Reformar o SNS (4)
Caro Aidenós link
Conclui, e bem, que o meu post era mais complementar (link) e que visava deixar alguns alertas:
1º Algumas situações que parecem óbvias podem não o ser: i) Tabelas de financiamento iguais/equitativas; ii) A concorrência, que em saúde não actua como nos restantes sectores, pode não trazer apenas vantagens (maior produção, de mais qualidade e com menor preço; melhor saúde) mas também problemas, sobretudo na eficiência macro (sustentabilidade do SNS, gastos global em saúde/PIB);
2º Os actores (profissionais, prestadores privados, fornecedores especializados, ...) são tão poderosos que o MS (este, o anterior, o próximo) se arrisca a concluir que as cartas estão marcadas e o mais provável é encontrar uma qualquer santa aliança (prestadores, profissionais, políticos, população) quando quizer racionalizar e a diminuir sobrelucros.
Nota: também não terá muitos pontos (sólidos) de apoio, sejam políticos (alguns hesitam e mudam de campo ao fim de 1 ou 2 abanões nos interesses) ou internos ao SNS – poucos gestores e empreendedores/inovadores, muitos funcionários (no pior sentido da palavra).
Os alertas quanto à mudança do SNS, através de maior envolvimento privado, derivam de ter concluído que tinha uma posição mais ambiciosa e audaciosa que a minha – talvez efeito da idade, embora ainda não me considere um “sénior”. Também é verdade que a maior ou menor fé em melhorias induzidas pelos privados dependerá de quem estes são, qual o seu poder, estratégia, valores e posicionamento, autonomia face ao SNS (Vs actuar apenas saprofitamente, quanto aos profissionais e doentes). Confesso que não me agrada muito um cenário com os grandes bancos a “tratarem-nos da saúde”, em oligopólio (duopólio?) e usando o seu (imenso) poder para, progressivamente e perante a incapacidade recorrente do SNS (e dos políticos), extraírem todo o rendimento daquela posição de mercado.
Sabendo eu da distância que há entre a lei e o seu cumprimento é normal que seja cauteloso. Por exemplo, existe legislação que “sujeita a rigorosa inspecção das condições de funcionamento para poderem abrir” (não se aplica a todas, como sabe) mas todos vemos que nada garante o seu cumprimento e porquê? Há quem adiante 2 razões: 1ª O SNS têm-se revelado incapaz de controlar, eficaz e regularmente, todas as convenções e suas regras (irá ser diferente no futuro?); 2ª O poder (real) de alguns prestadores é tal que as fraudes detectadas em convenções não têm tido consequências.
Nota: No Amadora-Sintra as questões derivam da incapacidade de pessoas/dirigentes ou trata-se da dificuldade do Estado mudar - recrutar e reter profissionais à altura das responsabilidades, de ter sistemas de informação adequados e de se organizar para controlar eficazmente os negócios em que se envolve? É que se a resposta for a segunda é bom que sejamos cautelosos (o que é diferente de “nada fazer” para melhorar).
Se pode não ser (completamente) verdade que o Estado controle, de futuro, os “termos da concorrência” a ideia complementar (se há aumento de eficiência não há razões para que entidades privadas não sejam aceites como prestadores do SNS) pode ainda ser menos.
Não quero questionar o pressuposto de que os privados são melhores em eficiência técnica, embora sempre deixe a questão: se assim é porque os preços dos cuidados privados são bem superiores aos da média da CE?
O ponto importante é que a maior eficiência técnica dos privados pode ser obtida de modo incorrecto, pondo em causa a eficiência macroeconómica. O menor custo por acto não é relevante se corresponder a menor eficiência macro (% despesa global de saúde/PIB): i) Privados fazem mais actos que o SNS, por episódio de doença (ex. nº CE, nº de tratamentos de MFR); ii) É maior a % de desperdício (ineficazes, duplicados, inapropriados), por ex., exame prescrito porque o médico desconhece a história clínica do doente, com menor eficácia relativa em saúde.
Na verdade com coordenação de cuidados (por CP) deverá haver menor multiplicação de actos e maior ajuste às necessidades do doente e, na situação actual, a duplicação de actos, induzidos ou não, é mais provável e fácil fora do SNS. Também esforços de prevenção da doença e promoção da saúde não acontecem, por regra, nos privados (no SNS deviam existir mais...), essa ausência paga-se depois em mais actos curativos.
