quinta-feira, maio 8

Financiamento no SNS

Hospital de La Ribera

Capitação vs GDH, ou o equivoco?
Em linhas gerais, também estou de acordo com Adalberto Campos Fernandes (ACF)PPP com gestão clínica”
link. E digo em linhas gerais porque o texto me parece excessivamente redondo (será asséptico, ou cuidadosamente oportunista?) e, para mim, insuficientemente explicitado para que me não fiquem dúvidas de qual é, na verdade, o posicionamento de ACF. As afirmações são de tal modo genéricas que nem surpreendem nem deixam margem para discordância, mas, porque são genéricas não definem os contornos e é nestes que pode estar a diferença. Assim como os mapas que não relevam as pequenas praias e onde apenas os grandes estuários são legíveis: podem servir para fugir destes, mas não servem para escolher onde ir a banhos.
Para fundamentar o que afirmo poderia escolher qualquer das afirmações de ACF, com excepção da primeira (na ordem em que são arroladas no Post), porque essa parece-me simples petição de princípio: «não há, na Europa de hoje, nenhuma evidência forte de que a PPP com gestão é melhor do que a PPP sem gestão clínica», nem mesmo que «a PPP com gestão clínica por 10 anos ou mais serve os interesses do Estado e dos cidadãos». Pergunto: como haveria, se não foi ainda posta no terreno em lado nenhum? E, sem eu próprio ter opinião formada, poderia perguntar: se há evidência do contrário, onde está? Não estaremos a esquecer que os HH-PPP, com gestão clínica (e só se com gestão clínica) deveriam ser vistos, sobretudo, como dinamizadores da mudança necessária pelo desafio que devem constituir para os HH públicos com diferente estatuto e que, como afirma ACF, há “necessidade de se «avançar para modelos onde a comparação seja feita, baseada na melhor evidência», e ainda que «haja cada vez melhor gestão, independentemente de ser pública ou privada”? Ora, como comparar, se o termo de comparação não existir?

Mas não é este o tema da minha escolha. Prefiro debruçar-me na afirmada «certeza» de que o modelo de financiamento por capitação «tende a construir sempre um modelo mais equilibrado na relação entre prestadores e financiadores»”. ACF guardou para si as razões em que se fundamenta e, pior do que isso, faz outras afirmações que carecem de ser compatibilizadas com aquela: i) “necessidade de se «avançar para modelos onde a comparação seja feita, baseada na melhor evidência»” (que não existe, pelo menos entre nós) ii) a necessidade de que “haja cada vez melhor gestão, independentemente de ser pública ou privada” iii) “a selecção adversa ou selecção de risco, isto é, «o comportamento incorrecto dos agentes», é actualmente «uma realidade que não vale a pena mistificar nem ocultar». Tal «pode acontecer entre hospitais e equipamentos públicos, entre hospitais e equipamentos privados, e até pode acontecer na relação entre público e privado»”.

Sabemos que o financiamento dos serviços de saúde por capitação, consistindo na atribuição de um montante proporcional à população abrangida, privilegia a eficácia, traduzida em ganhos de saúde para a população, independentemente dos cuidados que efectivamente lhe sejam dispensados. Será então lógico que o financiamento por capitação influencie a política e a estratégia na saúde a nível central, lá onde a rede de serviços a oferecer à população é definida e devia ser avaliada e ajustada, ou seja ao nível donde dimanam as decisões de criação dos recursos a disponibilizar, quer sejam recursos humanos quer equipamentos de saúde. Aí sim, não se compreenderia que não estivesse presente a preocupação de definir o “retorno para o Estado, algo como ganhos em saúde por euro gasto”, como diz o lisboaearredores, ainda que haja equilíbrios que não podem ser dispensados e que não permitem total “liberdade” de afectação dos recursos mobilizáveis, que a doença é um dado incontornável. Isto é, o retorno para o Estado é muito difícil de definir, como também reconhece o lisboaearredores.
Porém, à medida que nos aproximamos ou penetramos nos serviços prestadores de cuidados, qualquer que seja a área em que estes se situem (CSP, CH, CC) e ainda que a preocupação com o retorno dos recursos não possa ser afastada, parece forçoso reconhecer que o simples financiamento por capitação vai perdendo viabilidade por uma série de razões de que recordarei algumas seguidamente, parecendo preferível visar os mesmos objectivos por outra via, procurando um sistema temperado que acolha contributos que se mostrem adequados (e alguns poderão vir da capitação).

