sábado, setembro 20

Entrega aos privados


Irei ler com curiosidade e atenção o livro de CC, para já limito-me a fazer comentários sobre declarações da entrevista relativas ao sector hospitalar:

»» Mas acha que foi uma coincidência ou teve a ver com a empresarialização dos hospitais públicos durante o seu mandato e o crescente descontentamento dos médicos com a situação no Serviço Nacional de Saúde (SNS)?
Como é possível, se esses investimentos [os hospitais privados que abriram em Lisboa] começaram em 2001? Eu recebi em 2001 os promotores desses investimentos e avisei-os a todos que olhassem bem para o seu mercado.

»» Não acredita nos investimentos privados anunciados para os próximos anos?
Depende. Se o SNS for bem gerido e se ampliar a sua capacidade de execução, naturalmente que o sector privado actual é mais do que suficiente. Para mim não fazem sentido. Mas ninguém pode dizer com precisão o que vai acontecer daqui a dez anos. E, se não se fizer nada, não tenha dúvidas de que o SNS se deteriora.

»» No livro faz as contas e chega à conclusão que, em 2007, apenas terão transitado 500 médicos dos hospitais públicos para os privados. A verdade é que foi durante o seu mandato que a saída dos médicos se agudizou.
Houve uma coincidência com o surgimento, ao longo de dois anos, de dois hospitais em Lisboa com quase 700 camas. Reconheço que o ordenado de um médico num hospital é muito baixo. Ia fazer mudanças este ano criando mecanismos para encontrar um modelo que não tenha que utilizar a ficção das horas extraordinárias, com retribuições proporcionais ao desempenho.

Pelos vistos CC terá avisado os investidores privados do risco de mercado dos vultuosos investimentos hospitalares em curso. Até poderá ser verdade, mas o País de nada se apercebeu e, apesar dos alertas lançados de vários sectores sobre o risco que representava para o SNS a dimensão do investimento em curso, pondo em causa garantias constitucionais sobre o direito à saúde dos portugueses, o mais que se viu foi o Ministro da Saúde e o Presidente da República de braço dado com os representantes dos grupos económicos em inaugurações de hospitais privados. Simultaneamente, esses mesmos grupos contestavam o papel de complementaridade que a lei de bases da saúde lhes atribui dentro do modelo de Sistema de Saúde, procurando forçar um novo modelo assente na livre concorrência entre prestadores, remetendo o Estado para o papel de regulador e financiador quanto baste. E o que é que se ouviu da boca de CC sobre esta tentativa de subversão dos valores do nosso modelo de saúde? Que me lembre nada, tentou apenas desvalorizar as suas consequências.
Bem, poder-se-á argumentar que a iniciativa privada é livre e que competia tão só ao Ministro da Saúde preparar o sector hospitalar público para o embate que se adivinhava. Mas, para além da passagem do modelo de hospital SA para SPA, que reforma fez ou deixou preparada no sector hospitalar o ministério de CC? Instado sobre a fuga de médicos para o privado, vem agora reconhecer que o ordenado de um médico hospitalar é muito baixo e que tinha em vista fazer mudanças ao modelo de pagamento ajustando-o ao desempenho. Se foi capaz e se empenhou numa reforma dos cuidados primários que vem dando os seus frutos, por que razão descurou o sector onde a pressão dos privados mais se fazia sentir?

Não me parece pois que tenha havido da parte de CC a preocupação de preparar o SNS na área hospitalar para o futuro, o seu real objectivo era o da entrega progressiva ao sector privado, onde o modelo PPP pontificava, da componente hospitalar do SNS mantendo na esfera pública os universitários, por obrigação da formação e os hospitais da rede do SNS onde o interesse de mercado não fosse atractivo.
Estarei a ser injusto com CC? Admito que sim mas gostaria que mo provassem.

Tá visto

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7 Comments:

Blogger e-pá! said...

Interessante post de Tá visto!
Trata-se de uma questão que muitos trabalhadores da área da Saúde já terão colocado a si próprios.
É bom discutir estes problemas.

O Estado Liberal - como o PS está paulatinamente a modelar em Portugal – considera alguns sectores públicos uma carga insuportável. E um fardo que atrapalha.
No que diz respeito ao sector social é, ainda, menos condescendente.
Todos os dias nos recorda os custos da política social do Governo. Como se não cobrasse impostos e as prestações sociais fossem benesses, saídas dos bolsos dos governantes, assim do tipo um “bodo aos pobres”.

Sempre que arranja uma escapatória para fugir aos compromissos sociais assumidos, tenta enveredar por aí.

É o caso das PPP’s, não só nos Hospitais, como também nas SCUT’s e, no futuro, na Educação, na Segurança, na gestão de resíduos, na gestão energética, etc.

Estas PPP´s permitem aos Governos “antecipar obra” e transferir o seu pagamento para as gerações futuras (os prazos são muito diferidos no tempo). É como se eu resolvesse comprar um Rolls-Royce e diferisse o seu pagamento para daqui a 25 ou mais anos (endividando filhos, netos…).

