quinta-feira, julho 3

Passaporte de Saúde

Mediana TE: England (4,2 semanas), Portugal (4,4 meses)
No início do ano, a Comissão Europeia deu a entender que não voltaria ao polémico dossiê até ao final do actual mandato, que termina em Agosto do próximo ano. Mas depois do não da Irlanda ao Tratado de Lisboa e a revolta dos cidadãos europeus, devido à crise económica, para a equipa de Durão Barroso qualquer acção que possa desviar a atenção é bem vinda.
Também a nova Comissária Europeia da Saúde, a cipriota Androulla Vassioliou, em funções desde Abril, anseia deixar marca.

Eis algumas das motivações que justificam a apresentação, hoje (02.07.08), em Bruxelas da proposta para os cuidados de saúde transfronteiriços. E a pergunta que se coloca, a partir de hoje, é quando ou se algum dia entrará em vigor.

De acordo com os termos desta proposta os cidadãos europeus têm direito a receber cuidados de saúde em qualquer dos 27 estados-membros da EU. Assim, caso seja aprovada, um doente português, por exemplo, para ultrapassar os longos tempos de espera do SNS, poderá buscar resposta em Inglaterra ou Dinamarca para a cirurgia que lhe haja sido prescrita. As despesas pagas à cabeça pelo utente, são posteriormente reembolsadas de acordo com as tabelas de comparticipação do país de origem. Só são reembolsados cuidados que o país de origem normalmente oferece aos seus cidadãos e cada estado membro pode recusar a admissão de cidadãos de outros países comunitários, se provar que o seu sistema de saúde já não comporta a admissão de mais doentes.

Será que vai sair daqui a ajuda decisiva para solucionar o problema crónico das listas de espera em Portugal? Não o creio.

Pedro Moreira

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6 Comments:

Blogger Clara said...

Cuidados de saúde transfronteiriços já se fazem desde há muito no nosso país.
Antes da actual lei era conhecido o corropio das nossa nacionais em direcção às clínicas do país vizinho para abortar.
Os portugueses recorrem também muito aos cuidados saúde primários contíguos à nossa fronteira com a vizinha Espanha.

O problema vai ser a anunciada criação de uma rede europeia de centros de referência por doenças, capaz de atrair os utentes com capacidade financeira suficiente pagar as despesas complementares, inerentes a estes cuidados.

Teremos então também ao nível da EU, utentes ricos a circular a caminho dos grandes centros de tratamento europeus e utentes pobres confinados à prestação de cuidados do seu país.

10:28 da manhã  
Blogger e-pá! said...

O fim dos mandatos políticos é sempre um problema. A tentação pelo chamado "bodo aos pobres" é irresistível.
O mesmo se passa com Durão Barroso, agravado com a hecatombe do Tratado de Lisboa. Já não chegava o resultado do referendo da Irlanda, nos últimos dias acrescentaram-se os problemas, no que diz respeito ao tratado, dos polacos (a recusa em assinar de Lech Kaczynski e checos (o presidente Lech Kaczynski considera o Tratado "morto").
A par com este "fim de festa" (Durão Barroso) há excitação neófita da Comissária da Saúde (Vassioliou) que pretende entrar em grande, acelerando e abrindo poeira.
A cooperação entre estados fronteiriços é uma situação que se compreende. Aliás, já não é uma questão inédita, nem para os portugueses, veja-se o caso dos partos em Badajoz.
Agora o "Passaporte de Saúde", europeu, levanta muitas questões.
Vejamos a seguinte parte do texto:
"De acordo com os termos desta proposta os cidadãos europeus têm direito a receber cuidados de saúde em qualquer dos 27 estados-membros da EU. Assim, caso seja aprovada, um doente português, por exemplo, para ultrapassar os longos tempos de espera do SNS, poderá buscar resposta em Inglaterra ou Dinamarca para a cirurgia que lhe haja sido prescrita."
Mais expedito não pode ser. Falta dizer que o dito cidadão europeu, por exemplo o doente português, ou se quisermos o "paciente inglês", que está pior em mediana tempos de espera cirúrgicos, ao dirigir-se ao outro País da UE, têm de pagar de adiantado, na hora, a intervenção cirúrgica a que for sujeito.
Começamos a perceber então, para que serve este "passaporte de saúde". Mais um fosso a separar os ricos dos pobres na UE. Mais um atropelo às questões de cidadania europeia. Já existe, na prática, 2 Europas, passará a haver dois tipos de cidadãos.

