sexta-feira, setembro 14

Erlotinib, queixas à parte


Já se esperava !

Um médico hospitalar queixou-se à OM da decisão da comissão de farmácia e terapêutica em recusar a prescrição do antineoplásico Tarceva (erlotinib) indicado no tratamento do cancro de pulmão.

A reacção não se fez esperar. Acto continuo, Pedro Nunes, sempre pronto, saiu a terreiro com criticas às medidas “restritivas” de acesso aos medicamentos inovadores hospitalares, e a anunciar que vai prosseguir com a queixa .

Mas afinal que medicamento é este?

Um estudo recente do NICE concluiu que o elevado custo do erlotinib não tinha correspondência com os reduzidos ganhos terapêuticos resultantes da sua utilização no tratamento de tipos mais comuns de cancro do pulmão, pelo que esta substância não obteve autorização de comparticipação por parte do NHS link

Qual o benefício demonstrado pelo Tarceva durante os estudos?
Para o cancro do pulmão, a mediana de sobrevivência nos doentes tratados com o Tarceva foi de 6,7 meses, comparativamente a 4,7 meses nos doentes que receberam placebo. Ao fim de 12 meses, 31,2% dos doentes a tomar o erlotinib continuavam vivos comparativamente a 21,5% dos doentes que receberam o placebo. Quando se analisam os resultados dos doentes que receberam o Tarceva, e consoante o tipo de tumor, os valores de sobrevivência foram de 8,6 meses nos doentes que eram EGFR-positivos (com células tumorais que se demonstrou transportarem EGFR), em comparação com 5,0 meses nos doentes que eram EGFR-negativos.

O cancro do pulmão é a quarta forma de neoplasia mais comum, nos EUA, França, Alemanha, Itália, Espanha, Reino Unido e Japão. Aproximadamente 1,3 milhões de pessoas morrem da doença todos os anos. 85-100% dos doentes com NSCLC morrem no espaço de cinco anos após o diagnóstico. A taxa global de mortalidade por neoplasia pulmonar é superior a 85%, e a taxa de sobrevivência aos cinco anos é apenas de 11-14%.
Erlotinib is an additional treatment option. Patient numbers are expected to be between 2 and 8 per 100,000 population. The cost per patient is £1,632 (excluding VAT) per month; with an expectation of around four months’ treatment, total cost per patient is £6,528.

Entre nós, a despesa com medicamentos oncológicos representa a grande fatia (40%) da despesa total em medicamentos e 6,6% do total da despesa da saúde, pelo que a sua utilização tem de obedecer a critérios de utilização rigorosos. Se assim não acontecer, o custo destes medicamentos traçará, por certo, num futuro próximo, restrições dramáticas de acessso aos medicamentos inovadores.
Desconhecendo a situação clínica do doente hospitalar que deu origem a este caso não será despiciente de todo analisar a posição do laboratório em mais este imbróglio.

Uma das soluções: Estado/Indústria- partilha de riscos link

10 Comments:

Blogger Carago said...

Sinceramente espero que nunca esteja envolvido, pessoalmente ou em termos familiares, numa destas situações clínicas. Mas talvez assim pudesse compreender o que significa ter um ente querido mais 2 meses junto de si...e se isso se mede em custos.
Quanto á sua referência ao NHS, talvez valha a pena lembrar que é esse mesmo NHS que recusa a hemodiálise a seus doentes e que a vêm fazer ao Algarve ao abrigo dos direitos comunitários...

12:33 da manhã  
Blogger e-pá! said...

Caro Xavier:

Falta decorrer a muita investigação sobre todas as circunstâncias que rodearam esta queixa. Pertinente, em minha opinião.

Haverá dados que não dispomos e que podem inquinar as opiniões.

Desde a recusa de fornecimento, à iniquidade fornecimento do mesmo medicamento a outro doente (faz parte da queixa - resta saber se as circunstâncias eram idênticas), até a uma situação algo desconfortável para o médico que não é tão rara em oncologia - a preserverança terapêutica. Falta saber quase tudo.

Mas há que ser rigoroso quando se questiona: "mas afinal que medicamento é este?"

De facto, em termos de benefícios e resultados poderia acrescentar:
"The time it took before the cancer progressed was also longer in the erlotinib group – 2.2 months compared to 1.8 months in the placebo group. All these findings were statistically significant. In addition, more patients receiving erlotinib reported improvements in key symptoms of advanced NSCLC, such as cough, pain, and dyspnea (difficulty breathing)."

Mais à frente quando refere que "esta substância não é comparticipada pelo NHS do RU", passa ao lado de um organismo mundial de referência na creditação de fármacos, onde teria lido:
"FDA Approval for Erlotinib Hydrochloride Brand name(s): Tarceva®
Approved for non-small cell lung cancer, Nov. 18, 2004
Approved for pancreatic cancer, Nov. 2, 2005" (http://www.cancer.gov/cancertopics/druginfo/fda-erlotinib-hydrochloride).

