sexta-feira, setembro 14

MD, debaixo de fogo da OM


Excerto da entrevista de MD que aborreceu o dr Pedro Nunes link de molde a merecer um comunicado do Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos link

SE: Há falta de médicos de clínica geral para a medicina familiar?
MD
: É uma velha questão. As contas estão feitas e há um médico de clínica geral para 1600 cidadãos, um rácio aceitável pela OMS. Há países mais ricos que não o têm. O problema é que estão mal distribuídos e trabalham pouco. E se soubermos que muito do trabalho destes médicos é feito nas urgências, então ficamos todos de boca aberta.

Quem não se sente não é boa gente!
Mas o MD terá dito alguma mentira?

7 Comments:

Blogger e-pá! said...

Na verdade, é necessário dar a devida ênfase às afirmações, ponderar os números, integrá-los num contexto global e não arrancar a galope na busca de incessantes e repetitivas incriminações.
Socorrendo-nos das estatísticas disponíveis da WHO - Core Health Indicators, podemos obter dados para reflexão. Claro que me vão acusar de andar à procura de parâmetros específicos. Não tendo por objectivo ponderar um alargado número de itens, existem alguns indicadores que nos dão uma pequena imagem sobre aquilo a que podemos designar como “necessidades”.

Por exemplo:
Se compararmos o nº. de médicos (Clínica Geral + Especialistas) / 1000 habitantes com os 2 Países europeus mais próximos (Espanha e França), temos os seguintes números:

Portugal: 3,42 / 1000 hab. (2003)
Espanha: 3,30 / 1000 hab. (2003)
França : 3,37 / 1000 hab. (2004)

Se, olharmos para o pior, por exemplo o nº. de mortes/ano por HIV/SIDA, temos:

Portugal: < 10 / 100 000 hab. (2005)
Espanha: 5 / 100 000 hab (2005)
França: 2 / 100 000 hab (2005)

Se relacionarmos, para expectativas futuras, com a esperança de vida à nascença, constatamos:

Portugal: 75 A (masculinos) / 81 A (femininos) - 2005
Espanha: 77 A (masculino) / 84 A (feminino)- 2005
França: 77 A (masculino) / 84 A (feminino) – 2005

Claro que também temos bons índices, como por exemplo a taxa de mortalidade infantil (mas isso é um problema particular no contexto geral).

É preciso não cairmos na tentação das meias verdades. Para situações sanitárias diferentes são precisos recursos humanos (neste caso médicos) diferentes.

Para organizarmos, em tempo útil, um edifício demasiado desarrumado será – pelo menos temporariamente - sempre necessário recorrer a mais pessoal. É uma verdade de Monsieur de la Palisse.

Por outro lado, há um facto que não é despiciendo e que recentemente foi amplamente discutido no processo, ainda em curso, da Requalificação das Urgências. O consumo, reconhecidamente excessivo, de urgências, depende de múltiplos factores, bastante distantes de uma perversa “vontade” dos médicos.
Na verdade, existe um grave problema que é o “circuito de doentes com situações agudas” que, enquanto não forem resolvidos os problemas dos CSP (as USF’s são o primeiro passo) e a rede de urgências ( hospitalar e pré-hospitalar), haverá “sempre” necessidade de um consumo aumentado de recursos humanos (não só de médicos).

O bastonário da OM “tinha” de indignar-se e as “verdades” de MD são, em minha opinião, “meias-verdades”.

O que me inquieta é esta necessidade de andarmos a sacudir o fardo para cima dos outros. ...ou sacudir a água do capote. Na verdade, existe no SNS, um visível deficit: solidariedade institucional.
São sempre os "outros"!

11:24 da manhã  
Blogger Carago said...

O Sr. Xavier tb parece não gostar muitos dos médicos, esses malandros que o seu mentor Manuel Delgado INSULTA. Antes de fazer dois ou três reparos à validade das "bocas" de MD, deixe-me lembrar-lhe que o SNS que lhe dá o emprego, a si porventura e ao sr. MD por certo (depois da angústia que lhe provocou o anterior ministro LFP ao pô-lo na prateleira) existe em primeiro lugar porque há doentes...e que estes são tratados pelos médicos...os gestores são um sector terciário, ... e isso diz muito...
Diz MD que os médicos estão mal distribuidos, trabalham pouco e muito desse pouco trabalho é feito nas urgências. Fico pasmado pois vou às estatisticas oficiais em http://www.dgs.pt/upload/membro.id/ficheiros/i008374.pdf e tenho alguma dificuldade em não condiderar que o que MD diz é uma mentira e uma atoarda. A menos que o sr. MD faça generalizações a partir de situações pontuais com que lide na capital do império (muito pouco representativa da actividade dos médicos de família). E lançar atoardas como as que profere será sempre atitude pouco abonatória para quem preside a uma associação de gestores. Não admira pois a reacção violenta da Ordem dos Médicos.
Ah...disseram-me que neste seu blog por vezes os comentários eram censurados???!!! Não me acredito...
Aceite os melhores cumprimentos de um Médico de Família insultado

6:26 da tarde  
Blogger e-pá! said...