E o “esquema” prossegue, caritativamente.
"As despesas pagas à cabeça pelo utente, são posteriormente reembolsadas de acordo com as tabelas de comparticipação do país de origem".
Grande parte de nós - trabalhadores da área da saúde - integramos (enquanto durar) a ADSE, conhecemos as tabelas de comparticipações.
E a generalidade da população, no que diz respeito às comparticipações do SNS, a situação ainda é pior. É caricata.
Só para dar um exemplo - fora do contexto das LEC - o SNS, em regime de convenção ou de contrato com instituições privadas, por exemplo, com a especialidade de Fisiatria, comparticipa com 11 € (disse onze). Nem faço ideia a comparticipação de uma intervenção cirúrgica.
Se se quiser avançar neste campo haverá muito trabalho. Primeiro torná-lo equitativo e de utilização universal. Criar um Banco da Saúde?
É perguntar ao sr. Salvador Mello ou ao Sr. Ricardo Espírito Santo, eles podem estar interessados... Existirá aqui uma “janela de negócio”.
Depois, é necessário harmonizar e fazer convergir as tabelas de comparticipação a nível europeu. Se não até podemos cair no regime de promoções (vulgo "saldos").

Este "passaporte de saúde" é, para os portugueses, um "passaporte para o inferno", uma rota para cavar mais desigualdades e torná-las mais evidentes.

Não tenhamos dúvidas.

10:37 da manhã  
Blogger tambemquero said...

O objectivo é também criar uma rede europeia de centros de referência por doenças.
Sobre este assunto Maria de Belém, a presidente da comissão parlamentar de Saúde, deixou o alerta sobre a forma como se vai desenhar este mapa e as diferenças de influência dos vários Estados-membros.
E deixou outra preocupação: a do "risco de criar ainda mais assimetrias no acesso à saúde" em Portugal. "Circular no sistema [nacional] já é difícil." Tudo vai depender da forma como vai ser "operacionalizada a directiva".
JP 03.07.08

Partos em Badajoz, Cirurgia dos olhos em Cuba, os portugueses já estão habituados a este turismo em prol da sua saúde.
Concordo que se facilite o acesso transfronteiriço de doentes aos centros com melhor capacidade de resposta.
Também o acesso a serviços altamente altamente especializados não disponíveis nos estados membros (situação a que esta norma parece não se aplicar).
E pouco mais.
Deixar os sistemas de saúde dos estados membros expostos a uma concorrência feroz de cunho marcadamente mercantilista, comparticipados pelos nossos impostos, discordo de todo.

1:56 da tarde  
Blogger e-pá! said...

O GRANDE ENCÓMIO ...

HOSPITALIZAÇÃO PRIVADA CRITICA MINISTRA DA SAÚDE

O presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, Teófilo Leite, considera que "o recentrar no Serviço Nacional de Saúde" demonstrado pela actual ministra, Ana Jorge, em sucessivas atitudes assumidas desde que entrou no Governo, é "um erro grave" que pode sair caro a Portugal em breve.
"Há uma defesa intransigente do SNS com a lógica de investimento em estruturas megalómanas", lamenta Teófilo Leite, que classifica esta aposta como "um retrocesso". "Ou melhoramos rapidamente a prestação de cuidados no SNS ou os cidadãos vão atravessar a fronteira para depois mandar a factura para a ministra", avisa, aludindo à proposta de directiva sobre cuidados de saúde transfronteiriços ontem apresentada pela Comissão Europeia (ver pág. 14).
Ana Jorge "tem vindo a tomar posições como ministra do SNS quando entendemos que devia ser era ministra da Saúde", acrescenta Teófilo Leite, recordando que determinou o fim da única experiência de gestão privada de um hospital público (Amadora-Sintra) e que lamentou, em intervenção no Parlamento, que a ADSE tivesse celebrado um acordo com um hospital privado.
Anunciou ainda que, para além dos quatro hospitais já em fase de concurso, mais nenhuns do programa de parcerias público-privado incluiriam a área clínica na gestão privada. "O sector privado tem um papel de relevo no sistema de saúde português e, como tal, deve ser reconhecido", reclama.
A ministra da Saúde disse anteontem no Parlamento que não iria a um hospital privado em caso de acidente grave...

JP, 03.07.2008, Alexandra Campos.

COMENTÁRIO:

Em tempos, que já lá vão, existiu um ministro em Portugal que "jurou" nunca pôr os pés num SAP.

Os SAP's eram, de facto, estruturas deficientes para as missões que lhe estavam cometidas. De qualquer maneira faziam o melhor que podiam e sabiam e, para além disso, integravam o SNS.

Veja se descobre as diferenças...

2:19 da tarde  
Blogger Tá visto said...

