terça-feira, agosto 28

Sustentabilidade - Parte I

A questão da sustentabilidade do SNS é um problema em aberto no contexto político económico e social português. Não sendo um problema meramente financeiro deve, portanto, ir buscar consistência para as suas grandes opções no âmbito das políticas sociais do Estado. Tratando-se de um problema de sustentabilidade a longo prazo interessa ao País, qualquer que seja o Governo. É, portanto, uma área que necessita de ser amplamente discutida, se acreditarmos que esse é o bom caminho para conseguirmos consenso duradouros e, como os políticos tanto gostam de referir, “soluções estáveis”.
Aliás, há um equívoco permanente, quando se aprecia esta questão, que diz respeito à sua paternidade. Este relatório sobre a sustentabilidade financeira do SNS link não é uma iniciativa do MS, sendo antes a resposta ao solicitado por uma recomendação Comissão Parlamentar de Saúde da AR, na comunicação que decidiu fazer ao Governo em 8 de Junho de 2006.
A decisão de CC de suspender a sua discussão do referido relatório, para além de depreciativa para o trabalho desenvolvido pela Comissão (que inusitadamente elogia), entra em confronto com a recomendação recebida do órgão legislativo nacional. Abandonaram-se as razões políticas e sociais, sendo a sustentação que foi expressa, em comunicado do MS de 22 de Junho de 2007, baseada em “ganhos de eficiência” suficientes, conseguidos no exercício do 1.º semestre do corrente ano. Uma razão momentânea que hipoteca o futuro.
A “ementa” sugerida no quadro do recente post link já sofreu algumas abordagens durante o tempo de exibição do tão esperado, badalado e abortado relatório.

Vou rever 3 questões dessa referida ementa, prospectiva para 2030, para não me estender demasiado. Além disso, quer o aumento das taxas moderadoras quer o eventual “imposto especial” (em condições extraordinárias) merecem um tratamento à parte, tão sensíveis e gravosos são, em meu entender, estes dois temas.

1.) MEDIDAS DE CONTENÇÃO DE GASTOS
São inúmeros os textos e comentários que, dentro ou fora do contexto da sustentabilidade do SNS, tem repisado este assunto. É uma imagem de marca dos tempos pós-guterristas, iniciada por LFP como os HH’s SA e retomada por CC. Seria redundante voltar a repisar argumentos nesta área que como princípio é consensual, existindo divergências de metodologias, de oportunidades, de faseamentos, de amplitude. Em todo o caso, questões de pormenor.

2.) FINANCIAMENTO PÚBLICO DA ADSE
Em comentário neste blog (10.06.07) link tive oportunidade de discordar do principal argumento da Comissão - a iniquidade do subsistema (ADSE), fundamentando-se em questões de limitação do acesso (restrito a um “grupo de profissional”). No relatório, e ultrapassando o “pudor equitário” que contaminaria os servidores do Estado, omite-se na argumentação que – pelo menos parcialmenteo sistema é auto-financiado pelos beneficiários e, finalmente, não consegue estabelecer uma sólida relação entre as análises dos custos e as capacidades de resposta. Mais, sem indicadores de qualidade fiáveis valorizam-se níveis de saúde “auto-reportados”, sem aferir a metodologia e qualidade destes níveis. Finalmente, as medidas recentemente tomadas pela ADSE no sentido de controlar o aumento da despesa, aumentar as receitas, e melhorar a gestão são liminarmente desvalorizadas.
Não vou referir o contexto político que obviamente extrapola a capacidade e competência da Comissão (técnica) caindo na responsabilidade governamental onde, nos dias que correm, em complemento do programa PRACE, seria interpretada como mais “pancada” no funcionalismo público, uma atitude suicidária.

3.) REDUÇÃO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS
Este assunto também já foi abordado neste blog por “o cavalinho da chuva” em 08.08.2007 link.
O relatório propôs a redução das deduções fiscais com despesas de saúde, tomando como exemplo o que se passa pela Europa. Não teve em linha de conta o “comportamento fiscal” do cidadão português. Sugeriu, levianamente, que reduzindo as dedução poderia arrecadar mais.
Aqui o MS ficou quedo e mudo cabendo ao ministro das Finanças afirmar que “essa matéria não está sobre a mesa [e que] não há intenção de mudar nada”.
Mais uma “machadada” no trabalho da Comissão que, ao que julgo, incluía um membro indicado pelo Ministério das Finanças, além de um macro-economista.
A argumentação aduzida pelo comentador (“cavalinho da chuva”) em 08.08.2007, merece a minha total concordância. Na verdade, aparentemente, a redução das deduções fiscais na área da saúde permitiram globalmente optimizar a colecta. A Comissão não teve a clarividência de detectar as consequências: essas deduções são, na prática, transferências fiscais para os prestadores, em regra com elevados níveis de “taxamento” tributário. Portanto, essa medida permitiria um aforro fictício. Na prática, uma diminuição das receitas fiscais. Ao fim e ao cabo, nada contribuía para a sustentabilidade.

Em saúde – aceitando o surgimento paulatino de um “mercado” - ainda não criamos o “consumidor inteligente”. Aliás ele não pode criar-se (por decreto ou por vontade política). Aparece (aparecerá) com o tempo e com o desenvolvimento económico, social e cultural.

Por enquanto, e não será nem pretensioso nem dispiciendo, ao abordar esta questão da sustentabilidade, é imperioso aprofundar e optimizar modelos de gestão participativos e com maior autonomia que sirvam os direitos sociais dos cidadãos e o padrão (paradigma) vigente no SNS.
Os gestores não podem limitar-se a ser os fiéis do cumprimento, ou intrépidos vigilantes da cabal execução dos “contactos-programas”, sem mais, ou outras, iniciativas.
Os trabalhadores da saúde não podem ser só fiéis cumpridores de horários, sem quaisquer responsabilidades na gestão médica e técnica, portanto, garantes da qualidade dos serviços prestados.
Logo, uma “cultura de serviço”, ao serviço (passe a redundância) do SNS.
E, quanto à gestão pública, é necessário ampliá-la, democratizá-la, torná-la transparente. Quer na Saúde, quer no conjunto do Estado.
É-Pá

2 Comments:

Blogger Joaopedro said...

As proposta da Comissão são decepcionantes para um grupo de investidores privados da saúde.
A expectiva é levar o processo mais além.
O objectivo é a chamada mudança de padrão de funcionamento do nossos sistema de saúde, passando o sector privado a ser dominante e o sector público residual.
É este lobby que está contra o Relatório, arregimentando alguns "peritos" na defesa das suas teses.

Neste sentido, as propostas da Comissão são a última oportunidade de manutenção do Sistema tal como o conhecemos.

Falta apurar em definitivo de que lado está o ministro da saúde.

9:52 da manhã  
Blogger e-pá! said...

A propósito dos recentes vetos presidenciais ocorre-me uma pergunta relativa ao MS e indirectamente aos mecanismos de sustentabilidade (auto-financiamento), engengrados pelo Ministério.

As tais "taxas de utilização" foram enviadas ao TC, para fiscalização, como prometeu publicamente CC?

Em minha opinião, o melhor é aproveitar a "onda"...

12:06 da tarde  

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