Por outro lado é importante lembrar que, na óptica do SNS, a referência à eficiência dos privados deve fazer-se após considerar o custo da monitorização do contrato (da burocracia inerente) e outros custos (ex. custo de capacidade excedentária no SNS – pessoas sub-ocupadas). (aqui não estamos de acordo: eu vejo algum “mal” no SNS ficar com custos, “em casa”, por eliminar capacidade que ficou excedentária por contrato com privado - custo a suportar pelos contribuintes de pessoal supranumerário, a comparar com ganhos obtidos pelo contrato).
Em qualquer circunstância a análise de eficiência deverá ser global e considerando a evolução futura, onde se incluem alguns riscos: criar situação de mercado (monopólio local ou regional) e suas consequências futuras (fraco poder negocial, tendência para preço subir e/ou qualidade baixar além doutros problemas: reduzir a produção que “não compensa”).
Assim penso que se juntarmos a estas questões a incapacidade do Estado controlar teremos resposta para a sua questão “que razões justificariam que entidades privadas não fossem aceites como prestadores do SNS”.
Defendi a partilha dos “ganhos económicos obtidos” da relação SNS/convencionados por 3 motivos:
1º Ganhos que referi acontecem porque SNS facilitou a especialização e concentração que os originam;
2º Não existiriam todos se os privados tivessem todas as condições exigidas (disponibilidade, emergência, ensino e formação) – ora esses custos são suportados pelo SNS;
3º Os ganhos de relação cliente/fornecedor devem, por regra, ser partilhados.
Estamos completamente de acordo em tudo o mais, incluindo na perspectiva de que quem pretender mais que o SNS definiu deve pagar (constituir seguros complementares para), porque como muito bem diz “SNS com muita qualidade, muita inovação mas ser comportável”.
Muito obrigado pelos seus posts e comentários e pelo muito que, como eles, já aprendi.
Conclui, e bem, que o meu post era mais complementar (link) e que visava deixar alguns alertas:
1º Algumas situações que parecem óbvias podem não o ser: i) Tabelas de financiamento iguais/equitativas; ii) A concorrência, que em saúde não actua como nos restantes sectores, pode não trazer apenas vantagens (maior produção, de mais qualidade e com menor preço; melhor saúde) mas também problemas, sobretudo na eficiência macro (sustentabilidade do SNS, gastos global em saúde/PIB);
2º Os actores (profissionais, prestadores privados, fornecedores especializados, ...) são tão poderosos que o MS (este, o anterior, o próximo) se arrisca a concluir que as cartas estão marcadas e o mais provável é encontrar uma qualquer santa aliança (prestadores, profissionais, políticos, população) quando quizer racionalizar e a diminuir sobrelucros.
Nota: também não terá muitos pontos (sólidos) de apoio, sejam políticos (alguns hesitam e mudam de campo ao fim de 1 ou 2 abanões nos interesses) ou internos ao SNS – poucos gestores e empreendedores/inovadores, muitos funcionários (no pior sentido da palavra).
Os alertas quanto à mudança do SNS, através de maior envolvimento privado, derivam de ter concluído que tinha uma posição mais ambiciosa e audaciosa que a minha – talvez efeito da idade, embora ainda não me considere um “sénior”. Também é verdade que a maior ou menor fé em melhorias induzidas pelos privados dependerá de quem estes são, qual o seu poder, estratégia, valores e posicionamento, autonomia face ao SNS (Vs actuar apenas saprofitamente, quanto aos profissionais e doentes). Confesso que não me agrada muito um cenário com os grandes bancos a “tratarem-nos da saúde”, em oligopólio (duopólio?) e usando o seu (imenso) poder para, progressivamente e perante a incapacidade recorrente do SNS (e dos políticos), extraírem todo o rendimento daquela posição de mercado.
Sabendo eu da distância que há entre a lei e o seu cumprimento é normal que seja cauteloso. Por exemplo, existe legislação que “sujeita a rigorosa inspecção das condições de funcionamento para poderem abrir” (não se aplica a todas, como sabe) mas todos vemos que nada garante o seu cumprimento e porquê? Há quem adiante 2 razões: 1ª O SNS têm-se revelado incapaz de controlar, eficaz e regularmente, todas as convenções e suas regras (irá ser diferente no futuro?); 2ª O poder (real) de alguns prestadores é tal que as fraudes detectadas em convenções não têm tido consequências.
Nota: No Amadora-Sintra as questões derivam da incapacidade de pessoas/dirigentes ou trata-se da dificuldade do Estado mudar - recrutar e reter profissionais à altura das responsabilidades, de ter sistemas de informação adequados e de se organizar para controlar eficazmente os negócios em que se envolve? É que se a resposta for a segunda é bom que sejamos cautelosos (o que é diferente de “nada fazer” para melhorar).
