quarta-feira, junho 10

Sistema de Saúde no tempo da troika

• Os resultados sugerem um processo de reconfiguração do mercado privado em Portugal: a diminuição da atividade dos consultórios e, em parte das clínicas, contrasta com o aumento da atividade dos hospitais privados.
• Apesar da expectativa quanto aos imperativos financeiros terem permitido ganhos de eficiência e eficácia sem afetar a qualidade da prática clínica alguns dados merecem atenção: 38% dos médicos apontaram faltas recorrentes de material nas instituições. A situação é particularmente visível no SNS, chegando a 60% dos médicos nos cuidados de saúde primários e cuidados continuados e a 44% dos médicos hospitalares, mas igualmente presente no setor privado: 29% dos médicos em consultórios e clínicas e 33% nos hospitais privados. Medicina geral e familiar (54%) e anestesiologia (53%) estão entre as especialidades em que mais se apontou esta situação;  14% dos médicos referiram sentir maior pressão para gastar menos com os doentes. Entre os motivos apontados destacam-se dificuldades no acesso a meios complementares de diagnóstico e terapêutica e a exames laboratoriais. A situação é particularmente visível nos cuidados de saúde primários e nos cuidados continuados (24%) e referido sobretudo nas especialidades de medicina geral e familiar (23%), oncologia (23%) e medicina física e de reabilitação (22%); 11% dos médicos referiram sentir maior pressão para não prescrever medicamentos. As especialidades que mais indicaram esta pressão são a oncologia (24%) e a medicina geral e familiar (21%). Estão em causa situações de constrangimentos à livre decisão médica e não necessariamente de incentivo à prescrição de genéricos. Os casos apontados relacionam-se com antibióticos, antidiabéticos e antihipertensores. No SNS as respostas obtidas foram 22% entre os médicos nos cuidados de saúde primários e nos cuidados continuados e 10% nos hospitais. O valor nos hospitais privados é semelhante: 12%; 10% dos médicos afirmaram ter havido um aumento na recusa de tratamentos inovadores. O valor é mais elevado nos hospitais públicos (17%) e entre as especialidades de urologia (53%) e oncologia (47%); A falta de recursos no setor hospitalar público é um traço marcante: cerca de 40% dos médicos hospitalares afirmaram já ter sido confrontados com a falta de medicamentos no tratamento adequado dos doentes, 30% estiveram envolvidos em cirurgias adiadas e 23% já deixaram de realizar técnicas invasivas por falta de material disponível.
• Um dos aspetos mais ignorados na reflexão sobre as implicações da reforma no setor da saúde diz respeito à formação dos profissionais. Praticamente 80% dos internos e 50% dos médicos especialistas com atividades de formação (tutores) inquiridos consideram que a qualidade de formação no internato médico diminuiu desde 2011.
• Entre os médicos no SNS, praticamente 60% referiram que o abandono das terapêuticas aumentou nos últimos anos e 80% que os doentes têm pedido mais vezes a prescrição de medicamentos mais baratos. Entre os médicos no setor privado, 1/3 considerou ter havido um aumento do abandono das terapêuticas por motivos económicos dos doentes e mais de 50% que os doentes têm pedido mais vezes a prescrição de medicamentos mais baratos. Mais do que hierarquizar as especialidades em que esta tendência pode ser mais preocupante, os dados revelam a consistência com que o abandono de terapêuticas tem ocorrido (por exemplo, o abandono em psiquiatria e em pneumologia rondam os 70%; em medicina geral e familiar os 60% e em oncologia os 50%).
• Segundo 58% dos médicos inquiridos os doentes têm faltado mais às consultas ou manifestado impossibilidade de ir às consultas. A análise por especialidades revela respostas consistentemente elevadas, com maior destaque entre a medicina física e de reabilitação, pneumologia, estomatologia, gastroenterologia, medicina interna, cardiologia e dermato-venerologia. Os dados merecem reflexão: pense-se nas implicações de 40% dos oncologistas inquiridos afirmarem que o absentismo dos doentes aumentou.
• Encontraram-se discrepâncias no interior da profissão médica em relação à situação dos médicos: A sensação de esgotamento entre os médicos do setor público cresce à medida do tempo de trabalho (dos 60% aos 70%), situação apenas invertida já no final da vida profissional. Entre os médicos no setor privado a tendência é sempre decrescente (65% entre os mais novos e 40% entre os mais velhos); Tanto a motivação como a realização no trabalho sofrem quebras ao longo do percurso profissional entre os médicos do SNS (51% dos médicos mais novos estão motivados valor que baixa até aos 38% no decorrer da vida profissional; 62% iniciam a sua vida profissional realizados, valor que desce até aos 58%). A situação dos médicos no setor privado é oposta: a motivação e realização aumentam à medida do tempo de trabalho (42% iniciam a vida profissional motivados e 66% chegam ao final da vida profissional motivados; 59% iniciam realizados e 80% terminam a vida profissional realizados);  Os médicos com trabalho exclusivo no setor privado são os que mais denunciam sentir o aumento das dificuldades financeiras desde 2011 (21%). Contudo, a análise discriminada por prestador revela situações mais gravosas entre os médicos nos hospitais SPA (33%), nas UCSP (os designados “centros de saúde”) (26%) e nos consultórios (24%); Os estomatologistas são os especialistas inquiridos que mais manifestam dificuldades económicas face a 2011 (35%) seguidos dos especialistas em medicina geral e familiar (25%) e psiquiatras (22%); Os fatores que mais explicam a possibilidade de emigração dos médicos prendem-se com dificuldades económicas e com a realização profissional: em caso de aumento da dificuldade económica a possibilidade de emigração aumenta em cerca de 50%; em caso de aumento da realização profissional a possibilidade de emigração diminui em torno dos 60%. Logo, não é apenas a situação de desemprego que ajuda a perceber a saída de médicos do país.
• Alerta-se para a necessidade de uma leitura ampla sobre os efeitos das reformas prosseguidas no tempo da Troika no sistema de saúde português, isto é, indo para além do setor público. Contudo, tornou-se inequívoco o peso e a consistência das respostas dos médicos do SNS inquiridos: 80% consideram que as reformas no setor público já afetaram a qualidade dos cuidados prestados; cerca de 85% que o SNS não pode acomodar mais cortes de financiamento sem comprometer a qualidade dos cuidados; e 28% que as condições disponíveis não permitem tratar de acordo com as leges artis.
O SISTEMA DE SAÚDE PORTUGUÊS NO TEMPO DA TROIKA: A EXPERIÊNCIA DOS MÉDICOS  link, link

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