O DIA DO ERLOTINIB

Sem querer deitar achas para a fogueira, um aparentemente lamentável acontecimento noticiado hoje, a recusa de uma Comissão de Farmácia e Terapêutica de um HH do SNS, de um medicamento denominado “erlotinib”, consubstancia o espírito – que já tinha considerado inadequado - do título do Semanário Económico, para a entrevista concedida por MD.
"MÉDICOS TÊM DE PERDER AUTONOMIA EM FAVOR DA RACIONALIDADE ECONÓMICA"
Independentemente do andamento da queixa à OM e do inquérito que a ERS se prontificou a realizar, cujas conclusões não devem ser antecipadas, não posso deixar de acrescentar:
"O Dr. Pedro Nunes não precisava de tamanho favor".

A "pedrada" de MD terá sido, estou convicto, das mais destabilizadoras proferidas no âmbito das múltiplas análises dos males da Saúde em Portugal.

Este problema - as restrições de entrada de medicamentos inovadores - para quem trabalha nos HH's do SNS, não é novo. Começou com a fixação de tectos de despesas com medicamentos e as inerentes dificuldades de gestão que isso levanta.
Não há dúvida que a autonomia médica foi transformada (transformou-se) num verdadeiro empecilho. Na verdade ela está no cerne da relação médico / doente e tem uma limitação incontornável – a autonomia do doente.

A sua existência causa turbulência nas previsões orçamentais. São geradores de despesa, algumas vezes, com critérios que podem ser discutíveis. Todos os profissionais de saúde têm consciência disso. Todavia, não é possível prever o tipo de doente que estará à sua frente amanhã. E ninguém está disponível para não de dar o que de melhor e o mais adequado, face à sua situação clínica. É assim que todos nós esperamos, num dia de infortúnio, ser tratados.
Mas, apesar destas contingências, existe possibilidade de controlo dessa autonomia. Todos conhecemos, e muitos defendem, o recurso à aplicação de guidelines baseados na "clinical evidence". Este é o padrão, melhor diria a metodologia, capaz de reunir consensos (tão necessários em Saúde), desde que se salvaguarde a necessária independência dos interesses comerciais da indústria farmacêutica. Normas baseadas não no que é economicamente correcto, mas no que é cientificamente adequado e eficiente. E administradas em tempo útil.

Advogar a perda de autonomia técnica, de que os médicos têm gozado, em favor da "racionalidade económica" é, perverter o sistema, subordiná-lo a critérios ínvios (que têm sido objecto de reiteradas recusas) e, no fundo, "atacar" os doentes.
Muitos deles (doentes) já se encontram num indefinido "compasso de espera" (não queria usar o termo “lista”) para a administração dos chamados "medicamentos biológicos", como p. exº.: inibidores de citoquinas, inibidores do TNF-alfa, inibidores de células T, inibidores de co-estimulação, inibidores de CTLA4, etc..
Os doentes, por ora, mantêm-se “pacientes”, e os médicos, ainda, expectantes.

Finalmente surge a primeira denúncia. Vamos ver como o sistema reage.

A autonomia médica, aos olhos dos gestores, tornou-se supérflua. Cada dia que passa vai mostrar-se mais necessária e imprescindível.
Hoje enveredamos por novos caminhos que misturam ciência, arte, tecnologia, humanismo, ética e lucro. A autonomia médica é o suporte humano e técnico que baliza estes frágeis equilíbrios e ferozes confrontos, em benefício do doente.

10:59 da tarde  
Blogger Carago said...

Meu caro E-Pá

Apenas posso dizer uma coisa: obrigado pela sua lucidez. Tanto que suponho não ser médico.

Aceite os melhores cumprimentos de um médico e de um potencial doente

12:13 da manhã  
Blogger e-pá! said...

Caro Colega:

Tenho a honra de ser um profissional de Sáude e, neste vasto e particular âmbito, tive a oportunidade de exercer Medicina.

12:52 da manhã  
Blogger xavier said...

Caro É-Pá,

Desta vez estou em profundo desacordo com o seu comentário.
O pessoal médico é essencial ao sistema da saúde. Mas não está isento de criticas.
A principal é que todo o sistema foi moldado em função dos seus interesses.

