sábado, dezembro 29

Um SNS com eficácia

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Um SNS caracteriza-se, também, por assentar em cuidados primários e no seu papel: «atendimento imediato ou quase, da população – presencial, programado e não programado, telefónico e domiciliário» (VidaNova). O que tem acontecido em Portugal, diferente doutros SNS?

1) Planearam-se os CS e dotaram-se com os meios necessários, numa orgânica de administração pública e função pública (carreira, remuneração independente dos resultados, etc.). A experiência de muitos anos evidenciou problemas de oferta, para além de reduzidas produtividade e qualidade: nº consultas insuficiente e muitos dias (meses) à espera; alguns cuidados ou não existem (atendimento médicos telefónicos) ou são de volume muito reduzido (consultas domiciliárias).

2) Se as pessoas não têm resposta «imediata, ou quase» o que fazem? Recorrem ao atendimento não programado no SNS (SU, SAP) e ao sector privado. Quais os problemas desse comportamento, de dimensão sem paralelo noutros SNS?
a) Cria círculo vicioso nos CS: MF estão nos SAP (ou nos SU) a atenderem doentes doutros colegas, daí redução de oferta em consultas programadas, mais doentes sem MF e tempo de resposta cada vez maior. Daí resulta: despersonalização dos cuidados e justificação para doentes recorrem aos SAP e SU, e, como a produtividade nos SAP é menor, o nº de consultas possíveis não realizadas é muito elevado. Nada disto se passa noutros SNS.
b) Alimenta círculo vicioso nos SU: na tentativa de responderem à procura inapropriada os HH aumentam a oferta e geram ainda mais procura, doentes têm atendimento mais rápido que nos CS e com MCDT. Gera-se aumento do desperdício, seja por duplicação de actos, de meios de diagnóstico e prescrição de medicamentos, seja por deslocar médicos do atendimento programado para SU – menos consultas e operações são realizadas (aumenta a lista de espera nos HH). Nada disto se passa noutros SNS.
c) Incentiva MF ao que não deve: MF ao invés de se concentrarem em actividades no CS – promoção da saúde e actos curativos – dividem-se por SAP, SU e «na privada» (medicina do trabalho, consultas em regime liberal). Esta divisão/pluriemprego gera desresponsabilização pela resposta eficaz ás famílias a seu cargo, avilta a qualidade do atendimento, faz perder a confiança dos doentes e prejudica a continuidade de cuidados (MF já esteve…). Nada disto se passa noutros SNS.
d) Actos excessivos no sector privado: os problemas referidos anteriormente (tempo de resposta elevado nos CS e falta de confiança, espera elevada, etc.) geram excessivo recurso ao sector privado, visto que: i) Algum é indesejado pelos doentes: têm que pagar e «não podem», gera despesas de deslocação, etc.; ii) Muito actos são duplicados e provocam prescrições desnecessárias (meios diagnóstico, medicamentos). Nada disto se passa noutros SNS.

3) SU eficazes? Muitos SUs têm evoluído ao arrepio das normas técnicas instituídas (RRH) e por pressões ilegítimas (autarcas, gestores, profissionais), daí resultando gastos e inapropriação elevadas e um consumo exagerado de horas de médicos. A oferta de SU é excessiva e não está adequada às necessidades ditadas pelo planeamento, em função da população e do papel a desempenhar – hierarquia e complementaridade técnica. Esta tendência contribui MESMO para «afundar o SNS»: falta de sustentabilidade (financeira); falta de capacidade de resposta em atendimento programado nos HH; oferta tardia e de má qualidade nos CS; insuficiência de procura da medicina familiar – muitos médicos preferem continuar como tarefeiros de SU, etc. Nada disto se passa noutros SNS.

Perante isto, que fazer? Continuar a alimentar os círculos viciosos e a gerar insuficiência artificial de médicos ou rapidamente inverter a tendência e alinhar com a organização dos restantes SNS?

Diferença entre SAP e consultas não programadas em USF

Numa USF verificam-se as seguintes diferenças face ao CS «habitual»: maior nº de doentes a cargo, muito maior oferta programada (consulta, visita domiciliária), atendimento não programado em horário adequado e conhecido, dos próprios doentes e doutros (apenas em substituição de MF). Consequências destas alterações?
1ª Diminui o nº pessoas sem MF, contribuindo para reduzir a procura de SU e SAP;
2ª Melhora a acessibilidade da população ao seu MF, mesmos efeitos que ponto anterior;
3ª Como os doentes se sentem confiantes com o seu MF não têm tanta tendência a duplicar consultas, nos SU ou na actividade privada;
4ª MF têm retribuição em função do nº de doentes e do nº de actos que fazem, daí incentivos para melhorarem a produtividade, a qualidade de resposta e para se concentrarem na actividade do CS;
5ª O efeito negativo do atendimento não programado é reduzido – dado o menor nº de horas e porque MF aproveitam para fazer outras actividades, quando não estão a atender doentes (ex. renovar receitas).

Nos SAP temos MF e enfermeiros a atender qualquer doente e num período longo (ex. 24 horas). Assim o efeito é triplamente pior:
Nos custos, pelo maior nº de horas, pela qualidade das horas e por prescrição menos adequada – nos USF são essencialmente os seus doentes, daí menos duplicações e erros de prescrição;
Nos efeitos no SNS, pois mais horas com baixa produtividade no SAP, representa menor disponibilidade para dar resposta à actividade programada – menos consultas e maior tempo de resposta levam a maior procura do SAP e SU, com consequências negativas para o SNS;
Muitos médicos actuam como tarefeiros nos SAP e SU, e enquanto forem bem pagos resistem a aderir a MF, o que atrasa o ajustamento necessário nos MF e dificulta o aumento do nº de USF a funcionar.

