sexta-feira, fevereiro 10

Liberalização das Farmácias


Não vale a pena especular muito sobre a desregulação do sector farmacêutico (nas suas possíveis vertentes).
Vamos assentar algumas coordenadas:
1º- A decisão é política e não técnica;
2º- Os interesses prevalecentes são de grupos (financeiros, comerciais e industriais) e não de saúde pública;
3º- O governo tem a opinião pública esmagadoramente do seu lado, facto conseguido com demagogia e anos de diabolização da ANF (que, diga-se em abono da verdade, se foi pondo sempre e cada vez mais a jeito);
4º- O movimento é transnacional (Islândia, Noruega, Reino Unido, França, Irlanda, Alemanha, por exemplo) e corresponde à prioridade dada, no processo de construção do mercado interno, às necessidades da indústria farmacêutica e à total ausência de iniciativa europeia na saúde;
5º- Na sequência do "chumbo" da directiva dos serviços, vieram as autoridades da concorrência para conseguir o que por aquela via não foi conseguido;
6º- A ERS e outros com poderes de tutela (INFARMED, por exemplo) estranhamente nada disseram sobre o assunto;
7º- Ninguém sabe exactamente o que o governo quer e/ou vai fazer: onde encaixa, por exemplo, a promessa das farmácias sociais ?
8º- Os actuais proprietários de farmácia têm um problema. Os que defendem e pugnam por um modelo profissional, estrategicamente orientado para a prestação de serviços desligado do valor comercial do "bem", têm um problema. Mas o governo tem um enorme problema: se não liberaliza o acesso à propriedade, que dizer às cadeias de distribuição alimentar interessadas no negócio? Testas de ferro outra vez ? se não liberaliza a instalação tem um problema: os farmacêuticos não proprietários que querem ter farmácias. Se liberaliza tudo, então e as farmácias sociais, bandeira que foi da guerra de 2002 PS-ANF ? Se não liberaliza os preços, quais os ganhos de mexer nas farmácias ? Se liberaliza os preços, que garantias de equidade no acesso, e que negócios irão acontecer (entre farmácias e clientes institucionais e diferenciação dos clientes de acordo com o volume de consumo e a capacidade de pagar) ? E como controla as importações/exportações paralelas ? E que formatação(s)/medidas evitará(ão) integrações (verticais, horizontais ou ambas)?
Tudo isto, em Portugal, é tratado com os pés.
O Governo, com a responsabilidade que a si próprio criou, deve olhar para as seguintes situações:
a)- resposta do governo australiano à respectiva AdC;
b)- resposta do parlamento britânico à respectiva AdC (OFT - office of fair trading);
c)- alterações legislativas na Alemanha produzidas após a recomendação da respectiva AdC;
d)- o mesmo em relação à Irlanda;
e)- alterações em França sem intervenção da AdC.
Aguardemos com serenidade.
guidobaldo

14 Comments:

Blogger tonitosa said...

Que dirão os milhares de licenciados em Ciências Farmacêuticas (é assim que se diz, não é?) que aspiram a ser proprietários de farmácia?
Deixem-me adivinhar: são a favor da liberalização da abertura...mas contra a liberalização do acesso à propriedade!

9:57 da tarde  
Blogger Peliteiro said...

O que está em causa, em primeiro lugar, não é o que dirão os ca. de 5.000 licenciados em Ciências Farmacêuticas que aspiram a ser proprietários de Farmácia -sabendo que o aspiram no regime actual, num cenário de liberalização o número reduzir-se-á para metade - , mas sim o que é melhor para 10 milhões de Portugueses.

Se quisermos enveredar pelos interesses pessoais, então pode-se formular outra pergunta - que poucos ainda ponderaram:
Que dirão os milhares de licenciados em Ciências Farmacêuticas proprietários de Farmácia, na sua maioria com mais de 40 anos?
Deixem-me adivinhar: são a favor da liberalização da propriedade... mas contar a liberalização da instalação!

Será assim?

10:35 da tarde  
Blogger Peliteiro said...

Tonitosa,
Hoje vem no PÚBLICO o anúncio de venda de uma clínica hospitalar no Norte, com TAC e tudo.
Porque é que não há Administradores Hospitalares (é assim que se diz, não é?) que estejam dispostos a arriscar, a investir, a contrair dívidas, a trabalhar sem horários e não compram essa Clínica?

10:41 da tarde  
Blogger tonitosa said...

M S Peliteiro
Porque o negócio da Clínica obriga a outros encargos e riscos que não o das farmácias. A clínica desde logo tem concorrência (dos próprios HH e de outras clínicas) depois depende do corpo clínico e dos interesses dos "médicos" em encaminhar para ali os doentes. Apesar de tudo o negócio da clínica não tem, ao contrário das farmácias, clientela garantida.
Nem é um negócio protegido.

