SNS para pobres
Estudo de investigadores da Universidade Nova de Lisboa conclui que o Serviço Nacional de Saúde já não é universal.
A Ordem dos Médicos vai divulgar um estudo sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS) que conclui que as unidades do Estado funcionam como um seguro público, que o sistema está “desnatado”, servindo cada vez mais reformados, desempregados ou quem tem baixos salários, e é mantido com o esforço do trabalho médico. Da autoria dos investigadores sociais Raquel Varela e Renato Guedes, o estudo é contestado por economistas do sector.
“O SNS como tal já não existe. Um serviço universal pressupõe uma unidade entre o financiador e o prestador, que não temos. O SNS funciona como um seguro de saúde público, com os hospitais a concorrerem entre si”, critica Raquel Varela, coautora do trabalho e investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.
A historiadora revela que “a conclusão inédita é de que não foram as melhorias na gestão, mas a pressão sobre o trabalho médico, com mais horas de trabalho por menos dinheiro, que permitiram aumentar a produção sem aumentar os custos”.
Pedido pelo Conselho Regional Sul da Ordem dos Médicos, o estudo faz uma revisão histórica dos cuidados assistenciais públicos desde o Estado Novo até aos nossos dias e conclui que “estamos pior”, afirma a historiadora. Menos fatalista, o responsável da Ordem, Jaime Teixeira Mendes prefere falar no “risco de termos dois tipos de assistência: para ricos e para os mais pobres”.
Entre as notas conclusivas, consta que as mudanças ocorridas, como a empresarialização dos hospitais, gerou “aquilo que se configura tendencialmente como um novo sistema dual em que a população com rendimentos tem acesso a cuidados mais especializados, ficando cada vez mais um sistema desnatado para a população reformada, desempregada ou de baixos salários”. E fica um alerta: “O trabalho médico não é potenciado. A formação de internos fica comprometida em função da perda dos formadores mais capazes. Constrói-se, assim, um
SNS pobre, para os pobres.”
A Urgência é a entrada para quem não tem outra porta onde bater, uma espécie de “urgência social”. O bastonário dos médicos explica porquê: “Se cada vez se fazem mais consultas e mais cirurgias porque é que as pessoas vão mais à Urgência? Pela falência do SNS e também dos apoios sociais.”
Os economistas Pedro Pita Barros e Álvaro Santos Almeida não concordam com as conclusões. “A comparação entre 2013 e 2015 mostra uma maior procura das respostas do sector público nos cuidados primários, o que dificilmente se pode ver como um sistema dual ou como a destruição do SNS”, afirma Pita Barros, da Faculdade de Economia de Lisboa.
Sobre a perda da universalidade, Álvaro Santos Almeida, da Faculdade de Economia do Porto, é peremptório: “É falso porque um sistema universal não precisa de ser do tipo SNS, porque a existência de um sistema SNS não impede a separação entre financiador e prestador, porque não há nenhum SNS na OCDE onde não haja alguma separação e porque um sistema totalmente integrado nunca existiu em Portugal.”
Presidente dos administradores hospitalares, Alexandre Lourenço, nega o impacto negativo apontado à solução EPE. “Não é o modelo que promove a competição entre os prestadores mas as regras de funcionamento do sistema.” Além disso, “o modelo de competição entre hospitais instituído este ano tem toda a potencialidade para trazer benefícios; a competição por acesso e qualidade é um ganho, não uma perda”.
Expresso 26/11/2016
Que o Serviço Nacional de Saúde está “desnatado” em doentes e profissionais, servindo cada vez mais reformados, desempregados ou quem tem baixos salários, é inquestionável. Só não vê quem não quer ou tenha antolhos. Que seria de esperar quando os cortes no financiamento levaram a uma diminuição da despesa do SNS de cerca de dois mil milhões de euros de 2010 para 2016, em resultado da redução constante de transferências do orçamento de estado e dos subsistemas públicos? Subfinanciamento que, a par de uma política irresponsável de reformas antecipadas, serviu de estímulo ao crescimento, não enquadrado numa política estratégica de separação de sectores, de poderosos grupos privados conduzindo à deserção dos profissionais mais experientes para o privado? O SNS não perdeu por isso a universalidade, perdeu foi qualidade acentuando o risco de termos dois tipos de assistência: para ricos e para os mais pobres.
Importa pois discutir quais as soluções para voltar a pôr o SNS nos carris. Receia-se é que da discussão não se faça luz, dado o risco de nos enredarmos em polémicas estéreis sobre modelos e conceitos teóricos de política de saúde, como parece transparecer das declarações dos intervenientes na notícia.
Tavisto
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1 Comments:
Benefício para o privado
Ao mesmo tempo que se regista este declínio no SNS, o privado tem beneficiado, alertam os autores. “Em paralelo inicia-se um processo de privatização de empresas públicas bem como a mercantilização crescente dos serviços públicos, sobretudo na área da saúde (por exemplo, mais de metade do orçamento dos hospitais privados é pago por comparticipações públicas, hoje, se somarmos as contribuições directas, 30%, mais os custos de formação da força de trabalho)”, diz o trabalho. E clarifica: “O que aqui se questiona não é a existência dessa situação, mas sim as proporções que ela adquiriu”...
A politica de favorecimento deliberado do sector privado da saúde não seria de estranhar no ministério de Paulo Macedo.
As mesmas políticas agressivas de favorecimento do sector privado da saúde continuam com o ministro Adalberto. Que além de reforçar o investimento dos privados através da ADSE se prepara para alargar os contratos das PPP da Saúde.
Fiquemos atentos aos projectos inovadores coordenados pelo Dr. Boquinhas.
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