Se pode não ser (completamente) verdade que o Estado controle, de futuro, os “termos da concorrência” a ideia complementar (se há aumento de eficiência não há razões para que entidades privadas não sejam aceites como prestadores do SNS) pode ainda ser menos.
Não quero questionar o pressuposto de que os privados são melhores em eficiência técnica, embora sempre deixe a questão: se assim é porque os preços dos cuidados privados são bem superiores aos da média da CE?
O ponto importante é que a maior eficiência técnica dos privados pode ser obtida de modo incorrecto, pondo em causa a eficiência macroeconómica. O menor custo por acto não é relevante se corresponder a menor eficiência macro (% despesa global de saúde/PIB): i) Privados fazem mais actos que o SNS, por episódio de doença (ex. nº CE, nº de tratamentos de MFR); ii) É maior a % de desperdício (ineficazes, duplicados, inapropriados), por ex., exame prescrito porque o médico desconhece a história clínica do doente, com menor eficácia relativa em saúde.
Na verdade com coordenação de cuidados (por CP) deverá haver menor multiplicação de actos e maior ajuste às necessidades do doente e, na situação actual, a duplicação de actos, induzidos ou não, é mais provável e fácil fora do SNS. Também esforços de prevenção da doença e promoção da saúde não acontecem, por regra, nos privados (no SNS deviam existir mais...), essa ausência paga-se depois em mais actos curativos.
Por outro lado é importante lembrar que, na óptica do SNS, a referência à eficiência dos privados deve fazer-se após considerar o custo da monitorização do contrato (da burocracia inerente) e outros custos (ex. custo de capacidade excedentária no SNS – pessoas sub-ocupadas). (aqui não estamos de acordo: eu vejo algum “mal” no SNS ficar com custos, “em casa”, por eliminar capacidade que ficou excedentária por contrato com privado - custo a suportar pelos contribuintes de pessoal supranumerário, a comparar com ganhos obtidos pelo contrato).
Em qualquer circunstância a análise de eficiência deverá ser global e considerando a evolução futura, onde se incluem alguns riscos: criar situação de mercado (monopólio local ou regional) e suas consequências futuras (fraco poder negocial, tendência para preço subir e/ou qualidade baixar além doutros problemas: reduzir a produção que “não compensa”).
Assim penso que se juntarmos a estas questões a incapacidade do Estado controlar teremos resposta para a sua questão “que razões justificariam que entidades privadas não fossem aceites como prestadores do SNS”.
Defendi a partilha dos “ganhos económicos obtidos” da relação SNS/convencionados por 3 motivos:
1º Ganhos que referi acontecem porque SNS facilitou a especialização e concentração que os originam;
2º Não existiriam todos se os privados tivessem todas as condições exigidas (disponibilidade, emergência, ensino e formação) – ora esses custos são suportados pelo SNS;
3º Os ganhos de relação cliente/fornecedor devem, por regra, ser partilhados.
Estamos completamente de acordo em tudo o mais, incluindo na perspectiva de que quem pretender mais que o SNS definiu deve pagar (constituir seguros complementares para), porque como muito bem diz “SNS com muita qualidade, muita inovação mas ser comportável”.
Muito obrigado pelos seus posts e comentários e pelo muito que, como eles, já aprendi.
Semmisericórdia
Etiquetas: Semisericórdia
3 Comments:
O resultado das negociações da senhora pignatelli com os sindicatos dos médicos foi um recuo do MS.
Os médics com horários de 35 horas vão receber pela remuneração base da categoria até às 42 horas (35+7)(horas extraordinárias 12+7).
A partir das 42 horas o trabalho extraordinário é pago pela tabela máxima (42 horas).
Os grandes obstáculos à reforma, como era de prever, são os médicos (não todo, felizmente).
Por isso é que não há reforma. Os médicos querem que tudo fique na mesma, conforme os seus interesses.
A quem cabe demonstrar que está por bem são os médicos que se opõem de forma sistemática a tudo que é novo.
Não sei o que CP conseguirá com os sindicatos médicos. Do que conheço, de ambos os lados, é de grande desequilibrio nas capacidades técnicas e negociais, com vantagem para os sindicatos. Vamos esperar pelos resultados.