Por isso concordo com a afirmação do VidaNova: «… USF são a verdadeira solução … os CS deveriam ser rapidamente convidados a adoptarem a mesma organização e resposta» .
COSME ÉTHICO

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3 Comments:

Blogger e-pá! said...

«… USF são a verdadeira solução … os CS deveriam ser rapidamente convidados a adoptarem a mesma organização e resposta».

As USF's que vierem a nascer sob os escombros de CS "rapidamente convidados a adoptarem", (traduzindo por : "obrigados a adoptarem"), virão ao Mundo contaminadas com o tal vírus da administração pública, onde tudo é mau, gerador de desperdício, improdutivo, etc...
Ainda hoje me interrogo sobre o ambiente em que trabalham certos gestores públicos.
Será na Administração Pública?
Ou as cobras e lagartos que se dizem sobre AP, só se aplicam aos "outros"?
Ou será que alguna se assumem como as modernas personagens (do séc. XXI) de Claude Lelouch em "Les Uns et les Autres"... e partilhamos alguma servil paixão escondida?

Portanto, ou este tipo de organização das USF´s contagia os Cuidados Primários na sua grande maioria, ou optimizando, na sua globalidade, ou ficaremos por uma cobertura parcial de 20, 30 ou 40% dos utentes do SNS.

Será, então, preciso ter em atenção para além dos múltiplos factores em análise na transformação desses cuidados (custos, resultados, eficiência, etc.), 2 factos que são, em termos de SNS, capitais:

1º.) universalidade do sistema;

2º.) equidade na qualidade do atendimento dos utentes.

4:43 da tarde  
Blogger Unknown said...

Caro É-pá

Em que ficamos a reforma dos CS é boa ou não? As USF's são um bom modelo para a mudança? A reforma "bottom-up" conduzida pela Missão é lenta demais? Temos 100 mas são poucas?

Vale a pena recordar algumas datas (lá venho eu com os números):

Fevereiro de 2005 - O Partdo Socialista inscreve no seu Programa Eleitoral a reforma dos Cuidados de Saúde Primários e a criação de USF's, passado a programa de Governo.

7 de Abril de 2005 - Governo cria a Comissão para a Reestruturação dos Centros de Saúde, que antecede a nomeação da Missão;

Junho de 2005 - Revoga o DL nº 60/2003, de 1 de Abril, que cria a rede de CSP e repristina o DL nº 157/99, de 10 de Maio, que estabelece o regime de criação, organização e funcionamento dos centros de saúde. Que tinha a levado a uma grve nacional de médicos de família convocada pelos dois sindicatos com o apoio da APMCG;

Outubro de 2005 - Cria a Missão para os Cuidados de Saúde Primários, que reune líderes das profissões do tereno e das organizações;

Março de 2006 - Abrem as candidadturas para as USF's, antes foram aprovadas as linhas prioritárias, as carteiras de serviço e os indicadores para a contratualização;

Junho de 2007 - Viseu são apresentadas as linhas mestras dos Agrupamentos dos Centros de Saúde, que enquadram também a extinção das Sub-regiões;

Agosto 2007 - É aprovado o modelo de organização e incentivos para as Unidades do Modelo B;

Dezembro de 2007 - O CM aprova decreto-lei para a remodelação dos CS, agrupamento dos centros de saúde.

Como verá os Agrupamentos dos Centros de saúde, terão uma organização para a prestação cuidados personalizados semelhante à das USF's, é claro que a obrigatoriedade da presença dos médicos entre as 8 e as 20 horas e a intersubstituição têm que ser negociadas com os Sindicatos (digo eu). Creia que com o acabar dos SAP, onde muitos médicos de família compunham o seu vencimento passará a existir mais disponibilidade para encontrar parceiros para uma USF.

Que chatice o Programa do Governo do PS está a ser cumprido e em linha com as propostas das organizações que pensam os CS e a Medicina Geral e Familiar.

1:28 da tarde  
Blogger e-pá! said...

Caro Avicena:

As USF´s parecem integrar um painel de boas soluções para os cuidados de saúde primários e são o resultado de uma evolução pragmática e progressiva dos CS (que já passaram - como sabe - por diversas tentativas goradas).
Mas - há sempre um "mas" - foram construídas sob determinado modelo.
Se quiser alterar, a meio do campeonato as regras, ou o modelo ... manda a prudência que esperemos para ver.
Foi este o meu comentário sobre os "CS deveriam ser rapidamente convidados"...
Porque estou convicto que USF's de iniciativa administrativa podem vir a ser "Unidades Sem Futuro" - i.e., outras "USF's". Esta a minha presunção que em nada belisca as USF's em funcionamento e, adiantemos-se, desde já, longe do necessário distanciamento histórico que permitam uma correcta avaliação custo/benefício.

E quanto ao programa de Governo todos torcemos para que seja cumprido... mas, como sabe (apelo à sua acuidade) é o que se vê - na Saúde e nas outras áreas governativas.

Já não falo do que se sente, por exemplo, quando se recorda:
Em Agosto numa visita ao Centro de Saúde de Sobreda, Correia de Campos foi taxativo:
"A nossa meta é abrir cem unidades de saúde familiar até ao final do ano."
Estavamos em Agosto de 2006. Não era?

E o "record" da 100º. USF em Vila do Conde (Santa Clara de seu nome) como "a mais jovem USF" que durou apenas algumas horas ...por outras estarem em stand by (mediático). Estes "procedimentos" do tipo "public relations of business blind spots", não lhe dizem nada?

Adenda: desta fez não fui inundado por uma catadulpa de dados estatísticos, mas brindado por uma cuidada e elegante cronologia histórica.
Será por estarmos na quadra natalícia?
De qualquer modo, agradecido pela deferência.

4:26 da tarde  

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