domingo, julho 2

Geringonça cercada

Geringonça ‘encravada’ na Saúde
“A Saúde é o principal ‘cordeiro imolado’ no controlo do défice”, queixa-se grupo de esquerda.
A governação da Saúde está a tornar-se um ‘grão na engrenagem’ da gerigonça. As críticas feitas por 25 personalidades de esquerda numa carta, de 8 de junho e divulgada na terça-feira, levou os socialistas a sentarem-se à mesa com os signatários. Na tarde de ontem, o líder da iniciativa, o presidente da Associação Renovação Comunista, Paulo Fidalgo, foi recebido pela secretária-geral-adjunta do PS, Ana Catarina Mendes, para pressionar o Governo a colocar a Saúde no caminho que diz ser o certo.
Médicos, enfermeiros, dirigentes políticos e sindicais e até antigos bastonários ligados ao PCP, BE e PS — Cipriano Justo, da Associação Renovação Comunista; Guadalupe Simões, vice-presidente do Sindicato dos Enfermeiros; Jaime Mendes, ex-presidente do Conselho Regional Sul da Ordem dos Médicos; o sindicalista João Proença; Jorge Espírito Santo, ex-dirigente da Ordem dos Médicos; José Carlos Martins, presidente do Sindicato dos Enfermeiros; o médico José Manuel Boavida; Mário Jorge Neves, presidente da Federação Nacional dos Médicos ou Sérgio Esperança, ex-presidente do Sindicato dos Médicos da Zona Centro — pedem ao Governo e aos partidos da esquerda que se unam em defesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS), desde logo cumprindo o que os socialistas prometeram no programa para liderar o país.
“Estamos a meio do mandato e a ‘geringonça’ não chegou à Saúde, uma área que ficou de fora”, afirma Paulo Fidalgo. A falta de atenção às questões essenciais é já sintomática: “Não há uma política de Saúde, apenas medidas pontuais e nota-se um retrocesso, quando num Governo como este o que devia acontecer era reverter esse retrocesso.”
Além da carta enviada no início da semana ao número dois dos socialistas, os 25 signatários da missiva de descontentamento também remeteram cartas a solicitar encontros com a UGT, a Intersindical, o PCP e o BE. Os socialistas foram os primeiros a sentar-se à mesa e esta disponibilidade em ouvir levou o movimento a adiar a elaboração de um manifesto formal. Ana Catarina Mendes entende ainda ser prematuro comentar o encontro e a recetividade que as propostas poderão vir a ter. Paulo Fidalgo insiste: “A Saúde é o principal ‘cordeiro imolado’ no controlo do défice” e, na sua opinião, chegou o momento de mudar. Defende que não é preciso gastar mais para dar saúde aos portugueses: “Há muitas medidas de organização sem um encargo financeiro atrás.”
Os 25 contestatários criticam a inércia do Executivo em fazer as transformações necessárias. “O Governo comprometeu-se com quatro pilares — reforma hospitalar, cuidados primários, cuidados paliativos e saúde pública — e nenhum produziu ainda resultados ou efeitos práticos no terreno”, salienta Paulo Fidalgo. Por exemplo, os centros de responsabilidade integrada (para a partilha na gestão de unidades) “deviam estar já a funcionar e não estão”.
“Estamos a meio do mandato e a geringonça não chegou à Saúde, uma área que ficou de fora”, afirma Paulo Fidalgo.
Com o tempo a passar e a ‘geringonça’ encravada na Saúde’, as consequências começam a ser cada vez mais evidentes quer nas dificuldades de acesso da população ao SNS quer no desconforto entre os vários apoiantes do Governo à esquerda. O presidente da Associação Renovação Comunista garante que a ineficácia do SNS tem permitido “aumentar a indústria privada e as desigualdades entre os portugueses”.
“Não vejo nenhum diferença entre este Governo e o anterior. Observamos que existe uma substancial continuidade da política restritiva no sistema prestador de cuidados de saúde como é o SNS”, afirma o dirigente. Esta semana o relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde veio afirmar o mesmo: o subfinanciamento do sector persiste, empurrando os cidadãos para pagamentos diretos cada vez maiores, assumindo uma fatura muito acima da média dos restantes europeus. Quem não pode pagar, adia o tratamento. Paulo Fidalgo critica: “Os portugueses estão a ficar mais doentes para terem um défice controlado.”
Os cortes na Saúde, como as cativações, têm sido constantemente denunciados pelo PSD e CDS enquanto PS, mas também BE e PCP, optam por desdramatizar, culpando o anterior Governo pelos maiores cortes no SNS.
Nas últimas semanas, PCP e BE já sinalizaram que querem um sinal de maior investimento do Governo na Saúde no Orçamento do Estado para 2018. Agora, com esta posição de 25 signatários afetos a estes partidos, mas também ao PS, a pressão cresce para António Costa e Adalberto Campos Fernandes, sabendo-se que o orçamento da Saúde, onde as dívidas a fornecedores continuam a aumentar, é precisamente a maior dor de cabeça do ministro das Finanças - é o sector onde a despesa está menos controlada. E tem atualmente pela frente uma greve dos enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia que ameaça parar os blocos de partos por tempo indeterminado.
Vera Lúcia Arreigoso, semanário expresso,  01.07.2017
A geringonça da Saúde não tem andado bem. Mera gestão de continuidade. Quando havia tanta coisa para fazer a tempo de evitar o colapso às mãos dos investidores privados. 
O ministro da saúde, sem clarividência, perdeu a guerra quando não conseguiu  reivindicar para a Saúde um orçamento capaz de fazer face às enormes necessidades de investimento determinadas pelo longo período de cortes a eito anterior. E  deixou fugir a oportunidade de fazer regressar a PPP de Cascais à gestão pública.
Por outro lado, as avassaladoras reivindicações corporativas fazem o resto. Pagamento de horas extraordinárias a 100%. Redução de dezoito para doze horas de trabalho semanal no serviço de urgência e cuidados intensivos (mais salário menos trabalho).  Concursos de ingresso e progressão nas carreiras. Defesa/protecção do trabalho médico tarefeiro. Enfermeiros especialistas que ameaçam parar blocos.
Tudo com alheamento da situação de degradação preocupante das contas da Saúde.
Depois da geringonça, da oportunidade perdida,  vamos ter todos o que merecemos. Tudo em prejuízo dos utentes do SNS.

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