11:38 da tarde  
Blogger Farmaceutico de Oficina said...

Que alterações houve em França, das quais não estou a par?
O modelo Francês é essencialmente semelhante ao Português; curiosamente não foi utilizado no benchmark da AdC!!!

1:24 da manhã  
Blogger Farmaceutico de Oficina said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

12:45 da tarde  
Blogger tonitosa said...

Andamos a ser Roubados?
Se na sequência do Protocolo assinado entre o MS e a APIFARMA o preço dos medicamentos genéricos pode baixar até 70%, ocorre-me perguntar:
Temos andado a ser roubados? E até lá chegarmos (a menos 70%) vamos continuar a ser roubados?
Solicito esclarecimentos aos "experts" da matéria.
E dizem que não pode/deve haver descontos nos medicamentos!
Será que a redução do preço dos genéricos vai ser conseguida pela degradação da qualidade do serviço prestado aos clientes?

2:35 da tarde  
Blogger Vladimiro Jorge Silva said...

Um pequeno esclarecimento ao tonitosa: a diferença não está no preciosismo da licenciatura ser em "Ciências Farmacêuticas" ou em "Farmácia", mas no facto do curso ser o do ensino universitário ou o do politécnico. É que quer o conteúdo do primeiro, quer a respectiva média de entrada são substancialmente diferentes dos cursos do politécnico que têm o mesmo nome. Aliás, só é farmacêutico quem frequentou o curso universitário (no estudo da AdC é feita uma - deliberada? - mistura entre os dois cursos). O curso do ensino politécnico deveria chamar-se aquilo que realmente é: "curso de técnico de farmácia".

Ainda para o tonitosa: ao contrário do que acontece nas clínicas e hospitais, nas farmácias há uma enorme proximidade entre o exercício técnico da profissão e a rentabilidade do negócio. Os farmacêuticos dignos desse nome obedecem a regras deontológicas e técnicas quando prestam os seus serviços: é por isso que os bons farmacêuticos passam a maior parte dos seus dias a negar vendas e a arranjar chatices, muitas vezes com amigos, clientes de longa data e respectivas famílias. Se o farmacêutico tiver que responder perante o construtor civil (ou eng. mecânico...) proprietário da farmácia, obviamente que deixará de ter condições para o exercício livre da sua actividade.
É óbvio que me vão dizer que tudo isto é uma utopia e encontrar 1500 exemplos práticos de situações em que as coisas não aconteceram assim. No entanto, a questão é esta: devemos definir as nossas leis com base nos maus exemplos ou praticar uma cultura de excelência e tentar melhorar as coisas?

Por outro lado, tudo indica que a liberalização vai ser total e sem limites em relação ao número de farmácias sob o mesmo proprietário: será que a limitação a uma farmácia por pessoa ou sociedade (ou sócio de sociedade...) não seria a melhor solução, de modo a evitar a invasão do país por multinacionais (na Noruega demoraram poucos anos a conquistar 97% do mercado) condicionadoras do preço no anunciado contexto em que este também será liberalizado?

Em relação à questão que o tonitosa coloca sobre o preço dos genéricos...
- Porque será que o acordo é entre o MS e a indústria?
- Porque será que Portugal é o único país da Europa em que o consumo de genéricos é maior em volume de vendas que em número de embalagens?
(a resposta à sua pergunta é óbvia!)

7:06 da tarde  
Blogger Peliteiro said...

Tonitosa said: «Apesar de tudo o negócio da clínica não tem, ao contrário das farmácias, clientela garantida. Nem é um negócio protegido.»

A ESS acabou de comprar a Clipóvoa.
Jorge Coelho e Boquinhas investem na Fisicontrol.
Muitos querem H. Loures.
As Misericórdias, a Fundação Oriente, Mello, Medis, SAMs, CESPU, todos querem investir na Saúde privada e o amigo Tonitosa aí cheio de medo. Invista, arrisque, tem o melhor dos trunfos: tem o "nau-au"... Já sei qual é a clínica hospitalar que está à venda, os médicos até são bonzinhos...

7:32 da tarde  
Blogger Peliteiro said...

Vladimiro said:
"tudo indica que a liberalização vai ser total e sem limites em relação ao número de farmácias sob o mesmo proprietário"

Sei há meses que não vai haver liberalização da propriedade nem da instalação.
Da propriedade porque CC está cheio de medo da "cadeia" da ANF.
Da instalação porque CC se informou melhor e descobriu que aos 5.ooo boticários que atrás referi se juntam milhares de espanhóis (só na Galiza há 2000 dispostos a percorrer a A28 e a A3!), gregos, polacos, eslovacos..

