domingo, abril 2

Cuidados de Proximidade e Urgências (I)

Santa Maria Maior- Barcelos
Alinham-se aqui algumas ideias para melhorar o SNS, fazendo referência a fundamentos técnicos frequentemente esquecidos na voragem da discussão pública (política).

1ª Parte: o enquadramento
Estado: fechar serviços?
Os privados orientam-se basicamente pelo objectivo de lucro (ou afins) daí não ser legítimo pedir-lhes que mantenham empresas (unidades) quando o mercado o desaconselha, na sequência de evolução negativa para aquele objectivo, seja, por ex., pela diminuição de população, pelo aumento de acessibilidades (auto-estradas) ou efeitos de novas tecnologias. Deve o Estado agir sempre do mesmo modo (centralizar, evitar duplicações, podar unidades anti-económicas)?
A resposta não pode deixar de ser negativa. Isso não sifgnifica que se mantenham unidades a todo o custo apenas para satisfação de alguns interessados (população, autarquias, profissionais), havendo antes que comparar os benefícios com o custo de oportunidade de manter o serviço (o que se deixa de obter por usar mal os recursos naquele serviço).
O Estado tem o dever de utilizar os recursos que retirou às pessoas (impostos) simultaneamente com eficiência, qualidade e equidade. Fácil é perceber que muitas vezes aqueles objectivos são contraditórios: a centralização aumenta normalmente a eficiência e a qualidade mas diminui a acessibilidade e equidade. De seguida analisamos 2 exemplos em serviços de saúde com resultados contraditórios.
a) Serviços complexos/de risco, vocacionados para doenças raras, que exigem grandes equipes (várias disciplinas) e disponibilidade elevada: a centralização aqui impõe-se seja pelo custo evitado (permite oferecer outros serviços mais custo-efectivos) seja pela segurança e qualidade obtida. Isto é, a redução de acessibilidade é mais que compensada devido à actuação de factores que conduzem a: economias de escala; ganhos derivados da curva de experiência (dependente do nº de actos acumulados); sinergias e ganhos pela interacção e funcionamento das equipes. Ex.s operações ao coração, serviços de urgência, cuidados intensivos.
b) Serviços de baixa tecnologia, programados e com um processo de produção pouco exigente: os benefícios acrescidos por centralização (se os houver) são reduzidos e muito menores que o que se perde em acesso e, muitas vezes, também em qualidade. Ex.s consultas de MF, pequena cirurgia, actos de cuidados continuados.
O encerramento de um serviço inviável não deve ser visto como um drama. O Estado pode compensar (parcial ou totalmente) a perda de efeito rendimento da despesa cessante com o aumentar da malha em serviços cuja oferta se justifica localmente. Três exemplos perante o encerramento de um SU: 1º financiar: cuidados continuados, consultas de algumas especialidades, transporte e atendimento por “anjos da noite”; 2º aumentar a oferta noutras áreas públicas (sociais, educação, etc.); 3º Subsidiar novos investimentos na designada economia real que compensem aquele efeito.
Em 2004 gastámos em saúde, globalmente e cf. OCDE, 9,6% do PIB em PPC, contra apenas 7,7% da Espanha (com nível de riqueza maior seria de esperar que tivesse gasto % superior ao de Portugal). Se nada for feito os factores de crescimento da despesa cuja actuação é “certa” (evolução tecnológica, envelhecimento e maior exigência da população) tornarão o SNS inviável. Por isso é absolutamente necessário e urgente racionalizar em saúde.

Integração no SNS
O SNS deve ser entendido como um sistema composto por vários elementos (subsistemas e serviços com diferentes papeis), com regras (interacção dos elementos), com subsistemas de informação e de retroacção (aqui temos grandes falhas!) funcionando com vista a assegurar os melhores resultados de saúde com acessibilidade e equidade, qualidade e eficácia, eficiência, satisfação dos doentes e dos profissionais. Dentro das regras a que os diversos níveis de cuidados têm que obedecer sublinhamos:
i) Coordenação e continuidade de cuidados (sempre importante mas essencial por ex. na gestão de doentes crónicos);
ii) Cooperação e desenvolvimento mútuo (serviços e profissionais);
iii) Educação e prevenção para além dos cuidados;
iv) Hierarquia técnica com acesso aos cuidados universal, mas condicionado (“acesso reservado” aos mais diferenciados com articulação e circulação de informação em todo o sistema).

Estes aspectos têm constituído, entre nós, um relativo fiasco.
semmisericórdia

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6 Comments:

Blogger Xico do Canto said...

Dr feelgood
Parabéns pela perspicácia...

4:49 da tarde  
Blogger tonitosa said...