...

Tudo isto para mostrar que não é possível avaliar os benefícios/resultados de um medicamento de modo ligeiro.

Mais fácil será levantar o problema da despesa com os medicamentos oncológicos. Porque este problema é, matematicamente, quantificável.

Estudar e verificar sobrevidas médias poderá ser mais complexo.
Aliás, como sabe, é a "progression-free survival" (PFS) a mensuração usada nos estudos clínicos (medicamentos inovadores) para determinar a efectividade de um novo medicamento. Para já, nos dados disponíveis, para o erlotinib, a PFS foi significativamente prolongada (particularmente no cancro do pulmão de não-fumadores).

A queixa que recaíu sobre este caso, não deve ser marginalizada, nem desvalorizada.

Isto é, "à parte", Não!

12:38 da manhã  
Blogger Clara said...

Estas situações surgem porque os médicos foram "afastados" da administração dos hospitais e substituídos por gestores, "profissionais que apenas são sensíveis aos aspectos financeiros", considerou ainda o bastonário, adiantando que a queixa seguirá agora os "trâmites normais" e será avaliada "a conduta dos médicos envolvidos, nomeadamente em termos disciplinares". Pedro Nunes foi mais longe, pedindo aos médicos que se queixem "sempre que for posta em causa a saúde dos seus doentes".
JP 15.09.07

Em contradição com as declarações do senhor bastonário da OM, faz-se lembrar que as Comissões de Farmacologia e Terapêutica são constituídas por dois médicos e dois farmacêuticos.

Das declarações do senhor bastonário podemos concluir que mais uma vez se limita a lançar gasolina sobre as labaredas.

As eleições para a OM estão à porta.O que quer dizer que é necessária muito mais gasolina.

2:19 da tarde  
Blogger Clara said...

O post do Xavier e o comentário do É-Pá completam-se.

A tentativa de racionalização da utilização do consumo de medicamentos (terapêutica e económica) é nos nossos dias um objectivo fundamental de qualquer política do medicamento.

Todos sabemos também que a actuação nesta área extremamente sensível requer procedimentos fundamentados no conhecimento científico.

Hoje, no entanto, não deixei de ficar surpreendida com um trabalho passado na TV sobre a política de compras desenvolvida por hospitais do SNS, em especial, o Hospital de Sãio João.

A critica incidia sobre a decisão de aquisição de pacotes de diversas substâncias aos laboratórios representantes com o objectivo de obtenção de descontos especiais.

De notar que o SNS compra substâncias, principios activos, e não marcas de medicamentos.

Fazendo a ligação com o caso da queixa do médico hospitalar, fiquei com a sensação de que está em desenvolvimento mais uma ofensiva contra a politica do medicamento deste Governo.

É por isso que eu concordo com o è-pá que é necessário aprofundar o que se passou com a decisão da Comissão de Farmácia e Terapêutica que suscitou a queixa do médico hospitalar.

Penso que a IGAS deve ser a entidade a desenvolver esta averiguação.

Para já parece-me haver gato escondido com o rabo de fora.

5:43 da tarde  
Blogger Joaopedro said...

Concordo com a Clara.

Os dados não enganam.

Estamos a assistir, tudo o indica, ao início de mais ma campanha suja.

A IGAS deve intervir para podermos conhecer o que realmente se passou.

Certamente mais uma daquelas guerrinhas intestinas na qual o senhor dr. X não aceitou a decisão da Comissão de Famácia e Terapêutica um órgão de apoio técnico dos hospitais que integra dois médicos.

Há uns anos atrás o dr. X ter-se-ia ido queixar directamente aos jornais.
A coisa entretanto refinou-se e o senhor dr. X , desta vez, decidiu queixar-se à OM.
A luta refinou-se.

9:28 da tarde  
Blogger tambemquero said...

As colecções de pontos estão pela hora da morte.
E as viagens?
Isto nunca mais volta a ser o que era!

9:38 da tarde  
Blogger e-pá! said...

Porque não, o seguinte percurso processual:
1º. a OM (quem recebeu a queixa)
2º. o IGAS (orgão auditor do MS)
e,
3º. no caso de evidente atropelo no acesso aos cuidados de saúde, a ERS.

E, no horizonte, um arquivamento.
Simplex.

(Obs): as Comissões de Farmácia e Terapêutica integram, para além de médicos e farmacêuticos, o director clínico (ou seu adjunto). Todos nomeados pelos respectivos CA's.

E mais não digo.

Vamos esperar para ver.

11:27 da tarde  
Blogger saudepe said...

Importante em certa medida as declarações de Jorge Espírito Santo, presidente do colégio de oncologia da Ordem:
"Não achamos aceitável que uma prescrição feita por um especialista seja rejeitada e que a comissão de farmácia tenha poder administrativo para isso".

