sábado, maio 30

Mixórdia

Defendo a universalidade da ADSE por várias razões. A primeira foi resumida pelo relatório da FFMS sobre o hospital de Santa Maria: num SNS tão centralizado e mastodôntico, a corrupção e amiguismo de médicos, enfermeiros e auxiliares era inevitável; num sistema ingovernável mas sempre defendido pelos jargões pomposos do dr. Arnaut, era inevitável a criação de uma aristocracia sindical controlada pelo PCP e de uma verdadeira aristocracia médica conotada com a maçonaria e PS. CDS e PSD são puros? Não, mas a sua impureza está noutras áreas (banca, por exemplo). Como salienta o relatório, estas duas aristocracias saquearam o SNS. Como? Todos nós conhecemos histórias: médicos que não aparecem porque têm as suas clínicas privadas, que muitas vezes estão encostadas ao hospital público; técnicos que levam para os seus laboratórios
privados o material roubado ao armazém do hospital público, etc. Quer isto dizer que todos os funcionários do SNS são corruptos? Claro que não. Aposto na honestidade da maioria. A questão é que esta maioria também é culpada, porque é uma maioria silenciosa. Está calada há décadas em relação aos abusos da minoria salteadora.
Quer isto dizer que o Estado não deve existir no campo da saúde? Não. O Estado deve marcar a sua presença, mas de forma diferente. Não deve ser prestador de serviços de saúde, deve ser a garantia universal desses serviços junto do cidadão. Ou seja, o tal Estado social deve existir na forma de um seguro de saúde individual, universal e obrigatório, e não na forma de um mausoléu estatal como o Santa Maria. É por isso que a ADSE é a melhor parte da saúde pública em Portugal, é por isso que este seguro de saúde devia ser um direito e um dever de toda a gente, e não apenas dos funcionários públicos. Uma ADSE universal seria a melhor solução financeira, pois reduziria o risco de corrupção, impediria a criação do nepotismo sindical de médicos e enfermeiros, forçaria estes profissionais a trabalhar em hospitais e clínicas privadas onde o mérito vence o compadrio enquanto critério definidor. A par da maior eficácia e poupança, uma ADSE universal também seria sinónimo de justiça. É que existe há décadas uma injustiça de base na sociedade portuguesa: sem dinheiro para seguros privados e sem acesso à ADSE, os mais pobres ficam reféns das filas de espera do SNS; ao lado, os beneficiários da ADSE despacham-se nos hospitais privados. Não é justo.
Além de ser mais justa e livre, uma saúde baseada na ADSE universal também seria mais responsabilizadora. O que quero dizer com isto? Grande parte da população acha que a saúde é mesmo gratuita e, claro, discursa nos vox populi como se tudo lhe fosse
devido. Ora, com a introdução desta ADSE universal, todos os cidadãos teriam de contribuir com uma percentagem do seu salário. Até poderiam ficar isentos de IRS, mas teriam de dar 3% do salário para este seguro. Moral da história? Com uma ADSE para
todos (como existe, por exemplo, na Áustria), seríamos um país mais livre, mais responsável, menos esbanjador e menos corrupto. O Estado não deve usar estetoscópio, deve apenas garantir que todos os cidadãos têm acesso ao estetoscópio.
Henrique Raposo, Expresso 30/05/2015
Tendo a ADSE como referência, servindo-se de uma autêntica mixórdia de temáticas, com graves mentiras e omissões e algumas meias-verdades, este reputado ultraliberal vai-nos dizendo o que está na forja em matéria de migração do actual modelo para um assente em seguros de saúde, tão a jeito dos grupos económicos privados.
E o que aqui diz é para levar a sério pois é fácil de vender a quem não está por dentro da Saúde e se deixa seduzir pelo esplendor dos privados, face a um SNS estigmatizado e em decadência acelerada.
Tavisto


Etiquetas: ,

1 Comments:

Blogger DrFeelGood said...

Os neoliberais têm uma avença com as companhias de seguros: eles vendem-lhes os produtos PPR e seguros de saúde, elas lá arranjam forma de retribuir, e mesmo que não o façam directamente tratando-se de defender um negócio o verdadeiro neoliberal também trabalha à borla.
O que está a dar é demonstrar que a Segurança Social está condenada ao fracasso. No caso português imaginemos um tipo espancado até à morte, e que antes do golpe final ainda tem de ouvir: estás a ver, a tua vida era insustentável.
Utilizaram a cobardia de quem chamou a troika porque não tinha fundos para pagar a dívida (estamos bem pior), utilizaram a troika para ir para lá dela depois de uma campanha eleitoral onde prometeram que não o fariam, e com a destruição propositada do emprego conseguiram, além do objectivo óbvio de baixar os salários o bónus de colocar a Segurança Social em muito maus lençóis. Seja porque somos menos a contribuir (menos 600 000 desde 2008), seja porque alguns ainda recebem subsídio de desemprego.
A teoria geral do neoliberalismo é a de que a Segurança Social é um esquema tipo D. Branca. É falso, as contas estão feitas, haja pleno emprego e aumento de produtividade e a viabilidade existe. Mas é verdade que o risco de políticas que levem à destruição do emprego e por tabela da segurança social existe. Destruir a segurança social foi um dos objectivos conseguidos de Pinochet e os seus discípulos, na versão pseudo-democrática que se disfarça de liberal, insistem.
Sucede que a História não acabou. Acontece que os reformados votam. E a lavagem ideológica que levam perde a eficácia no momento em que vêm os seus direitos ameaçados. Isso sabia evitar Pinochet, mas já não o conseguiu Thatcher.
Não vou fazer nenhum PPR porque confio na viragem da História. Mas principalmente por outra razão: é que as companhias de seguros também vão à falência. Quem quiser acreditar no mercado, que reze, eu prefiro acreditar na democracia.
João José Cardoso, aventar, 31.05.15

9:23 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home