Assegurar a provisão de bens s serviços públicos é a génese do próprio Estado. O contrato dos cidadãos com o Estado, aceitan pagar impostos, foi há muito entendido como a forma de o Estado assegurar aos particulares bens e serviços que o mercado não assegurava por razõers inerentes à sua lógica de lucro.
É por demias conhecida e debatida a evolução do Estado-Providência e das razõers que hoje nos levam a falar da sua crise. Não vale a pena aqui repeti-las.
Mas o Estado não pode, por mais razões economicistas que o justifiquem, deixar de proporcionar aos cidadãos os bens essenciais ao seu bem-estar. E o primeiro daqueles bens, a par da segurança, é naturalmente a saúde.
Cabe ao Estado, perante as dificuldades financeiras, fazer opções alternativas de aplicação de recursos que, em volume cada vez maior, são retirados aos cidadãos.
Este Governo aumentou o IVA em 2%, seguindo aliás o que outros fizeram anteriormente. E no entanto não se vê uma correspondente melhoria do bem-estar e do défice das Contas Públicas.
Esta é a grande questão: o Governo tem que fazer opções correctas por forma a que, às medidas restritivas do acesso a determinados bens e serviços públicos sejam reforçadas as garantias e a acessibilidade a outros de maior relevância e interesse público.
Mas não é essa a percepção que o cidadão tem relativamente às medidas de política em curso e particularmente no domínio da Saúde.
Ainda há dias foi anunciado o famoso SIMplex. Diz o Governo que daí hão-de resultar muitos milhões de euros de poupança com a Administração Pública.
Mas, segundo veio a público (comunicação social) está neste momento um Grupo Técnico a estudar a reformulação das carreiras de onde virão as medidas de melhoria da remuneração dos gestores públicos. E com elas a melhoria da remuneração dos políticos, certamente.
Ou seja, o Governo mais uma vez irá tirar a "muitos" para distribuir por "poucos".
Parece que lá para o início do Verão teremos novidades nesta matéria. Veremos.
O que o Governo até agora essencialmente fez no que respeita à acessibilidade aos cuidados de Saúde foi anunciar encerramento de serviços e aplicar o aumento das taxas moderadoras. Não se viram ainda medidas concretas e efectivas de melhoria de instalações e equipamentos e de melhor qualidade no atendimento.As listas de espera, por exemplo, continuam sem que se veja uma verdadeira preocupação do Governo com a situação. Muitos Centros de Saúde continuam a funcionar em condições precárias (de vão de escada) e os cidadãos sentem que cada vez pagam mais pelos mesmos medicamentos.
As maternidades vão encerrar mas não se conhecem medidas de melhoria de cobertura dos cuidados primários de saúde. É certo que anda por aí uma inovação chamada USF mas a maioria dos cidadãos não sente malhorias sensíveis. As medidas são muitas, é certo, mas não passaram ainda do papel.
Estou neste momento a ouvir o Senhor Ministro das Finanças a desfiar um "rol" de medidas tomadas perlo Governo. Todas elas foram medidas de corte nos direitos dos cidadãos. Não lhe ouvi uma só medida que dissesse: melhoramos o aspecto X da vida dos cidadãos.

Acho interessante o texto do Semmisericórdia e com ele não estou em dasacordo. Mas não me parece que, a Espanha por ser um país mais rico que Portugal deva ter maior peso das despesas de saúde no PIB. Eu penso mesmo que é o contrário. As despesas com a saúde não evoluem, necessariamente, na mesma proporção do Rendimento Nacional.

11:34 da tarde  
Blogger tonitosa said...

Uma nota em tempo útil: Octávio Teixeira disse: o Governo poderia reduzir em muitos milhões de euros as despesas com estudos e pareceres encomendados a particulares.
E nós bem sabemos quantos milhões se gastam na Saúde. Com a criação dos SA's apreceram autênticos "abutres" a dizerem tudo saber sobre a Saúde. E muitos foram os Hospitais que cairam nesse logro, quer de forma directa quer por "aconselhamento" da Unidade de Missão. E tudo não passava de estudos pré-elaborados (de matriz nomeadamnete espanhola ou inglesa) onde frequentemente nos relatórios, nem a linguagem era corrigida adequadamente.
Mas também houve quem soubesse resistir. Hoje vemos serem "impostos" os mesmos estudos, pelas mesmas empresas, e por vezes os que outrora foram rejeitados.

11:51 da tarde  
Blogger coscuvilheiro said...

Concordo que este espaço deva ser um local de debate de ideias.

Como no futebol é preciso jogar a bola sem ir à canela do adversário.

A abordagem do semmisericórdia é notável.
Confesso que tenho aprendido bastante com alguns textos aqui publicados.
Tenho visto também muitos colegas com prints de muitas peças aqui postadas.
Um abraço para o semmisericórdia.

1:01 da manhã  
Blogger tambemquero said...

Se o comentário do drfeelgood (grande banda punk e muito axe) foi desastrado a reacção do semmisericórdia foi felinamente desproporcionada.

Estou de acordo com o semmisericórdia de que as intervenções devem abordar os aspectos objectivos dos textos (análise crítica) no lugar de lançar bocas ao comentador.

De qualquer forma não será de esperar que a discussão decorra sempre de acordo com o manual de boas maneiras.

9:30 da manhã  
Blogger xavier said...

Relativamente ao quadro referido no comentário anterior do semmisericórdia só o poderei postar mais tarde (20.30 horas) pelo que peço as minhas desculpas.

4:23 da tarde  

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