Entretanto veja-se, em matéria de gestão de RH, esta orientação (?) da ARSLVT assinada por um dos vogais:
Venho solicitar lhes que este texto seja distribuído por todos os directores de Serviço, pois só assim poderei contar com o diálogo inevitável que se sugeria e realçar que o objectivo é introduzirmos uma efectiva melhoria assistencial, mas avaliada a sua vantagem clínica em cada Serviço (propondo se necessário ajustamentos devidamente justificados) pois o objectivo é muito claramente aumentarmos a eficiência dos Serviços e não agrava-la.
URGÊNCIAS EM LISBOA / Funcionalidade dos Serviços.
Vimos reenviar o seguinte texto e solicitar que nos informem qual o horário actual de cada Serviço, em regime normal, até ao dia 15 de Outubro.
Desejamos que este documento seja uma plataforma de diálogo e nesse sentido estamos abertos à crítica e a às sugestões que houverem por bem.
Este texto deve ser divulgado por todas as Direcções de Serviço.
A actividade hospitalar tem estado centrada predominantemente nas urgências, em lugar da actividade clínica hospitalar regular e programada. Esta lógica afecta a boa prática clínica e não rentabiliza os investimentos vultosos nos equipamentos, parados grande parte da tarde. Assim se retardam as altas e não se tira partido da possibilidade de oferta ao exterior , de evidente rentabilização económica.
A cobertura de horário médico de manhã e tangencialmente de tarde ( inédita em toda a Europa há muitos anos ) com os Serviços de Urgência como tampão, foram resolvendo as complicações clínicas do período da tarde, mas com as consultas a funcionarem inevitavelmente por períodos insuficientes.
É necessário reflectir nas descontinuidades do trabalho diário nos Serviços, decorrentes não só do horário "matinal" mas também das folgas das urgências ( cirurgias em atraso, acompanhamento irregular dos doentes internados, consultas desmarcadas, diálogo com os familiares dos doentes durante as visitas dificultados...).
Ora o objectivo a atingir é termos os hospitais a funcionarem normalmente das 8 às 20 horas (com deslocações possíveis de + ou - 30 minutos) com a criação de dois turnos nas várias carreiras, de modo a termos uma pequena sobreposição dos dois turnos para reuniões do Serviço. Assim teríamos consultas até mais tarde, programadas e de atendimento no próprio dia, ( se enviados pela triagem da urgência) sujeitas sempre a um crivo que marcaria consulta programada, versus atendimento necessário no próprio dia.
Estas modificações serão possíveis fazendo uma pedagogia de flexibilização dos horários nos Serviços, ajustando-os aos objectivos desejáveis, através de um diálogo com cada médico, que até poderão ter horários variáveis ao longo da semana, obrigando apenas a uma disciplina mais compatível com a eficácia clínica de cada Serviço .
Este objectivo deve estar satisfeito até 31 de Dezembro de 2006, para todos os Hospitais e Serviços .Tais transformações devem obrigar a médio prazo ao pagamento adequado da qualidade do desempenho, que a não se verificar irá facilitar a fuga dos melhores para outras unidades. Sendo que esta reflexão é indissociável para que as verdadeira elites profissionais se envolvam de facto nas transformações inadiáveis .
Assim as urgências devem tender para começarem às 20 horas e até às 8 horas.
Nos fins de semana e feriados funcionariam 24 horas.
Se todas os Serviços funcionarem das 8 às 20 horas em regime normal , não mais teremos horas de "deserto " nas tardes hospitalares e talvez as listas de espera se reduzam .Acrescente-se a enorme redução da necessidade de recurso às urgências.
Por outro lado, o reduzido movimento nocturno e nos fins de semana nas actuais urgências, não justifica a manutenção da abertura de algumas especialiddes em tantos polos, devendo ser concentradas ( nesses períodos).
Em face destas reflexões apontam-se as seguintes transformações que devem ser equacionadas :
- Criação de equipas de urgência Médico / Cirúrgicas na área de Urgência, fixas, das 8 às 20 horas, com apoio de retaguarda dos Serviços de especialidades, a funcionarem em 2 turnos, das 8 às 20 horas em regime normal (dias normais).
- Nos fins de semana e feriados, as urgências com especialidades como actualmente.
- Concentração das urgências em menos focos, melhorando as condições de atendimento e dispondo de um pool de especialistas da “área”, a escalar em cada urgência.
Com os meus cumprimentos
F.Crespo
Se este texto é, como parece, uma transcrição rigorosa, então, meus amigos, bem se pode dizer que: pela aragem se vê quem vai na carruage.
Qualquer cidadão com a antiga 4ª classe, escreveria melhor, concerteza.
E fica bem espelhada a forma de relacionamento e de trabalho entre a ARS e os HH.
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