quinta-feira, junho 23

Portugal um país desigual

Relatório da Primavera 2016: procuram-se novos caminhos link 
Intervenção do Presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares 
 O Relatório da Primavera (RP) deste ano opta por não fazer uma análise à governação dos últimos 12 meses, tendo optado por apresentar um conjunto de estudos de relevo para a política de saúde. É uma opção do Observatório Português do Sistema de Saúde não muito consistente com relatórios passados. Nos últimos sete meses, o Ministério da Saúde têm estado ativo em algumas áreas, tendo alterado algumas opções do anterior governo e perpetuado outras. Contudo, no essencial, contínua condicionado pela restrição orçamental e pela política geral do Governo no que concerne a reposição dos salários e das 35 horas semanais de trabalho. Naturalmente, com um orçamento praticamente inalterado, a equação é de complexa resolução, mantendo-se um elevado risco da questão orçamental sobrepor-se a todas as outras. Adicionalmente, muitas das medidas anunciadas pelo Governo ainda estão longe da sua concretização plena sendo certo que algumas estão em linha com recomendações do relatório apresentado hoje. 
O RP dá especial ênfase às desigualdades sociais em saúde. Com toda a propriedade o relatório poderia assumir outro título: “Portugal um País Desigual”. Não querendo menorizar os restantes capítulos, este é por excelência o retrato social do País. Das desigualdades na educação, geramos desigualdades sociais em saúde. Importa voltar bastante atrás. Em 1977, a Organização Mundial de Saúde (OMS) adota o mote “Saúde para todos no ano 2000” assumindo a intersetorialidade das políticas saúde. No ano seguinte, é assinada a Declaração de Alma Ata: “os cuidados de saúde primários são a chave para atingir os objetivos como parte do desenvolvimento dentro do espírito da justiça social”. Segundo o então Diretor da OMS, Halddan T. Mahler, “a saúde para todos é um sistema de valores com os cuidados de saúde primários como componente estratégica”. Hoje, os dados apresentados pelo RP revelam que o risco de má saúde é seis vezes superior nas pessoas sem formação em relação às pessoas com pelo menos o ensino secundário. Na mesma relação, a diabetes é quatro vezes superior, a hipertensão arterial e a DPOC três vezes. Mais, a prevalência da diabetes é naqueles sem formação de 24,1%, sendo a sua prevalência geral de 11,3%. Adicionalmente, ao contrário do observado para os mais ricos, demonstra-se que existem dificuldades de acesso dos mais pobres aos hospitais. Em contraponto, os cuidados de saúde primários são mais acessíveis aos mais pobres. Mais não fosse, a aposta no desenvolvimento dos cuidados de saúde primários em Portugal é uma aposta na justiça social. Quando consideramos ainda dados referentes às despesas catastróficas e/ou de empobrecimento em saúde, verificamos as enormes barreiras no acesso aos cuidados de saúde para os mais necessitados. Efetivamente, o acesso ao medicamento, aos cuidados de saúde oral e ao ambulatório médico continuam a ser um desafio para muitos portugueses. Assim, devemos assumir que, em Portugal, o acesso universal à cuidados de saúde continua a ser um objetivo por concretizar. As despesas diretas da famílias é demasiado alta e a despesa pública em saúde (seja em percentagem do PIB, seja em percentagem do Orçamento de Estado) é baixa em termos comparativos. Importa reconhecer que, o investimento em saúde, é um investimento no crescimento económico (Carta de Tallinn assinada entre o Banco Mundial, a Organização ;Mundial de Saúde e os 52 Países da região europeia da OMS, 2009) e na justiça social. Voltemos aos dados apresentados no RP sobre a dificuldade de acesso dos mais pobres aos hospitais. Importa reconhecer que, o hospital é essencialmente uma instituição de saúde pública e não uma fábrica de cuidados de saúde. Em algum momento na gestão hospitalar esquecemos-nos da saúde pública e da população que servimos. 
O nosso negócio é reduzir o sofrimento humano, não é produzir cuidados de saúde para clientes. 
Evidentemente, o hospital deve ser gerido com eficiência e necessita de gestores qualificados para atingir os seus objetivos. Contudo, nunca atingirá globalmente os seus objetivos sem assumir as suas funções de instituição de saúde pública. Para tal, necessita de gestores com formação adequada. Vejamos: o sistema não necessita de produtores parciais de cuidados de saúde unicamente focados em eficiência imediata. O sistema necessita de gestores que conheçam a globalidade da operação e que promovam uma rede colaborativa de prestadores que assegure cuidados de saúde centrados nas necessidades do cidadão. Da mesma forma, não é possível que a administração seja desempenhada por políticos, curiosos ou profissionais de saúde sem um conhecimento profundo dos métodos e dos instrumentos de gestão. Por outro lado, criar redes colaborativas com outros prestadores e com a comunidade exige autonomia e competência. Ou seja, não é reduzindo a autonomia dos hospitais e a nomearmos gestores intermédios e de topo sem formação adequada que quebramos barreiras e asseguramos acesso aos cuidados de saúde para quem deles necessita.
O RP apresentado hoje faz um grave diagnóstico de situação. Não basta aumentar os níveis de saúde da população. Apesar da esperança média de vida estar a aumentar em Portugal, muitos são os Portugueses deixados para trás. É necessário aumentar a equidade em saúde e, para tal, equidade no acesso aos cuidados de saúde. Para reduzir desigualdades sociais em saúde é necessário liderança e competência. 
Nós AH temos a consciência do relevo do nosso papel e assumimos as nossas responsabilidades. Temos a expectativa na liderança do Ministério da Saúde para seguir o caminho adequado.

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