Então o que vai acontecer, em breve: a capitação desce para 2.ooo (+/-500) e mantém-se os concursos - ou seja, abrirão farmácias a contra-gotas, num processo lento, burocrático, sujeito a múltiplos obstáculos, impugnações e tribunais, estrangulado por natureza dada a ineficiência e limitação de recursos do Infarmed e ARSs. Além disso meia dúzia de parvoíces, sem relevãncia nenhuma, mas que possibilitam manchetes fantásticas e satisfazem a ânsia de sangue da turba, do tipo mnsrm nos hipermercados, vendas na internet, preços que descem mas não descem, descontos que fazem mas não fazem e umas Farmácias Sociais.

Enfim, espectáculo circense.

7:45 da tarde  
Blogger Farmaceutico de Oficina said...

Caro Guidobaldo,

Obrigado pela informação, não sabia dessa "petit nuance" francesa!

Caro Tonitosa, em relação à sua estupefação, à possibilidade de certos preços poderem baixar significativamente, torno a eviar preços base de algumas matérias primas e custos fabris, como economista certamente saberá fazer as contas, para ver de que lado fica a massa...
(è possivel arranjar mais barato...! os preços na origem eram em USD que eu converti para em 1:1 )

Preço de matérias primas qualidade USP ou FE no mercado internacional:
Paracetamol 0,75 a 1,5€ o Kg
Aspirina 1 a 2 € o Kg
Ciprofloxacina 10 a 15€ o Kg
Ranitidina 10 a 12 € o Kg
Omeprazol 15 a 20 € o Kg;

Preço fabril de fabricar uma embalagem de 20 a 60 cps 0,75 a 1 €, ...

Cumprimentos,
Eduardo Faustino

11:54 da tarde  
Blogger Farmaceutico de Oficina said...

Com está fácil de ver, ...O Estado pode facilmente baixar o preço dos medicamentos que desejar, pelo menos os que não tem patente...

Baixa baixar os preços de referencia...

Os farmacêuticos de oficina sempre estiverem dispostos e colaborarantes para este cenário... Num contexto destes as farmácias contribuirão solidariamente para o esforço colectivo, já que o valor absoluto da sua margem baixará também, mesmo mantendo a mesma percentagem...


Obviamente não estamos preparados para a ciganice... selvejaria, vigarisses... e métodos de selecção predatórios que se perspectivam de acordo com certas recomendações...!!!

P.S. Sem ofensa para os ciganos...!!!

12:05 da manhã  
Blogger tonitosa said...

Vladmiro Jorge,
Agradeço o esclarecimento. Claramente sempre entendi que não era a designação que estava em causa e quando usei pela primeira vez o termo licenciado em farmácia estava a referir-me ao curso que no meu tempo era ministrado nas Faculdades de Farmácia e que habilitava os colegas para o exercício das profissão de farmcêutico. Mas fui chamdo à atenção...e passei a ser "cuidadoso" no uso da designação!
A distinção entre Politécnico e Universitário, para mim não se poderá fazer pela média de entrada. Repare que nem sempre os cursos com médias de entrada elevadas devolvem à sociedade técnicos de reconhecida competência. E muitos chegam à Universidade e ficam-se pelo caminho!
Concordo com alguma confusão entre curso superior (como agora se diz) e licenciatura.
Mas...há para aí tantos Engenheiros...que noutros tempos eram Agentes Técnicos de Engenharia. E como agora todos são doutores, a distinção faz-se cada vez mais pelo saber fazer. O resto é conversa. Há por aí muitos licenciados que deveriam voltar ao ensino básico.
Quanto à "conduta dos farmacêuticos" concordo com o que diz e eu próprio num outro comentário me referi à ética e deontologia dos profissionais como garante de qualidade no atendimento e aconselhamento de clientes.
E estou convencido de que, mesmo perente a liberalização da propriedade das farmácias o papel do Director Técnico, que continuará a ser um Farmacêutico, não será posto em causa. Sempre poderá haver um ou outro menos escrupuloso mas não estou a ver o "dono da farmácia" a obrigar o técnico a condutas menos correctas pois "ele sabe que o negócio não é a venda de parafusos ou gelados" e implica elevado grau de responsabilidade.
Quanto à minha pergunta sobre se andamos a ser roubados, o entendimento é claro, pelo menos para mim. Se num protocolo com a indústria se admitem milagres, "algum demónio nos tem andado a atentar". Percebe-se ou não?
A regulação no mercado do medicamento pode (creio que deve) passar pela limitação do poder de monopólio sobre o mesmo e por isso a limitação do número de farmácias associadas na mesma empresa/proprietário será uma forma de o conseguir. Assim como me parece que o lugar de Director Técnico, não tendo que ser de um para uma, dever ser também limitado.

1:00 da tarde  
Blogger Vladimiro Jorge Silva said...

Espero sinceramente que o cenário de que o Peliteiro fala não se concretize: seria preferível a liberalização selvagem a mais um "nim" com os mesmos defeitos do actual sistema.

9:58 da manhã  

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