Geringonça cercada
Geringonça ‘encravada’ na Saúde
“A Saúde é o principal ‘cordeiro
imolado’ no controlo do défice”, queixa-se grupo de esquerda.
A governação da Saúde está a tornar-se
um ‘grão na engrenagem’ da gerigonça. As críticas feitas por 25 personalidades
de esquerda numa carta, de 8 de junho e divulgada na terça-feira, levou os
socialistas a sentarem-se à mesa com os signatários. Na tarde de ontem, o líder
da iniciativa, o presidente da Associação Renovação Comunista, Paulo Fidalgo,
foi recebido pela secretária-geral-adjunta do PS, Ana Catarina Mendes, para
pressionar o Governo a colocar a Saúde no caminho que diz ser o certo.
Médicos, enfermeiros, dirigentes
políticos e sindicais e até antigos bastonários ligados ao PCP, BE e PS —
Cipriano Justo, da Associação Renovação Comunista; Guadalupe Simões,
vice-presidente do Sindicato dos Enfermeiros; Jaime Mendes, ex-presidente do
Conselho Regional Sul da Ordem dos Médicos; o sindicalista João Proença; Jorge
Espírito Santo, ex-dirigente da Ordem dos Médicos; José Carlos Martins,
presidente do Sindicato dos Enfermeiros; o médico José Manuel Boavida; Mário
Jorge Neves, presidente da Federação Nacional dos Médicos ou Sérgio Esperança,
ex-presidente do Sindicato dos Médicos da Zona Centro — pedem ao Governo e aos
partidos da esquerda que se unam em defesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS),
desde logo cumprindo o que os socialistas prometeram no programa para liderar o
país.
“Estamos a meio do mandato e a
‘geringonça’ não chegou à Saúde, uma área que ficou de fora”, afirma Paulo
Fidalgo. A falta de atenção às questões essenciais é já sintomática: “Não há
uma política de Saúde, apenas medidas pontuais e nota-se um retrocesso, quando
num Governo como este o que devia acontecer era reverter esse retrocesso.”
Além da carta enviada no início da
semana ao número dois dos socialistas, os 25 signatários da missiva de
descontentamento também remeteram cartas a solicitar encontros com a UGT, a
Intersindical, o PCP e o BE. Os socialistas foram os primeiros a sentar-se à
mesa e esta disponibilidade em ouvir levou o movimento a adiar a elaboração de
um manifesto formal. Ana Catarina Mendes entende ainda ser prematuro comentar o
encontro e a recetividade que as propostas poderão vir a ter. Paulo Fidalgo
insiste: “A Saúde é o principal ‘cordeiro imolado’ no controlo do défice” e, na
sua opinião, chegou o momento de mudar. Defende que não é preciso gastar mais
para dar saúde aos portugueses: “Há muitas medidas de organização sem um
encargo financeiro atrás.”
Os 25 contestatários criticam a inércia
do Executivo em fazer as transformações necessárias. “O Governo comprometeu-se
com quatro pilares — reforma hospitalar, cuidados primários, cuidados
paliativos e saúde pública — e nenhum produziu ainda resultados ou efeitos
práticos no terreno”, salienta Paulo Fidalgo. Por exemplo, os centros de
responsabilidade integrada (para a partilha na gestão de unidades) “deviam
estar já a funcionar e não estão”.
“Estamos a meio do mandato e a
geringonça não chegou à Saúde, uma área que ficou de fora”, afirma Paulo
Fidalgo.
Com o tempo a passar e a ‘geringonça’
encravada na Saúde’, as consequências começam a ser cada vez mais evidentes
quer nas dificuldades de acesso da população ao SNS quer no desconforto entre
os vários apoiantes do Governo à esquerda. O presidente da Associação Renovação
Comunista garante que a ineficácia do SNS tem permitido “aumentar a indústria
privada e as desigualdades entre os portugueses”.
“Não vejo nenhum diferença entre este
Governo e o anterior. Observamos que existe uma substancial continuidade da
política restritiva no sistema prestador de cuidados de saúde como é o SNS”,
afirma o dirigente. Esta semana o relatório do Observatório Português dos
Sistemas de Saúde veio afirmar o mesmo: o subfinanciamento do sector persiste,
empurrando os cidadãos para pagamentos diretos cada vez maiores, assumindo uma
fatura muito acima da média dos restantes europeus. Quem não pode pagar, adia o
tratamento. Paulo Fidalgo critica: “Os portugueses estão a ficar mais doentes
para terem um défice controlado.”
Os cortes na Saúde, como as cativações,
têm sido constantemente denunciados pelo PSD e CDS enquanto PS, mas também BE e
PCP, optam por desdramatizar, culpando o anterior Governo pelos maiores cortes
no SNS.
Nas últimas semanas, PCP e BE já
sinalizaram que querem um sinal de maior investimento do Governo na Saúde no
Orçamento do Estado para 2018. Agora, com esta posição de 25 signatários afetos
a estes partidos, mas também ao PS, a pressão cresce para António Costa e
Adalberto Campos Fernandes, sabendo-se que o orçamento da Saúde, onde as
dívidas a fornecedores continuam a aumentar, é precisamente a maior dor de
cabeça do ministro das Finanças - é o sector onde a despesa está menos
controlada. E tem atualmente pela frente uma greve dos enfermeiros
especialistas em saúde materna e obstetrícia que ameaça parar os blocos de
partos por tempo indeterminado.
Vera Lúcia Arreigoso, semanário expresso,
01.07.2017
A geringonça da Saúde não tem andado
bem. Mera gestão de continuidade. Quando havia tanta coisa para fazer a tempo
de evitar o colapso às mãos dos investidores privados.
O ministro da saúde, sem clarividência,
perdeu a guerra quando não conseguiu reivindicar para a Saúde um
orçamento capaz de fazer face às enormes necessidades de investimento
determinadas pelo longo período de cortes a eito anterior. E deixou fugir
a oportunidade de fazer regressar a PPP de Cascais à gestão pública.
Por outro lado, as avassaladoras
reivindicações corporativas fazem o resto. Pagamento de horas
extraordinárias a 100%. Redução de dezoito para doze horas de trabalho semanal
no serviço de urgência e cuidados intensivos (mais salário menos trabalho). Concursos
de ingresso e progressão nas carreiras. Defesa/protecção do trabalho médico
tarefeiro. Enfermeiros especialistas que ameaçam parar blocos.
Tudo com alheamento da situação de
degradação preocupante das contas da Saúde.
Depois da geringonça,
da oportunidade perdida, vamos ter todos o que merecemos. Tudo em
prejuízo dos utentes do SNS.
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