segunda-feira, agosto 21

Queremos um SNS melhor

Desde as lideranças das profissões de saúde até a distintos membros do Conselho de Estado, como Jorge Sampaio, é patente uma preocupação comum: sem uma melhoria substancial do financiamento da saúde, o Serviço Nacional de Saúde não será viável a curto prazo.
Entre 2010 e 2016, o SNS perdeu cerca de 15% do seu orçamento num domínio em que as necessidades não param de aumentar. Como esta não foi uma perda pontual, mas antes prolongada, ela produz efeitos acumulativos e muitas vezes deferidos, que vão continuar a manifestar-se.
A recuperação financeira na saúde terá que ser progressiva. Mas para que essa progressividade tenha as dimensões necessárias é preciso superar a lógica que herdámos dos “anos de chumbo” — a hierarquização das políticas públicas a partir das financeiras. Esta distorção aceita-se, quanto muito como um registo de exceção, uma emergência. Não se pode tornar a norma.
É necessário agora um discurso e uma prática de harmonização das políticas financeiras, económicas e de bem-estar. Elas têm que ser analisadas e geridas conjuntamente, nos efeitos que cada uma tem em cada uma das outras. Conhecemos os condicionamentos. Mas eles dificilmente poderão ser superados se não iniciarmos decididamente esse caminho.
Dizia-nos, recentemente, um colega de Madrid, a propósito do financiamento da saúde em Espanha, que “primeiro tiraram-se as gorduras, depois algum músculo, e acabou-se por chegar mesmo ao osso”. E o que aconteceu quando a situação melhorou, no tempo das reposições? Disse ele: “Primeiro recuperaram-se as gorduras, depois o músculo e finalmente o osso.” Claro que não foi bem assim. Mas esta caricatura contem uma lição importante. As melhorias do financiamento não podem simplesmente servir para fazer o que se fazia em 2010. Têm que ser um investimento para fazer melhor, diferente, para inovar e modernizar.
Agora é importante mobilizar todas as capacidades e boas vontades disponíveis para iniciar um processo de profunda modernização do SNS. Amanhã pode já ser muito tarde. A realidade portuguesa e os conhecimentos atuais sobre a evolução dos sistemas de saúde na Europa indicam claramente que esta modernização terá que fazer-se em torno de duas ideias fundamentais: “a integração dos cuidados de saúde” e a “centralidade do cidadão nos sistemas de saúde”.
A integração de cuidados significa essencialmente assegurar às pessoas a “gestão dos seus percurso no SNS” de forma a passarem de um serviço para outro quando o necessitarem, sem barreiras ou descontinuidades desnecessárias. Isto é particularmente importante para aqueles que têm múltiplos problemas de saúde, de evolução prolongada. Mas também interessa fazer com que os episódios agudos de doença tenham uma resposta mais qualificada nos cuidados primários de saúde e que estes estejam continuamente em contacto com os hospitais para, quando necessário, decidirem em conjunto o melhor encaminhamento para as pessoas. Sem esquecer, contudo, que é em casa das pessoas que a maior parte dos cuidados, de saúde e outros, têm lugar.
A centralidade do cidadão quer dizer que sem este se capacitar para tomar decisões mais inteligentes em relação à sua saúde e aos serviços de saúde dificilmente os sistemas de saúde conseguirão o desempenho desejável. Até há pouco, esta era uma intenção que dificilmente saía da retórica promocional. Hoje temos instrumentos para investir seriamente na literacia em saúde, para fazer desta uma peça central de uma nova geração de estratégias locais de saúde. Sem esquecer, também, que as pessoas devem ser atendidas no SNS como suas proprietárias.
É principalmente nestas duas dimensões que terá que se construir um novo patamar de desenvolvimento do SNS. No Ministério da Saúde, esse processo de mudança designa-se por “SNS + Proximidade”. Não se fará por decreto. Requer novos instrumentos de gestão, informação e comunicação, já em preparação há quase um ano a esta parte. Necessita de ser ensaiado localmente e não é viável sem o interesse e mobilização de todas as lideranças locais. Iniciou-se já um projeto-piloto na região norte e estão em preparação iniciativas semelhantes em todas as outras regiões de saúde.
Mas este não pode ser só um propósito circunscrito ao Ministério da Saúde. “O SNS é um património moral irrenunciável da nossa democracia” (António Arnaut, 2013). Constitui um imperativo ético contribuir para um SNS melhor para todos portugueses. 
Constantino Sakellarides, jornal público 15.08.17 link


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