Esta é seguramente uma questão polémica e, se vier a ser aplicada "tout court", vai cavar ainda mais o fosso entre países ricos/países pobres e entre cidadãos dentro de cada um deles, pois é evidente que serão essencialmente os de maiores rendimentos que irão procurar os serviços no exterior. Portanto, ou se estabelecem tempos de espera adequados e criteriosos por patologias, e só quando ultrapassados o utente pode recorrer a um serviço de saúde fora do país de origem, ou então do que se trata é de autênticos cheques-saúde que serão utilizados pelos cidadãos mais informados, geralmente os de maiores recursos, a deduzir nas despesas contraídas noutro país comunitário. Acresce dizer que, por pequenas que sejam as comparticipações, são divisas que saem do País de origem agravando o desequilíbrio nas contas públicas.

11:30 da tarde  
Blogger e-pá! said...

Caro tá visto:

Não foi essa (concordante com a que faz no comentário anterior) a "leitura" da presidente da Comissão Parlamentar da Saúde.
Entretanto, da parte do Ministério, devem estar a reflectir ou só responderão depois das eleições...

A Drª. Maria de Belém tentou deitar água na fervura…
Interpretou a nova directiva como uma tentativa de criar “rede europeia de centros de referência por doenças”.
Uma organização supranacional, inócua.

Mas não foi isso que a comissária da EU responsável pela saúde, Androulla Vassiliou, afirmou sobre a proposta a integrar a futura directiva:
Assim a proposta "tem como objectivo esclarecer de que forma os doentes podem exercer os seus direitos em matéria de cuidados de saúde transnacionais", e ao mesmo tempo "garantir a segurança jurídica necessária aos Estados-Membros e aos prestadores de cuidados de saúde".
São coisas substancialmente diferentes, com implicações distintas.

A grande finalidade da directiva ainda segundo as palavras de Androulla Vassiliou, será:
"a qualidade e a segurança dos cuidados de saúde sejam assegurados em toda a União e promove a cooperação entre os sistemas de saúde com o objectivo de melhorar o acesso aos cuidados especializados”.
Na verdade a directiva para além dos aspectos discriminativos já apontados, intromete-se na organização dos serviços de Saúde das nações que integram a EU dos 27.
Obrigam a rever estratégias de investimento, mexem com as políticas de inovação tecnológica, criam um grande mercado de saúde, com diferentes condições de concorrência e novas políticas de recursos humanos.

Deixam de fora muitas coisas. Entre elas a possibilidade do grande capital internacional criar “pólos de saúde” estrategicamente localizados, segundo critérios geográficos e demográficos. Onde o investimento corra menor risco.
E porque não se define, neste quadro de intercâmbio, qual o papel do sector privado, poderoso em diversos Estados-Membros, é de prever dificuldades de concertação entre as diferentes nações. Assim, o objectivo inicial de cooperação poderá estar seriamente comprometido.

Não existem as mínimas condições políticas e económicas para a criação de um mercado europeu de Saúde, tais as disparidades e diferenças de sistemas.
Isto, no aspecto técnico, porque no social as questões que se levantam são arrasadoras.
De facto, não vivemos em condições minimamente semelhantes nos 27 países da EU.
Mas não estamos a tentar criar uma “rede europeia de centros de referência por doenças”.

Quando muito,estaríamos a tentar reproduzir, na Europa, o que existe já nos EUA, como sejam Instituições do tipo Clínica Mayo, Hospital Monte Sinai, Children's Hospital Boston's , Massachusetts General Hospital etc., ou pior um ranking europeu para os melhores serviços ou os melhores hospitais.
Vejamos este exemplo de N Y, referente a 2006, onde se ordena os top 10 Hospitals:
1 New York–Presbyterian Hospital
2 Mount Sinai Medical Center
3 NYU Medical Center
4 Memorial Sloan-Kettering Cancer Center
5 Yale–New Haven Hospital
6 Montefiore Medical Center
7 Hospital for Special Surgery
8 Hackensack University Medical Center
9 North Shore University Hospital
10 Long Island Jewish Medical Center

É isso que queremos para a Europa?
É isto que pretendemos oferecer a uma população com graves carências em cuidados primários?
São estes “rankings” que a ERS tanto tem falado?

Drª. Maria de Belém, os tais centros de referência por doenças, em meio hospitalar, podem, quando muito, ser centros de vigilância epidemiológica e controlo de doenças.

Assim, perante coisas muito sérias, parece que andamos a “desconversar”.
Sem falar nos custos adicionais que esta medida poderá trazer aos orçamentos da Saúde dos diferentes Países.
É claro que alguns lucrariam e outros perderiam se esta directiva algum dia fosse aplicada.
Falta saber quem.
É um bom exercício de economia da Saúde que deixo à consideração dos especialistas.
Este documento faz-me lembrar a "Directiva Bolkstein para a Saúde".
Será?

12:16 da manhã  

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