Em relação área hospitalar onde trabalho há casos gravissimos de desperdício de recursos.
Médicos concentrados em HHs que se limitam a operar casos urgentes, escapando-se à cirurgia electiva, com tempos médios de espera na LIC de 10 meses, fazendo meia dúzia de consultas por mês.
Felizmente há também casos de dedicação extrema, que não são suficientes para manter o equilíbrio do sistema.

1:41 da manhã  
Blogger e-pá! said...

Caro Xavier:

Há alguns mal entendidos quando falamos em Saúde, em "sistema", já que este problema (saúde) se arrasta há milénios...
Os médicos, ao longo dos tempos, foram moldando o "sistema" porque, desde os primórdios, estavam lá (nos hospícios , nas gafarias, nos lactários, etc.) alcoolitados por "irmãs de caridade"...
Não vou refazer o longo precurso.
Mas, encurtando razões, o sistema actual é o inverso: tenta moldá-los.

Hoje, em Portugal, a grande maioria dos médicos está integrada no SNS. Hoje, os médicos são trabalhadores da Saúde, com a sua diferenciação técnica, as suas competências, os seus "saberes", e o que é mais importante, no contacto diário com os utentes do SNS - em princípio doentes (fazemos pouco na prevenção).
Lidam pouco e às vezes mal com números e estatísticas. Mas não aceitam que uma coisa que todos os dias se apresenta como branca, um relatório, um plano, um estudo, venha dizer que, a partir de agora, é preta.
Mas, os médicos, como os outros sectores profissionais desta área, devem assumir-se, em primeiro lugar, trabalhadores da Saúde.
Isto, implica de imediato, o conceito de sistema (de saúde), a sensação de estar no mesmo "barco", e o que é importantissimo e fundamental, a vivência de um modelo colectivo.
Não havendo colectivo todas as tentativas de lideranças são vãs miragens...

Os médicos não estão isentos de erros, nem estão acima das críticas. Não são estas questões que nos apoquentam. São, isso sim, a caminhada do sistema. Que só pode ser conjunta.

Tenho lido, com diferentes origens, que o SNS, apresentará um "volume de desperdício" da ordem dos 25%. Não conheço como se chegou aí, mas na falta de outras ponderações, vamos aceitá-lo como bom (verosímel).
Estes 25 % são, em termos económicos, um Mundo (um pipa de massa)!
Concordará que, tão acentuado desvario, têm, obrigatoriamente, de ter diversas origens, por exº.: ausências de economias de escala, não articulação entre serviços (clínicos, administrativos e de gestão), duplicação de custos (médicos, administrativos),... não acabaria de citar.
Mas não!
Para promover as necessárias mudanças no SNS, que interessam em, primeiro lugar, aos cidadãos, logo aos utentes e, deveriam envolver todos os trabalhadores da saúde e, portanto, também, os médicos, imolam-se uns, promovem-se outros. O processo deixou de ser colectivo, perdeu transparência.
Foi preciso criar um inimigo público, movido por obscuros interesses (financeiros, profissionias, carreirismo, etc).
Como dizem os ingleses arranjar um "scapegoat".
Aceitando este "volume de desperdício" qual será a parcela que pode ser imputado directamente a erros e improdutividade médica?
Qual é a parcela da má gestão?
Qual a parcela imputável a descontrolos e irrealidades orçamentais ao longo de anos (quantos orçamentos rectificativos depois do 25.4?)?
...

Julgo, que a resposta será dificil.

Não quero portanto enfatizar um assunto tão dificil e, em minha opinião, sempre mal discutido (corporativamente, no jogo do empurra, nos pudores e em falsas inocências)

Mas todos os meus comentários vieram a talhe de foice, sobre um outro assunto. O espectro de competências dentro do "sistema".
E dentro desse largo espectro a vital questão da autonomia técnica.
A asserção: "MÉDICOS TÊM DE PERDER AUTONOMIA EM FAVOR DA RACIONALIDADE ECONÓMICA" pode cair bem no MS mas, caro Xavier, ninguém dúvida que, dizendo isso, "compra" uma guerra. Para mim, desnecessária e perfeitramente evitável.
Que diria se eu ecrevesse: "OS GESTORES TÊM DE PERDER CAPACIDADE DE DECISÃO EM FAVOR ... DE CRITÉRIOS ESTRICTAMENTE MÉDICOS".

Caro Xavier:
O sistema já não vive de equilíbrios (muitos deles instavéis).
Viverá (sobreviverá) do trabalho de todos no seio de uma cooperação institucional, integrada, no seio de uma mais ampla autonomia (regional?) e com uma estrutura o mais horizontalizada possível.

Será mais "saudável" se alguns trabalhadores da sáude não falarem para os "outros", por cima do ombro, de avanço ou com o rei da barriga.

O SNS vivificará com o fim do recurso sistemático a (velhos ou novos) "scapegoats".

4:13 da tarde  

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