E justifica a utilização do erlotinib sob o ponto de vista clínico: "Num doente que não pode ser curado, temos que usar terapêuticas o menos tóxicas possíveis".

Apesar de "ser o primeiro a admitir que é necessário haver limites nos gastos com medicamentos", o responsável da OM defende que, na ausência de normas orientadoras terapêuticas a nível nacional - só em breve haverá normas para quatro tumores -, as situações devem ser analisadas caso a caso.

Não terá sido o caso, uma vez que a Comissão já terá autorizado a utilização do erlotinib em situações anteriores?

Jorge Espírito Santo nota, porém, que não há uma falta de medicamentos oncológicos nos hospitais, mas sim se sente alguma restrição à aquisição de certos fármacos inovadores.

Este caso pressupõe a análise da competência das Comissões de Farmácia e Terapêutica hospitalares (a qual integra o Director Clínico), competência técnica (não administrativa) relativamente à utilização de medicamentos (neste caso inovadores autorizados).

Trata-se de um conflito inter pares médicos sobre questões técnicas de utilização de tecnologia dispendiosa que requer a aplicação de critérios clínicos muito rigorosos.

Quanto à queixa apresentada seguirá os “trâmites normais nestes casos e avaliar-se-á a conduta dos médicos envolvidos, nomeadamente em termos disciplinares”..

Tendo em atenção as intervenções anteriores relativamente à actuação de inúmeros associados temos grande expectativa sobre qual será o encaminhamento que desta vez a OM irá dar a este caso.

Para o é-pá, defensor da investigação aturada do caso, os médicos da Comissão hospitalar já estão condenados, uma vez que foram «Todos nomeados pelos respectivos CA's.»
Os malandros!
Afinal prá quê investigar?
Se, «Está tudo dito.»

12:54 da tarde  
Blogger e-pá! said...

Caro Saudepe:

Primeiro, apurar não é condenar, nem antecipadamente, nem a posteriori.

A presença do Director Clínico deverá ter necessariamente uma interpretação diferente da que pretende dar-lhe. Quando recordo que o mesmo é nomeado quero, por exemplo, dizer que houve tempos em que não era...
Entretanto, venceu a tese da homogeineidade (política?)do CA e dirimiu-se de eventuais conflitos de legitimidade no interior do CA.
Não interessa. Agora é escolhido pelo Presidente do CA e, depois, nomedado. Vamos, portanto, assentar na realidade.

O Director Clínico integra a CFT dos HH's, por inerência, podendo ser ou não um "expert" nestas questões (pode ter outras diferenciações).
Também, por inerência, integra o CA dos HH's.

A investigação que sugeri meteu o Director Clínico pelas seguintes razões:
- foram impostos ou não nos HH's "tectos de gastos com medicamentos"?
- se foram, em que medida, por exemplo, a uma eventual ultrapassagem desses tectos, poderá ter condicionado (directamente ou indirectamente) a recusa de fornecimento do fármaco ao doente em questão?

Este pequeno "pormenor" não deve ser dispiciendo na investigação. Quando se determina "racionalidade terapêutica", "tectos de gastos", ou outras medidas sobre a politica do medicamento, assumem-se todas as responsabilidades. Todas, não só as contabilísticas ou orçamentais.

Agora, tenha a certeza de que estas "circunstâncias" que desejava investigadas não condicionam, da minha parte, qualquer tipo de juízo de valor prévio.
Ao contrário do que afirma, e para já, isto é, antes da realização do inquérito, os membros da CFT (médicos e farmacêuticos) , estão todos INOCENTES.

(Um aparte. Gostei da subtileza de me pôr, sem matéria qualquer matéria de facto, a incriminar "só" os médicos.
Saudepe: andamos todos por cá há muito tempo.)

As decisões da CFT não se baseiam no livre arbítrio.
Por isso, defendo que perante a queixa apresenta só um rigoroso inquérito, suficientemente aprofundado, poderá esclarecer com clareza e tornar evidente as razões da recusa de fornecimento do medicamento (erlotinib).
Penso que alguns elementos já poderão vir a público, depois da reunião do Colégio de Oncologia da OM, na próxima 3ª. feira. Mas estou convicto de que serão necessárias outras investigações.

Até à conclusão do inquérito, ou dos inquéritos, todas as eventuais razões - técnicas, económicas ou outras - devem estar em cima da mesa.

E, também, até lá - TODOS ESTÃO INOCENTES.

Caro saudepe:
Por favor, não tente reduzir esta questão a um problema inter-pares.
Pode estar em causa um outro problema muito mais delicado: a equidade do SNS.

Logo, falta investigar.

7:14 da tarde  
Blogger Samir Machel said...

A questão mais do que o tempo ganho à morte é a qualidade de vida...

11:00 da manhã  

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