sábado, setembro 23

Esperança, última a morrer

António Arnaut,  advogado e fundador do PS: “Quando é necessário o dinheiro aparece”
O fundador do Serviço Nacional de Saúde (SNS) acredita que chegou o momento de voltar à matriz inicial. O Estado deve garantir gratuitamente os cuidados médicos sem exigir taxas ou outros copagamentos que criem dificuldades no acesso às unidades. O histórico socialista afirma que tem o apoio político necessário para concretizar os planos de reformulação da rede assistencial pública, que aos poucos deve afastar a intervenção dos grupos privados que “mercantilizam a Saúde”.
Há dinheiro para a reforma que propõem, com as atuais limitações orçamentais e com as que se preveem?
O financiamento do SNS, estando no vértice da sua sustentabilidade, não é o elemento decisivo. A experiência e a história recente da democracia portuguesa mostram que quando é necessário o dinheiro aparece. Aparece o dinheiro para pagar aos abutres da alta finança e quando se fala na saúde, na dignidade e na vida das pessoas, um Governo decente não pode recusar o essencial para garantir um bem tão fundamental como a proteção da saúde, um dos primeiros deveres de um Estado social. Mas a estabilidade do SNS reside mais nas carreiras, a longa distância, do que no orçamento e não pode continuar a depender dos contratos a prazo, da porta giratória entre o público e o privado. O profissional tem de sentir que está a prestar um serviço de grande relevância social.
“Defendem a extinção das parcerias público-privadas ou a reformulação do modelo?
Algumas estão a ter bons resultados mas o Estado deve assumir gradualmente o seu papel como prestador e financiador, sem prejuízo do papel importante da medicina privada, que não são só os grandes grupos de medicina mercantilizada, e da liberdade da procura para quem a pode pagar. Nunca fui contra o privado mas o Estado social não pode renunciar à garantia efetiva dos direitos sociais, sem exclusivos de esquerda ou de direita. Todos são chamados a este imperativo social de garantirmos um SNS digno, para que a população tenha no momento oportuno os cuidados que precisa.
Pedem o fim das taxas moderadoras, independentemente dos rendimentos?
A cobrança de taxas moderadoras não é relevante e cria muitas dificuldades, até é um contrassenso. As taxas moderadoras visam, por definição, moderar a procura desnecessária mas muitas vezes o doente não sabe se é ou não necessário ir ao médico. Quando a pessoa vai à Urgência e precisa não pode ser tributada por isso, e pagar 18 euros é uma dificuldade. Não pode haver entraves à procura de cuidados de saúde.
Que garantia de suporte político teve do PS para que esta proposta fizesse o seu caminho legislativo? Ou seja, para ser apresentada no Parlamento durante a presente legislatura?
Desde a primeira hora em que este Governo tomou posse que achei que o momento era o propício. Temos uma maioria parlamentar de esquerda, um Governo virado para as pessoas e até temos, segundo dizem, um grande consenso social em torno do SNS. Falei desde o princípio com o primeiro-ministro e com o ministro da Saúde e viram sempre com simpatia o meu propósito. A nossa proposta é feita sobre a lei, não é uma rutura completa. É uma adaptação que faz regressar o SNS à matriz original, respeitando as exigências atuais. Há 15 dias falei novamente com António Costa e disse-me que, no essencial, o Governo está de acordo com a proposta e considera o nosso trabalho meritório. Tenho uma grande confiança no Governo, nos partidos de esquerda que apoiam o Governo e nos cidadãos do PSD e do CDS que defendem o SNS.
João Semedo,  médico e ex-coordenador do BE: “É só uma questão de vontade política”
Como “a relação de forças na sociedade e no Parlamento” é favorável, João Semedo acha que chegou o momento de recuperar o SNS para o sector público. Sem parcerias com os privados, nem taxas moderadoras nas urgências, o dirigente bloquista quer repor as fronteiras perdidas.
Há dinheiro para esta reforma que propõem, com as atuais limitações orçamentais presentes e futuras?
Quando aprovada esta nova lei de bases, as alterações que vai introduzir nas políticas públicas de saúde só vão trazer poupança e uma melhor utilização dos dinheiros públicos. A atual política de saúde não se distingue muito da de Paulo Macedo. Continua, por exemplo, refém de restrições orçamentais e das mesmas soluções. Os ministros da Saúde e das Finanças têm nesta proposta boas soluções para ultrapassar o garrote financeiro imposto ao Serviço Nacional de Saúde. É uma questão de vontade política.
Defendem a extinção das Parcerias Público Privadas (PPP) ou a reformulação do seu modelo?
Defendemos o fim das PPP, quer por razões de poupança nas contas do SNS — as PPP um desperdício despesista — quer por razões de coerência na gestão do SNS. O SNS está uma manta de retalhos, a gestão conduzida pelos hospitais PPP não segue os mesmos parâmetros, critérios e objetivos que a gestão pública dos restantes hospitais. O que é público deve ser gerido pelo público, o que é privado deve ser gerido pelos privados. É preciso restabelecer essa fronteira.
Defendem a isenção das taxas moderadoras nos cuidados primários e serviços de emergência. Para todos, independentemente dos rendimentos ou de se tratar de falsas urgências, por exemplo?
As taxas moderadoras não moderam nada, se moderassem as urgências não continuavam a crescer. Só fazem sentido nos atos médicos que não são prescritos por um médico ou por outro profissional de saúde com competência para isso. E ainda assim devem ser isentos os utentes de baixos recursos e os doentes crónicos, por exemplo. Não sei o que são falsas urgências. Só depois de observar um doente é que se pode concluir se a situação era ou não urgente. É aliás para isso mesmo que se faz uma triagem nas urgências hospitalares. Não se pode exigir a um cidadão que se queixa, que está a sofrer, que faça o que compete ao médico fazer: avaliar se é grave ou não. O cidadão comum não tem, em consciência, competência para isso. Em Portugal não somos todos profissionais de saúde.
Que garantia de suporte político teve da parte do Bloco de Esquerda para que esta proposta chegue ao Parlamento durante a presente legislatura?
O Bloco conhece desde o início todos os passos que dei até à redação desta proposta com o António Arnaut. E conhece a proposta. Atualmente não sou nem deputado nem dirigente do Bloco, sou um colaborador da direção e um militante ativo. A direção do Bloco e o seu grupo parlamentar decidirão quando e o que fazer com esta proposta. Tenho sobre isto três certezas: salvar o SNS é uma urgência, a relação de forças na sociedade e no Parlamento é favorável e o Bloco tudo fará para colocar um fim na crise que o SNS atravessa.
Rosa Pedroso Lima e Vera Lúcia Arreigoso, expresso 23.09.17
Por maior simpatia que nos suscite esta iniciativa, toda a gente sabe que o SNS sofre, nos nossos dias, de mal incurável, refém das corporações profissionais e das empresas privadas beneficiárias de negócios de milhões sustentados pelo contribuinte.