As PPP’s deviam representar explorações de interesses comuns. Podem, ainda, ser apresentadas candidamente como “cooperações entre entidades públicas e privadas”.
Mas, na realidade, representam investimentos tendo por base a execução da obra por terceiros, depois de concurso público (o habitual nas Obras Públicas), depois da sua concepção detalhada (em Portugal seráassim?) e o pagamento diferido (cujos custos são sempre pouco transparentes).

Nos actos eleitorais são obra feita pelo Governo e os outros parceiros, que foram os operadores económicos e financiadores, ficam na “sombra”. São estas as regras do jogo.

Para as PPP’s concebidas para os HH’s – designadas como as “mais avançadas” – para além da construção, o Estado quis ir mais longe. Entregou, ao outro parceiro, a gestão clínica.
Ora, é aqui que a inocência morre.

O SNS é o prestador, por excelência, de cuidados de Saúde, segundo regras constitucionais. A actividade privada é complementar e “ocupa” as deficiências de uma prestação que devia ser universal.
As “PPP´s à portuguesa” rompem com este princípio. A gestão clínica é alienada, sem contratos correctamente elaborados (apesar dos faraónicos gastos em assessorias) correndo o risco de se tornar ruinosa e, por esse motivo, irreversível.
Pior, CC, sabe que os “novos prestadores” não têm experiência, nem quadros, nem outros recursos humanos.
CC, sabe, também, que os serviços públicos (SNS) vão ser canibalizados.
CC, sabe, que não tem capacidade reguladora, para fiscalizar este tipo de parcerias.

CC, que para além de ser professor de Economia da Saúde é licenciado em Direito, conhecia as implicações de tão complexo processo. E, neste caso, o “espírito causídico” latente, tentou enrolar o de economista, dando a volta ao texto. Da leitura dos extractos do seu livro, fica-se com a noção que se as PPP´s tornaram o SNS, vitima de uma feroz contenção orçamental, num quebra-cabeças.

CC, deve ter tido a noção que, inopinadamente, ao entrar no esquema de Luís Filipe Pereira, tinha sido conduzido a um “cul-de-sac”.
Na verdade, embora continue a pensar que CC não pretendia entregar de "mão beijada" o SNS à iniciativa privada, ele tinha a noção de que, com as “PPP’s à portuguesa” , estava a alterar, sem retorno possível, o paradigma do SNS.

Sabia mais. Que daí à entrega seria um passo, se nada se fizesse para corrigir a situação.
Mas nada nos aponta no sentido de que, ele próprio, poria fim ao cancro que tinha enxertado (de parceria com Luis Filipe Pereira) e ameaçava o SNS, i. e., acabar com as PPP’s à portuguesa e confiar na gestão pública.

12:21 da tarde  
Blogger tonitosa said...

Será preciso lembrar a CC os ataques que fez, metodicamente, aos médicos e ao enfermeiros?
Será preciso lembrar a CC que durante mais de um ano viveu de costas voltadas para os HH SA's só porque discordava do modelo?
Será preciso lembrar a CC que quando estava pacificada em quase todos os HH SA's a questão da remuneração das horas extraordinárias dos médicos foi ele quem determinou as alterações que estão na base da necessidade de contratação dos médicos/empresa com preços exorbitantes?
De boas intenções, Senhor ACC, está o inferno cheio.

12:33 da tarde  
Blogger Joaopedro said...

Excelente post do Tà visto

A publicação deste tipo de trabalhos tem sempre por objectivo o ajustamento de contas com o passado recente.

Sobre a questão dos privados como parceiros estratégicos, da privatização da Saúde como objectivo central da política de saúde levada a cabo por CC, ainda muito falta apurar, ainda muito se há-de escrever sobre o assunto.

São muitas as contradições constantes deste livro. Nomeadamente em relação à concessão do Amadora Sintra. Então não foi CC que repetidamente afirmou que a experiência do Amadora Sintra devia ser replicada.

Outra é a de ter combinado com o primeiro ministro cumprir apenas dois anos de governação, ficando para além disso por a reforma estar ainda pouco madura. Acabando a sua saída por ser negociada com José Sócrates.
Para quê tanto filme acerca desta matéria. Ficou claro aos olhos de todo o mundo que CC saiu empurrado pelo primeiro ministro.

Na altura certa.
Se tem ficado, teríamos nesta altura, entre muitas outras coisas, o contrato de concessão do Amadora Sintra renovado. Estou convicto disso.

1:22 da tarde  
Blogger tambemquero said...

Pai” do SNS questiona diginidade de médicos que trabalham para empresas de serviços

António Arnault, autor da lei que criou o Serviço Nacional de Saúde (SNS), está preocupado com o estado “comatoso” em que se encontra a Saúde em Portugal e acusa os médicos que trabalham através de empresas de “falta de dignidade”.

Em entrevista à Lusa, António Arnault questionou a “dignidade da função” de médico dos profissionais que são colocados nos hospitais públicos por empresas que vendem serviços médicos como poderiam fornecer os préstimos de “canalizadores”.

“Os médicos estão a degradar-se”, denunciou, considerando que a culpa não é dos clínicos, mas sim de “um conjunto de circunstâncias”, com o qual os sucessivos governos têm sido “coniventes”.

