Fraude e Desperdício
Eliminar desperdícios, reformando…
Dez por cento das verbas da saúde perdidas por "fraude e desperdício"… link.
Adalberto Campos Ferreira traduziu assim a sua convicção: "Só naquilo que é a má utilização decorrente de desperdício ou de fraude, nós não temos dúvidas nenhumas em afirmar que, provavelmente, dez por cento do Orçamento total da Saúde estará perdido nesses domínios". Trata-se, portanto, de 800 milhões de euros.
Há 6 anos foi lançado – julgo que da mesma maneira – um outro número (libelo) mais ‘volumoso’ de 25 a 30 % no que concerne a avaliação de desperdícios, e como foi salientado na altura, essa previsão foi efectuada sem qualquer objectividade ou racionalidade e por vezes vítima de uma extrapolação abusiva de auditorias pontuais ou sectoriais do Tribunal de Contas. link.
A utilização acrítica da bengala dos desperdícios foi, desde sempre, um instrumento e uma concepção ‘liberal’ para a evolução ‘natural’ do SNS. A Direita sempre a utilizou a ‘questão dos desperdícios’ para questionar o ‘peso’ da massa salarial, congelar carreiras, diminuir contingentes em recursos humanos (promovendo a precariedade), fazer fusões de instituições ad hoc atropelando a quadrícula de resposta e critérios de proximidade e colocar boys no terreno (CA e ACCES).
Quando se olha para este rol de intenções ressalta de imediato o ‘programa’ de Paulo Macedo e do seu inefável companheiro Leal da Costa. Não será bom enveredar, de novo, por este caminho.
Por detrás da invocação de desperdícios está sempre escondida a pretensão de privatizar. Não creio que seja esse o intuito do actual ministro. Mas existem argumentos voláteis e infelizes – pelas conotações que encerram – que seria melhor serem evitados.
A ‘Central de compras’ que tem origem em 2009 (SPMS – Serviços Partilhados do Ministério da Saúde) e redesenhada posteriormente pela ACSS e ACE como uma ‘Central de Compras’ nunca mereceu o parecer favorável do Tribunal de Contas. Foram sucessivamente invocados argumentos formais, nomeadamente a salvaguarda da autonomia das entidades empresariais (EPE). Trata-se que obstáculos formais facilmente removíveis por via legislativa já que será possível inserir na autonomia administrativa (louvável) uma dimensão de escala em que o accionista é único e comum (Estado). Existe por assim dizer uma holding.
Provavelmente, só aqui se obteriam ganhos (de milhões link), ou no caso de existir uma adesão masiva poderá chegar próximo dos 10%, os tais 800 milhões de euros (para já contabilizados como ‘desperdícios) link.
Mas, dentro de um quadro mais optimista seria possível ir mais além. Isto é se fosse possível por a divida aos fornecedores em dia – cujos valores link impossibilitam qualquer tipo de boa gestão - aumentaria consideravelmente a capacidade negocial da dita Central de Compras e geraria mais poupança.
Lançar para o ar o libelo de 10% de desperdício como um dado adquirido, e aparentemente ‘oculto’, não ajuda em nada a reestruturação do SNS que se encontra muito debilitado ao fim de 4 anos e meio de permanente desnatação.
Esta asserção do ministro é também politicamente perigosa e dúbia já que foi sempre a arma daqueles que andaram por cá interessados no desmantelamento do SNS e na sua privatização a granel.
A importação de procedimentos de gestão do sector privado com vista à obtenção de melhores performances é um ‘mito urbano’ (para usar uma expressão corriqueira do politiques actual) para entregar a gestão dos serviços públicos ao sector privado ou social, mas existem outros procedimentos em marcha. Um deles é o desnatar as situações patológicas, através de triagens enviesadas, ficando o sector privado com as situações ligeiras (com a ‘carninha da perna’), replicando actos médicos (alguns supérfluos) e ‘transferindo’ para as instituições públicas as situações pesadas (o ‘osso’), obviamente, mais difíceis e dispendiosas. Há aqui uma perversa inversão do carácter complementar na prestação de cuidados de saúde.
Ganhos de efectividade na redução das listas de espera link, na reformulação dos esquemas retributivos (em função do desempenho) link são medidas já anunciadas. Falta prosseguir com a reforma da rede hospitalar, dos cuidados continuados e paliativos e the "last but not the least" o desenvolvimento e aplicação de novos programas e repostas no âmbito dos cuidados primários (USF, USL e no intermédio as ACES), esses sim podem produzir ganhos nas respostas e na produção e indirectamente diminuir custos, o que será uma coisa literalmente diferente dos ‘desperdícios’.
Não vamos, portanto, desperdiçar tempo com elucubrações. Porque se ficarmos por aí esse desperdício será sempre superior a 10%. Este um último alvitre.
E-Pá!
Etiquetas: Crise e politica de saúde, E-Pá
2 Comments:
Post publicado com atraso devido a avaria do mail.
Mantém-se a obsessão com o desperdício no SNS e o laxismo com modelos despesistas como a ADSE, onde os beneficiários são alvo da mais despudorada caça a exames complementares tendo como único objetivo gerar lucros.
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