sábado, outubro 21

MNSRM









“Uma automedicação responsável tem mais-valias para o cidadão e para o Estado”.
ministro da Saúde, António Correia de Campos, reunião da reactivação do Grupo de Consenso.

O sistema português de saúde e o SNS poderão vir a pagar bem caro o estímulo que se está a dar, em Portugal, à automedicação. Normalmente gasta-se dinheiro em campanhas para fomentar a utilização racional dos medicamentos, já que a iatrogenia medicamentosa é hoje um problema de saúde pública que cresce proporcionalmente ao aumento da exposição populacional aos medicamentos.

Alguns exemplos:
1. O sobreconsumo de laxantes (que frequentemente originam tolerância e dependência) em consequência da obstipação secundária aos antitússicos. Vejam-se os episódios hospitalares devido à designada - e irreversível - "sindroma do abuso de laxantes".
2. As rinites químicas secundárias aos descongestionantes nasais.
3. As cefaleias "rebound" por sobre utilização de analgésicos.

A banalização da auto-medicação é causa de atraso e mascaramento de diagnósticos, por vezes graves.

Já vi muitos doentes com as primeiras manifestações de insuficiência cardíaca (uma praga na nossa sociedade) que começa por cansaço ao esforço, dispneia e tosse, a automedicarem-se meses e meses com aspartens (para o cansaço) e xaropadas para a tosse.

Já vi neoplasias gástricas mascaradas por meses com antiulcerosos de venda livre. A automedicação é, por conseguinte, uma faca de dois gumes.

Mas o que mais choca é ouvir um ministro da saúde defender o alargamento da lista dos medicamentos não sujeitos a receita médica.

Em benefício de quem, perguntar-se-à. A menos que o ministério detenha evidência científica inacessível às universidades e aos hospitais universitários, apenas vislumbro dois potenciais beneficiários:
- a indústria farmacêutica, porque por um lado recupera para as vendas algumas obsolescências de prescrição, e por outro mantém com o estatuto de medicamentos produtos que, numa "de novo" avaliação, nunca como tal poderiam ser classificados, designadamente face à necessidade de demonstração de eficácia clínica através de ensaios clínicos metodologicamente rigorosos.
- os comerciantes de remédios, para quem um medicamento nada mais é do que um instrumento de lucro.

Pois bem. Agora pergunto: que ferramentas tem o Ministério da Saúde para identificar e confirmar problemas de segurança com medicamentos ?

A história do sistema português de farmacovigilância que contributos deu para o avanço do conhecimento técnico-científico do perfil de segurança dos medicamentos após a sua comercialização ?

Lembro que um medicamento de venda livre que continha ópio + beladona + acónito esteve dezenas de anos comercializado e foi largamente consumido (pudera !), sem que, entre nós, tivesse havido UMA, UMA SEQUER, notificação de efeito adverso. Espantoso !

Cito o caso do antihistamínico terfenadina, que era de venda livre e foi retirado do mercado por cardiotoxicidade com mais de 100 mortes imputadas.

Parece-me relativamente consensual que os níveis de educação para a saúde não são, entre nós, os que mais desejaríamos. E relembro, para terminar, que no ambulatório a toma de um quarto medicamento tem uma probabilidade superior a 50% de decorrer de problemas devidos ... aos três primeiros, sempre que tomados em simultâneo.

Santa ignorância. Pobre País.

O ministério da saúde não pode continuar a, de forma impune, constituir-se em factor de risco acrescido para os cidadãos.

E isto já nada tem que ver com os locais de venda
.

Guidobaldo

10 Comments:

Blogger xavier said...

Obra prima.
Grande abraço para o Guidobaldo

12:57 da manhã  
Blogger NM said...

Grande guidobaldo!!!

7:58 da manhã  
Blogger HMR said...

Gostei!Um excelente comentário do Guidobaldo.

10:34 da manhã  
Blogger tonitosa said...

Como costuma dizer-se: ja ganhei o dia.
Obrigado Guidobaldo pelo evidente rigor deste comentario e pelo que dele se pode aprender.
Esperemos que o Senhor Ministro da Saude tenha tempo para o ler.

10:59 da manhã  
Blogger Clara said...

Excelente.
O ministro nesta matéria, como soy dizer-se, entra pela madeira adentro.
Uma mancha na política de saúde do nosso XVII Governo Constitucional.

Temos de reunir fotos do José Sócrates e de CC a inaugurar as lojecas de MNSRM.
É ESTA A POLÍTICA DE SAÚDE do NOSSO GOVERNO!

12:00 da tarde  
Blogger coscuvilheiro said...

Este Siracusa foi mandado pela reacção para fazer marcação ao guidobaldo.

12:30 da tarde  
Blogger saudepe said...

Afinal parece que CC já não gosta tanto do Saudesa.
Será um bom ou mau sinal ?
Depende das perspectivas.
Entretanto os pombos correio, já foram lançados a anunciar a caça. Isto promete.

1:08 da tarde  
Blogger tambemquero said...

Segundo o secretário de estado já há 300 lojas de automedicação.
Com preços mais baixos.
É só progresso socialista.
A Saúde pública que se lixe.

5:16 da tarde  
Blogger JFP said...

Já que há tantos críticos da política seguida por CC, façamos todos um exercício profundo e vejamos quais as qualidades demonstradas por CC. Vejamos quais decisões políticas de CC que são realmente estruturantes e que no futuro trarão benefícios para o País.

Tenacidade, firmeza (?teimosia?) e habilidade para manusear os media não contam!

Vamos lá tentar dizer bem do homem!

5:44 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Cara Siracusa: apesar de tudo, não acho bem que ninguém lhe tenha respondido. De qualquer modo, o que diz não é verdade. Além disso, o sistema deve ser pensado com base nos bons exemplos e em quem trabalha bem e não devemos utilizar casos de ilegalidades e faltas de profissionalismo para classificar uma classe ou serviço.
Em relação aos aspectos técnicos para que o seu post também remete teríamos que perder muito tempo a discuti-los e, sinceramente, já dei para esse peditório.
De qualquer modo, fez bem em colocar algum sal na ferida - os unanimismos são sempre muito aborrecidos.

PS - Este texto é um dos melhores de sempre do Guidobaldo e vem na linha de alguns publicados pelo mesmo autor há mais de um ano. De qualquer modo, renovados parabéns!

8:33 da manhã  

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