António Arnault, que é o autor da lei que criou o SNS, através do decreto-lei 56/79, quando era ministro dos Assuntos Sociais, com a tutela da pasta da Saúde, responsabiliza o ex-ministro da Saúde António Correia de Campos de dar “a machadada final” no sistema, ao “acabar com as carreiras médicas”.
Remuneração, carreiras e condições de trabalho

“Sem a segurança de uma carreira no Estado, os médicos perderam a sua estabilidade funcional”, disse. Esta situação, que se aliou à redução da “formação” de médicos, que resultou nos números “clausus”, veio “esvaziar o SNS de massa humana”, prosseguiu.

Para António Arnault, a saúde está em coma, mas “ainda é possível fazer alguma coisa”. A solução passa, na sua opinião, por três respostas da tutela: restabelecimento das carreiras médicas, remuneração condigna e condições de trabalho.

O socialista está convicto de que, “se tiverem condições”, os médicos “regressarão ao SNS”.
JP 21.09.08

1:51 da tarde  
Blogger tambemquero said...

O bastonário da Ordem dos Médicos considerou que os médicos não estão na base da «desagregação» do Sistema Nacional de Saúde e que são os políticos que têm de pedir desculpa pelos erros cometidos ao longo dos anos.

Em declarações à TSF, Pedro Nunes considerou que «seria de bom-tom» o antecessor de Ana Jorge na pasta da Saúde, Correia de Campos, «assumir essas responsabilidades» no quadro dos problemas do SNS.

Numa resposta às declarações do criador do SNS, este bastonário pediu ainda a António Arnault para «apontar o dedo efectivamente a quem tem responsabilidades, aqueles que defenderam que o SNS não devia ser gerido pelos médicos, não deveria resultar de medicina e de saúde, mas sim de uma cultura gestionária».

Pedro Nunes adiantou ainda que a Ordem dos Médicos está a preparar um projecto de carreiras e que se impõe uma reforma do Sistema Nacional de Saúde, algo que a Ordem tem defendido há muitos anos.

«Hoje está perfeitamente à-vontade porque disse-o antes de todos os outros e só vê agora todos os outros a dizer aquilo que a Ordem diz. A Ordem não faz leis, nem vai seguramente criticar os colegas pelo facto de terem feito aquilo que quem governou lhes pediu para fazer», acrescentou o bastonário.
TSF 21.09.08

7:18 da tarde  
Blogger Tá visto said...

O Dr. Pedro Nunes a falar em defesa do SNS faz-me lembrar, pela pose e pela verve, o "Banqueiro Anarquista" de Fernando Pessoa. Para quem não conhece a obra, cuja leitura recomendo, o dito banqueiro, questionada por alguém que o conheceu nos seus tempos de anarquista, utilizando uma argumentação difícil de desmontar, continua a defender os seus ideais apesar de toda uma prática que o erigiu á condição de banqueiro rico e anafado.

8:17 da tarde  
Blogger e-pá! said...

"Pedro Nunes adiantou ainda que a Ordem dos Médicos está a preparar um projecto de carreiras e que se impõe uma reforma do Sistema Nacional de Saúde, algo que a Ordem tem defendido há muitos anos."

Penso que o Dr. Pedro Nunes não desejará comprar uma guerra com os sindicatos médicos...

O tal projecto que a OM está a preparar sobre as carreiras médicas pode entrar em choque com a estratégia de negociação dos sindicatos. Negociação que já começou.
Era bom, portanto, que a OM procurasse os Sindicatos, concertasse posições, antes de se lançar nesta empresa.
Não vamos voltar aos tempos do Dr. Gentil Martins onde se tentou confundir as funções e competências da OM com as dos Sindicatos.
Por exemplo: um dos pontos fulcrais desta negociação são os contratos colectivos de trabalho.
A OM acha que tem algum palpite a dar sobre esta matéria?

Finalmente, o SNS. A reforma do SNS é um assunto central da política social de qualquer Governo. Claro que diz respeito a todos os portugueses e estes, individualmente ou através das suas organizações, têm uma palavra a dizer.
Mas que eu saiba, este assunto, não está na agenda governamental, nem faz parte do programa deste Governo.
Por outro lado, penso que existe uma questão de timing. Primeiro, deverá ser feito um balanço da execução do actual PNS que termina em 2010. Depois, detectar os erros, as insuficiências, os incumprimentos e, finalmente, reformar.

Neste momento, o SNS está sobre a vigilãncia apertada dos portugueses, sob o "fogo" de um Sector Privado em meteórica expansão, debaixo da mira política dos neo-liberais e, em consequência, deverá mostrar eficiência de gestão e bons resultados clínicos.

Terão existido re-estruturações (não verdadeiras reformas) como nos CPS, nas Maternidades e na rede de Urgências, mas quando se fala em "reforma do SNS" o primeiro receio é que o seu paradigma seja adulterado nos princípios basilares: equidade, universalidade e tendencialmente gratuito.

Penso que a OM não deverá adiantar-se nestes terrenos.
Poderá, isso sim, incentivar a sua discussão internamente. Ganhar "massa crítica".

1:39 da tarde  

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