domingo, setembro 16

Médicos, scapegoats?




Há alguns mal entendidos quando falamos em Saúde, em "sistema", já que este problema (saúde) se arrasta há milénios...
Os médicos, ao longo dos tempos, foram moldando o "sistema" porque, desde os primórdios, estavam lá (nos hospícios , nas gafarias, nos lactários, etc.) alcoolitados por "irmãs de caridade"...
Não vou refazer o longo percurso.
Mas, encurtando razões, o sistema actual é o inverso: tenta moldá-los.

Hoje, em Portugal, a grande maioria dos médicos está integrada no SNS. Hoje, os médicos são trabalhadores da Saúde, com a sua diferenciação técnica, as suas competências, os seus "saberes", e o que é mais importante, no contacto diário com os utentes do SNS - em princípio doentes (fazemos pouco na prevenção).
Lidam pouco e às vezes mal com números e estatísticas. Mas não aceitam que uma coisa que todos os dias se apresenta como branca, um relatório, um plano, um estudo, venha dizer que, a partir de agora, é preta.
Mas, os médicos, como os outros sectores profissionais desta área, devem assumir-se, em primeiro lugar, trabalhadores da Saúde.
Isto, implica de imediato, o conceito de sistema (de saúde), a sensação de estar no mesmo "barco", e o que é importantissimo e fundamental, a vivência de um modelo colectivo.
Não havendo colectivo todas as tentativas de lideranças são vãs miragens...

Os médicos não estão isentos de erros, nem estão acima das críticas. Não são estas questões que nos apoquentam. São, isso sim, a caminhada do sistema. Que só pode ser conjunta.

Tenho lido, com diferentes origens, que o SNS, apresentará um "volume de desperdício" da ordem dos 25%. Não conheço como se chegou aí, mas na falta de outras ponderações, vamos aceitá-lo como bom (verosímel).
Estes 25 % são, em termos económicos, um Mundo (um pipa de massa)!
Concordará que, tão acentuado desvario, têm, obrigatoriamente, de ter diversas origens, por exº.: ausências de economias de escala, não articulação entre serviços (clínicos, administrativos e de gestão), duplicação de custos (médicos, administrativos),... não acabaria de citar.
Mas não!
Para promover as necessárias mudanças no SNS, que interessam em, primeiro lugar, aos cidadãos, logo aos utentes e, deveriam envolver todos os trabalhadores da saúde e, portanto, também, os médicos, imolam-se uns, promovem-se outros. O processo deixou de ser colectivo, perdeu transparência.
Foi preciso criar um inimigo público, movido por obscuros interesses (financeiros, profissionias, carreirismo, etc).
Como dizem os ingleses arranjar um "scapegoat".
Aceitando este "volume de desperdício" qual será a parcela que pode ser imputado directamente a erros e improdutividade médica?
Qual é a parcela da má gestão?
Qual a parcela imputável a descontrolos e irrealidades orçamentais ao longo de anos (quantos orçamentos rectificativos depois do 25.4?)?
Julgo, que a resposta será dificil.
Não quero portanto enfatizar um assunto tão dificil e, em minha opinião, sempre mal discutido (corporativamente, no jogo do empurra, nos pudores e em falsas inocências)

Mas todos os meus comentários vieram a talhe de foice, sobre um outro assunto. O espectro de competências dentro do "sistema".
E dentro desse largo espectro a vital questão da autonomia técnica.
A asserção: "MÉDICOS TÊM DE PERDER AUTONOMIA EM FAVOR DA RACIONALIDADE ECONÓMICA" pode cair bem no MS mas, caro Xavier, ninguém dúvida que, dizendo isso, "compra" uma guerra. Para mim, desnecessária e perfeitramente evitável.
Que diria se eu ecrevesse: "OS GESTORES TÊM DE PERDER CAPACIDADE DE DECISÃO EM FAVOR ... DE CRITÉRIOS ESTRICTAMENTE MÉDICOS".

O sistema já não vive de equilíbrios (muitos deles instavéis).
Viverá (sobreviverá) do trabalho de todos no seio de uma cooperação institucional, integrada, no seio de uma mais ampla autonomia (regional?) e com uma estrutura o mais horizontalizada possível.

Será mais "saudável" se alguns trabalhadores da sáude não falarem para os "outros", por cima do ombro, de avanço ou com o rei da barriga.

O SNS vivificará com o fim do recurso sistemático a (velhos ou novos) "scapegoats".

É-Pá