabalham afastados uns dos outros. A integração de conhecimentos para concepção de um novo produto e a difusão no mercado da sua disponibilidade, é disto um bom exemplo. Ao nível das organizações de saúde a falta de visão gestionária na agenda de recursos, leva a uma completa desregulação da sua transacção. A relação competitiva entre as organizações públicas e privadas é agressiva e tensa. Em algumas especialidades altamente diferenciadas como é o caso da radiologia, o espaço dos privados tem vindo a monopolizar os recursos, vendo-se depois as organizações públicas na necessidade de recorrer a estes serviços a custos despropositados em sistema de outsourcing, ou outros tipos de prestação de serviços.
Mas o inverso também é verdadeiro. Então, depois de toda a integração normativa que decorre desde finais de 2002, no sector Empresarial do Estado, que tornou a gestão das organizações públicas mais flexível e célere, permitindo promover a concorrência, centrada na estratégia da vantagem competitiva baseada nos recursos, nomeadamente em especialidades altamente diferenciadas, como bem acontece nalguns centros de reconhecida idoneidade neste País.
Na realidade e como bem se percebe, os recursos de capacidades superiores partilham-se entre grandes hospitais públicos e privados, por vontade e determinação destes e, não como resultado conseguido de alguma estratégia para o sector.
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Notas:
1. Filósofo e pensador Norte-Americano
2. A bibliografia cita frequentemente a fórmula da Coca-Cola. Portugal é referência nos moldes de vidro e em parte do calçado.
3. Na realidade trata-se do princípio de diferenciação ou especialização.
4. Edith Penrose, nascida a 15 Novembro 1914 em Los Angeles morreu no dia 11 Outubro 1996 em Waterbeach, Cambrid-geshire, foi uma proeminente economista americana. Diplomada em 1939, acompanhou o marido em Gèneve no Instituto Internacional de Trabalho. A autora escreveu o seu primeiro livro, Economics of the International Patent System, publicado em 1951. Edith Penrose obteve o seu Ph.D. na Universidade Johns Hopkins e desenvolveu a sua tese sobre a orientação do economista austríaco Fritz Machlup.
5. As necessidades do mercado tendem aequilibrar a economia e há pleno emprego, ou seja, porque há equilíbrio entre a procura e a oferta.
6. Habitualmente são pessoas que detêm competências únicas mas, essenciais ao encadeamento do processo de produção. Num hospital um exemplo típico será o caldeireiro, num estaleiro de grande dimensão o serralheiro-mecânico.
BIBLIOGRAFIA
BARNEY, J. B, HESTERLY, W. (1996) Organizational Economics: understanding the relationship between organizations and economic analysis. In: CLEGG, S. R.; HARDY, C.;
HAMEL G. C.K. P, (1994) Competing for the Future, Harvard: University Press.
LIPPMAN, S.; R. P. RUMELT (1982). “Uncertain imitability: An Analysis of Interfirm Differences in Efficiency under Competition.” Bell journal of Economics 13:418-453.
MATTHEWS, J. J. (2003) The Situatedness of Learning: A Phenomenographical Study of the Personal and Professional Learning of Post and Under Graduate Students. University of Sheffield, Department of Educational Studies.
PENROSE, E. (1997) The Theory of the Growth of the Firm. In: FOSS, N. J. Resources, firms, and strategies: a reader in the resource-based perspective, Oxford: Oxford University Press.
PORTER, M. (1989) A Vantagem Competitiva das Nações, Rio de Janeiro: Editora Campus.
RUGMAN, A.M. & VERBEKE, A., 2008, “A New Perspective on the Regional and Global Strategies of Multinational Services Firms”, Management International Review (MIR), vol. 48, n.º 4, pp.397-411.
TEECE, D. J. (1992). “Competition, Cooperation, and Innovation : Organisational Arrangements for Regimes of Rapid Technological Progress.” Journal of Economic Behavior & Organization 18 (1): 1-25.
TEECE, P., S., A., (1997) Dynamic Capabilities and Strategic Management, in Strategic Management Journal, Vol. 18, No 7, 1997 pp.509-533.
TEECE, D. J. (2009). “Business Models, Business Strategy and Innovation.” Long Range Planning.
WERNERFELT, B. (1984) A resource-based view of the firm. Strategic Management Journal. v.5, n.2, pp. 171-180
Baltazar Fernandes , Mestre em Gestão de Serviços de Saúde pelo ISCTE e Doutorando do 3.º ano de Ciências da Comunicação, na Universidade do Minho.

Nota: Sou gestora há mais de trinta anos. Neste longo trajecto adquiri a ilusão de já ter visto de tudo um pouco. Um enigma, no entanto, permanece indecifrável. De que forma as empresas identificam, seleccionam, avaliam e valorizam os seus activos de topo.
No grupo destes gestores são facilmente  identificáveis dois grandes grupos: os espertos e os outros. 
Os primeiros sempre em transição. Ousados, sem melindres quanto à contenção orçamental. Capazes de gastar, sem pestanejar, muitos euros em propaganda. Dos segundos, não reza a história. A não ser nas chorudas folhas de vencimento. 
Fatalmente, faltavam os gestores de pacotilha. Réplicas  facilmente transaccionáveis. Arrivistas pouco preparados e ambição desmedida. Com final anunciado de muitos milhões de prejuízo. Afinal, réplicas são réplicas.
Clara Gomes

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