MNSRM
O sistema português de saúde e o SNS poderão vir a pagar bem caro o estímulo que se está a dar, em Portugal, à automedicação. Normalmente gasta-se dinheiro em campanhas para fomentar a utilização racional dos medicamentos, já que a iatrogenia medicamentosa é hoje um problema de saúde pública que cresce proporcionalmente ao aumento da exposição populacional aos medicamentos.
Alguns exemplos:
1. O sobreconsumo de laxantes (que frequentemente originam tolerância e dependência) em consequência da obstipação secundária aos antitússicos. Vejam-se os episódios hospitalares devido à designada - e irreversível - "sindroma do abuso de laxantes".
2. As rinites químicas secundárias aos descongestionantes nasais.
3. As cefaleias "rebound" por sobre utilização de analgésicos.
A banalização da auto-medicação é causa de atraso e mascaramento de diagnósticos, por vezes graves.
Já vi muitos doentes com as primeiras manifestações de insuficiência cardíaca (uma praga na nossa sociedade) que começa por cansaço ao esforço, dispneia e tosse, a automedicarem-se meses e meses com aspartens (para o cansaço) e xaropadas para a tosse.
Já vi neoplasias gástricas mascaradas por meses com antiulcerosos de venda livre. A automedicação é, por conseguinte, uma faca de dois gumes.
Mas o que mais choca é ouvir um ministro da saúde defender o alargamento da lista dos medicamentos não sujeitos a receita médica.
Em benefício de quem, perguntar-se-à. A menos que o ministério detenha evidência científica inacessível às universidades e aos hospitais universitários, apenas vislumbro dois potenciais beneficiários:
- a indústria farmacêutica, porque por um lado recupera para as vendas algumas obsolescências de prescrição, e por outro mantém com o estatuto de medicamentos produtos que, numa "de novo" avaliação, nunca como tal poderiam ser classificados, designadamente face à necessidade de demonstração de eficácia clínica através de ensaios clínicos metodologicamente rigorosos.
- os comerciantes de remédios, para quem um medicamento nada mais é do que um instrumento de lucro.
Pois bem. Agora pergunto: que ferramentas tem o Ministério da Saúde para identificar e confirmar problemas de segurança com medicamentos ?
A história do sistema português de farmacovigilância que contributos deu para o avanço do conhecimento técnico-científico do perfil de segurança dos medicamentos após a sua comercialização ?
Lembro que um medicamento de venda livre que continha ópio + beladona + acónito esteve dezenas de anos comercializado e foi largamente consumido (pudera !), sem que, entre nós, tivesse havido UMA, UMA SEQUER, notificação de efeito adverso. Espantoso !
Cito o caso do antihistamínico terfenadina, que era de venda livre e foi retirado do mercado por cardiotoxicidade com mais de 100 mortes imputadas.
Parece-me relativamente consensual que os níveis de educação para a saúde não são, entre nós, os que mais desejaríamos. E relembro, para terminar, que no ambulatório a toma de um quarto medicamento tem uma probabilidade superior a 50% de decorrer de problemas devidos ... aos três primeiros, sempre que tomados em simultâneo.
Santa ignorância. Pobre País.
O ministério da saúde não pode continuar a, de forma impune, constituir-se em factor de risco acrescido para os cidadãos.
E isto já nada tem que ver com os locais de venda .
Guidobaldo
10 Comments:
Obra prima.
Grande abraço para o Guidobaldo
Grande guidobaldo!!!
Gostei!Um excelente comentário do Guidobaldo.
Como costuma dizer-se: ja ganhei o dia.
Obrigado Guidobaldo pelo evidente rigor deste comentario e pelo que dele se pode aprender.
Esperemos que o Senhor Ministro da Saude tenha tempo para o ler.
Excelente.
O ministro nesta matéria, como soy dizer-se, entra pela madeira adentro.
Uma mancha na política de saúde do nosso XVII Governo Constitucional.
Temos de reunir fotos do José Sócrates e de CC a inaugurar as lojecas de MNSRM.
É ESTA A POLÍTICA DE SAÚDE do NOSSO GOVERNO!
Este Siracusa foi mandado pela reacção para fazer marcação ao guidobaldo.
Afinal parece que CC já não gosta tanto do Saudesa.
Será um bom ou mau sinal ?
Depende das perspectivas.
Entretanto os pombos correio, já foram lançados a anunciar a caça. Isto promete.
Segundo o secretário de estado já há 300 lojas de automedicação.
Com preços mais baixos.
É só progresso socialista.
A Saúde pública que se lixe.
Já que há tantos críticos da política seguida por CC, façamos todos um exercício profundo e vejamos quais as qualidades demonstradas por CC. Vejamos quais decisões políticas de CC que são realmente estruturantes e que no futuro trarão benefícios para o País.
Tenacidade, firmeza (?teimosia?) e habilidade para manusear os media não contam!
Vamos lá tentar dizer bem do homem!
Cara Siracusa: apesar de tudo, não acho bem que ninguém lhe tenha respondido. De qualquer modo, o que diz não é verdade. Além disso, o sistema deve ser pensado com base nos bons exemplos e em quem trabalha bem e não devemos utilizar casos de ilegalidades e faltas de profissionalismo para classificar uma classe ou serviço.
Em relação aos aspectos técnicos para que o seu post também remete teríamos que perder muito tempo a discuti-los e, sinceramente, já dei para esse peditório.
De qualquer modo, fez bem em colocar algum sal na ferida - os unanimismos são sempre muito aborrecidos.
PS - Este texto é um dos melhores de sempre do Guidobaldo e vem na linha de alguns publicados pelo mesmo autor há mais de um ano. De qualquer modo, renovados parabéns!
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