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2 Comments:

Blogger Tavisto said...

De facto, sabe a pouco … Esperemos que esta entrevista seja apenas um aperitivo às mudanças que venham a ser propostas pelos dois intervenientes para refundar o SNS.

1:07 da tarde  
Blogger Tavisto said...

A greve entre parênteses: manifesto da luva branca

Estou certo que, com uma tal “bofetada de luva branca”, se conseguiria obter o apoio daqueles que são a razão última do nosso trabalho.

Médico aposentado sem atividade clínica, autoexcluído de intervenções públicas, septuagenário saudável, não resisto a vir a terreiro como subscritor único de um manifesto que julgo pode merecer a concordância de muitos profissionais de saúde no ativo.
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Não esqueço, ao fazê-lo, que fui co-fundador de um sindicato dependente dos médicos nos anos 80, de que ainda sou o seu associado número 1. Sem filiação partidária há mais de 20 anos, não escondo a minha preferência pelo lado esquerdo da política. Posto isto, dou corpo ao manifesto.
Considerando que os profissionais da saúde têm uma responsabilidade social específica e elevada, a qual implica repercussões na vida das pessoas a que assistem;
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Considerando que o recurso à greve é (ou deve ser) a última instância para obter justiça (salarial ou outra) nas relações com a entidade patronal;
Considerando que qualquer greve tem por objetivo obrigar a entidade patronal a preferir ceder (ainda que parcialmente) em vez de sofrer os prejuízos causados pela sua realização;
Considerando que, no caso do Serviço Nacional de Saúde, os potenciais prejuízos de uma greve recaem sempre na saúde e na vida dos seus utilizadores;
Considerando que as instituições de saúde e, em especial, o Ministério da Saúde frequentemente invertem o ónus dos prejuízos para os sindicatos;
Considerando que é eticamente insustentável submeter pessoas terceiras a potenciais danos como forma de luta sindical;
Proponho que os profissionais de saúde, através dos seus representantes sindicais, (1) anunciem uma moratória do recurso à greve; (2) afirmem prescindir desse direito, ao qual não deixarão de recorrer em situação extrema de óbvia e continuada intransigência da contraparte; (3) inventem campanhas expeditas e novas de transmitir aos utilizadores dos serviços de saúde as suas razões (distribuição de folhetos nas consultas, exames e tratamentos, carimbar receitas e relatórios com frases-choque, demonstrar publicamente a viabilidade e a justeza das reivindicações, envergonhar os gestores incompetentes nos meios de comunicação social, usar bandas negras nas batas brancas, reafirmar insistentemente que a greve está suspensa por respeito aos doentes); (4) façam tudo o que é legitimamente possível para que os políticos prefiram ceder negocialmente a perder votos.
Estou certo que, com uma tal “bofetada de luva branca”, se conseguiria obter o apoio generalizado daqueles que são a razão última do nosso trabalho.
Tenho, ainda, em consideração que não há momento ideal para um tal anúncio. Acredito, contudo, que nunca surgirá em tempos de paz e convenço-me que terá grande impacto em dias de conflito.

ROSALVO ALMEIDA - Neurologista aposentado
PÚBLICO ON LINE 12 de Setembro de 2017

10:07 da tarde  

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