Assumo que o financiamento dos serviços de saúde por capitação se afirma, fundamentalmente, pela aptidão para recentrar o SNS na promoção de ganhos em saúde, privilegiando as modalidades de cuidados que mais o possam conseguir, em detrimento de outros que, com os mesmos recursos, possam ser disponibilizados a uma dada população. Sem excessiva preocupação de ser exaustivo, parece-me, no entanto, que há razões que afectam a viabilidade da distribuição dos recursos pelos serviços de saúde apenas por esse critério, e algumas assumem mesmo a natureza de pressupostos. Assim:
i) O financiamento por capitação exige das entidades financiadas a existência de real autonomia. Não só de escolha dos serviços capazes de produzir maiores ganhos em saúde para a população (razão primeira do sistema), mas também autonomia patrimonial entendida como separação do património do Estado que, à partida, parece não existir nos HH-EPE em que os sócios são o MF e o MS!. Os deficits eventualmente produzidos devem permanecer na esfera jurídica daquelas entidades, pois que se o Estado os assumisse e financiasse certamente não poderia fazê-lo com base em financiamento por capitação;
ii) O financiamento por capitação, para se manter integralmente, exige também que as entidades financiadas sejam gerais, da mesma amplitude que o SNS. Se assim não for – e diria que nunca é: os serviços estão organizados em rede, melhor dito, estão organizados em várias redes – ou as entidades financiadas se desviam da razão primeira do sistema de capitação ou terão que requisitar e pagar a outras entidades as prestações que, elas próprias, não puderem executar. Para o efeito também lhe não bastam os princípios do sistema de capitação: como se define o montante do pagamento?
iii) Mesmo em termos de equidade, o financiamento por capitação não resolveria nenhuma das assimetrias existentes – e que têm de ser reconhecidas porque são reais: diferenças de rendimento, vias de circulação, meios de transporte, concentração ou dispersão populacional, etc. – e que, no seu conjunto, constituem pesada renda de situação suportada pela população das regiões do interior nas quais, evidentemente, nunca se podem situar os nós de melhores recursos das diferentes redes que constituem os serviços de saúde.

Estas, como outras razões que me dispenso de abordar (responsabilidades de investigação e ensino, densidade tecnológica e respectivo custo, diferente de instituição para instituição, etc.), traduzem realidades que fazem apelo a compensações ou incentivos específicos que, pelo menos directamente, nada têm a ver com financiamento por capitação.
Por tudo isto a minha certeza não é tanta como a de ACF.
Depois do que precede é legítimo perguntar se o financiamento por GDH não tem também as suas limitações. É evidente que tem. Na minha opinião constituiu um avanço significativo no sentido de se abandonar o financiamento histórico, indefensável de todo por ser acrítico, estacionário e anquilosante. Mas não se atentou suficientemente que o financiamento por GDH corre o mesmo risco se permanecer o imobilismo que parece existir. Só recentemente surgiram os GDA (grupos de diagnóstico ambulatório) e, mesmo assim, sem diversidade e sobretudo sem a visibilidade que tiveram os GDH. Penso que não deveria repousar-se sobre o peso específico atribuído a cada GDH; antes deveria ser testado sistematicamente de forma a garantir a sua permanente actualização. Tudo isto e o mais que não digo passa por uma afirmação que me parece transparente, só falta assumi-la: o Estado não pode demitir-se de definir, avaliar e controlar. Não o fazendo, facilita-se o caminho para a chamada selecção adversa, de que fala ACF (selecção adversa e regulação), com o qual, neste ponto, estou em total acordo.
Aidenos

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3 Comments:

Blogger e-pá! said...

Sabendo que os Hospital de la Ribera é um dos Hospitais com financimento por capitação, e estando como referência fotográfica no post de aidenos, tive o cuidado de ler a entrevista à revista Gestão Hospitalar , do diretor egerente do Hospital de La Ribera em Valência D. Alberto Rosa Torner.
O cálculo dos custos por capitação fizeram-me lembrar (sei que não têm nada a ver) o custo público comparável das PPP's....
Cheira-me a engenharias financeiras...com custos que não se podem eternamente esconder...

Bem, depois é perder alum tempo com alguns artigos que explicam porque não há listas de espera cirúrgicas, etc.

Ou, então, dar uma vista de olhos pelo blog:

http://hospitaldelaribera.blogspot.com/

12:45 da tarde  
Blogger Joaopedro said...

Este pessoal ainda anda a ver o que lhe aconteceu


A ministra da Saúde, Ana Jorge, foi informada da confissão pública que o coordenador nacional da Missão para os Cuidados de Saúde Primários (MCSP), Luís Pisco, fez sobre a sua "incapacidade" em fazer avançar a reforma.
"Numa reunião geral da Missão, realizada no passado dia 7 de Abril, Luís Pisco não só declarou sentir-se incapaz de levar para a frente a tarefa da reconfiguração dos centros de saúde" como especificou, "por culpa própria", não ter "condições para ir ao encontro da implementação dos agrupamentos dos centros de saúde", lê-se nas cartas que os ex-responsáveis pela reforma enviaram a Ana Jorge, onde referem também que "ficou clara a divergência de fundo entre o coordenador e o resto da equipa". Estranham por isso que a ministra não tenha avaliado a importância das informações que lhe chegaram, optando por manter à frente da MCSP o coordenador que publicamente disse ser "incapaz".
JP 08.05.08

1:34 da tarde  
Blogger e-pá! said...

Caro João Pedro:

Os (dez)missionários começaram - como ameaçaram - a falar.

Logo, no dia em que, Constantino Sakellarides aceitou o convite para presidir ao Conselho Consultivo da Unidade de Missão dos CSP...

Interessante, promissor ou, se calhar, degradante?

6:08 da tarde  

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