Valores do SNS
Cuidar da
confiança das famílias e do SNS
Para a próxima segunda-feira está marcada uma greve
dos enfermeiros especialistas. Alexandre Lourenço, presidente da Associação
Portuguesa de Administradores Hospitalares, escreve que “ameaçar com o
encerramento de blocos de partos e colocar em causa a segurança dos cuidados de
saúde é mais que contrariar a cultura dos profissionais de saúde” - é um
“retroceder na construção da nossa sociedade”
O sistema
de saúde é porventura das organizações mais complexas da sociedade
contemporânea. Ao longo do tempo vamos introduzindo mecanismos de gestão para
simplificar o processo de prestação de cuidados de saúde com vista a melhorar a
produtividade, reduzindo ou eliminando custos e tempos, com vista a promover as
atividades que realmente acrescentam valor para o doente.
Contudo, por mais que os tentemos
simplificar, os cuidados de saúde possuem particularidades que decorrem da
natureza única e pessoal da saúde. O estado de doença implica vulnerabilidade,
limitando a independência e a assertividade do cidadão doente. Os prestadores
de cuidados compensam este estado de vulnerabilidade através de mecanismos que
protegem e advogam os interesses dos doentes, procurando os seus pontos de
vista e compreendendo os seus anseios e preocupações. Mesmo o doente com a
melhor preparação e conhecimento não consegue atingir o nível de detalhe,
experiência e sapiência que advém da prática clínica.
Historicamente, de todas as profissões de
saúde, os enfermeiros são aqueles que estão mais próximos dos doentes e os mais
comprometidos com a organização. No perpétuo movimento de forças e interesses
dentro do sistema de saúde, Mintzberg e Glouberman associaram os enfermeiros ao
“cuidar” em contraste com o “curar” - médicos, ou ao “controlar” - gestores.
São eles que garantem a continuidade e coordenação de cuidados no complexo vai
e vem da enfermaria. Não é uma tarefa simples, ser apanhado entre médicos que
reclamam a responsabilidade pelo doente, apesar da sua ausência, e os gestores
que exigem controlo, apesar da sua distância. Caricaturando, é fácil distinguir
quem utiliza o bisturi ou a caneta/teclado (cura) e quem aplica o algodão
(cuida).
Nos hospitais sabemos que gerir profissionais
de saúde, indivíduos talentosos e inteligentes, não se faz através do
comando-controlo ou contrariando a sua imagem e cultura de elevado
profissionalismo. A negociação, a persuasão, a influência e o compromisso têm
muito maior impacto que o “mandar”.
Sempre assumimos que para liderar
organizações de saúde a atingir os seus objetivos devemos utilizar a linguagem
e os valores dos profissionais de saúde. Ao longo desta magnifica construção
que chamamos Serviço Nacional de Saúde (SNS), por mais difíceis que fossem os
momentos, a prestação de cuidados a quem deles necessita nunca esteve em causa.
Os Portugueses sabem que em nenhuma circunstância, na mais justificada greve ou
na catástrofe mais atroz, os cuidados de saúde urgentes deixaram de ser
prestados.
Por mais legítimas que sejam as
reivindicações, ameaçar com o encerramento de blocos de partos e colocar em
causa a segurança dos cuidados de saúde é mais que contrariar a cultura dos
profissionais de saúde, é mais que contrariar o âmago “cuidar”. É retroceder na
construção da nossa sociedade. É colocar em causa o dever de assistência.
Tal como a saúde, a confiança é algo que se
delapida e dificilmente se reconquista. O momento mais feliz de uma família é,
certamente, a celebração do nascimento de mais um seu elemento. O SNS sempre
foi o garante de segurança neste momento tão singular e tão frágil das nossas
vidas, melhorando substantivamente os indicadores de saúde nacionais.
Melhor e mais do que ninguém, os
profissionais de saúde têm a confiança das populações. O SNS vive desta
confiança nos profissionais de saúde que diariamente dão o melhor de si em prol
dos doentes e das suas famílias. Trair essa confiança é mais do que tudo anular
a razão da nossa existência.
No próximo dia 3 de julho, os profissionais
de saúde, e especialmente os enfermeiros, irão continuar a garantir os melhores
cuidados de saúde às famílias que deles necessitem.
Alexandre
Lourenço, semanário expresso, 30.06.2017
Excelente. Não podíamos estar mais de acordo. Princípio indiscutível. Preservação da confiança das populações no SNS.
Etiquetas: s.n.s
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