Comparticipar medicamentos por valor fixo ou % ?
O nosso amigo É-pá contestou a (possível) comparticipação de medicamentos por valor fixo, socorrendo-se de opinião do ilustre economista Pita Barros e argumentando que o “… valor fixo a pagar é aviltante em termos de justiça social… custará o mesmo para o pedinte da rua como, por exemplo, o Governador do banco de Portugal”. Considero que este assunto, pela sua importância económico-social, merece a nossa atenção pelo que decidi aduzir algumas reflexões.
1º Medicamentos: que mercado?
Quando os consumidores não escolhem directamente o produto antes um seu agente, como é o caso dos medicamentos que exigem receita médica, a ponderação do preço perde relevo, sobretudo quando o pagamento principal é transferido para uma entidade difusa e longínqua para muitos (o Estado). Então os Laboratórios tendem a investir, pesadamente, em marketing junto dos decisores/prescritores tentando reforçar a sua fidelidade ao produto supostamente superior em aspectos clínicos.
Assim na prescrição em ambulatório aquele mkt reforça a insensibilidade ao preço de quem decide – dirão os economistas que se reduz a elasticidade preço. Na ausência de outros constrangimentos, como seja a pressão dos doentes e, sobretudo, dos pares (aqui por ex. através de formulários ou listas recomendadas), é fácil ser simultaneamente o mais caro e mais vendido – o que se passa hoje em inúmeros medicamentos em Portugal.
No mercado hospitalar a pressão dos pares (e do orçamento) exige um mkt mais dirigido a quem decide a inclusão nos formulários e a aceitação de justificações. Assim não é de estranhar que os preços sejam substancialmente inferiores aos do ambulatório, mesmo depois de retirado o efeito da dimensão das embalagens. Compreende-se por isso a receptividade à unidose das novas farmácias a instalar nos hospitais: a diferença de preço entre os 2 mercados e o menor desperdício de quantidades permitem maior margem com melhor serviço prestado.
Mas é sobre o ambulatório e sua comparticipação que há que reflectir. Aqui as variáveis são a posição do medicamento (mkt) e o valor da comparticipação. Quanto maior for esta, menor a elasticidade preço e maior pode ser o ganho, seja o medicamento um genérico ou não – permitindo ao Laboratório um preço alto e uma quantidade vendida elevada. Eliminar a comparticipação forçaria a baixa de preço (ou a saída do mercado), mas também provocaria menor acesso ao medicamento, pois o doente pagaria muito mais.
2º Comparticipação em %
Quando a comparticipação é em % o doente e o Estado pagam mais nos medicamentos mais caros e menos nos mais baratos, o que em minha opinião não será muito equitativo:
Doente paga mais, mesmo que o não deseje, porque outrem decide influenciado pelo mkt;
Estado, seja todos os contribuintes, paga mais mesmo que os medicamentos tenham iguais qualidades - desde que os Laboratórios mais invistam em mkt - sem benefício acrescido para a comunidade.
Neste regime a concorrência pelo preço actua pouco pelo que não é difícil que alguns medicamentos sejam campeões de vendas em quantidade tendo o maior preço. Também por isso alguns genéricos podem ter preço superior aos restantes medicamentos e vender maior quantidade ou terem preços largamente superiores aos doutros países. Cito Hipólito Aguiar (DE, 10.09.08) link: “… genéricos comparativamente a outros países, continuam a ter preços altos no nosso país. Por exemplo, o Omeprazol e a Sinvastatina, as duas substâncias mais vendidas em Portugal, custam MAIS DO DOBRO daquilo que custam em Espanha”.
Com estes preços altos beneficiamos os laboratórios com melhor mkt e incentivamo-los a melhorá-lo mais, à custa de gasto excessivo para os doentes e para o Estado.
Seja qual for o medicamento prescrito o doente paga o mesmo seja o É-pá ou o Governador do Banco de Portugal, o que não se altera se a comparticipação passar a ser fixa.
3º Comparticipação por valor fixo
A comparticipação por valor fixo, ex. 37% com limite de 10 euros no medicamento “bemboatina”, pode provocar maior concorrência e produzir aproximação progressiva aos preços de Espanha. Porque o medicamento campeão passaria a exigir ao doente um pagamento muito maior, dado que a comparticipação é menor, o Laboratório sente a muito maior elasticidade e tenderá a baixar o preço porque: o doente pressiona o médico ou recusa o aviamento pelo pagamento muito maior; o médico fica mais sensível aos argumentos do doente face aos do delegado de informação; outros laboratórios já baixaram o preço.
PPB tem razão ao apontar o acréscimo de gasto para o doente numa primeira fase, como também tem ao defender a introdução doutras medidas. link Porém o doente depois pode recuperar com vantagem esse acréscimo inicial e passar a participar mais na decisão de prescrição. O Estado reduzirá o montante acrescido da sua despesa conseguindo o ajustamento do preço face a países mais ricos.
Qual será o ganho global para a comunidade, digamos ao fim de 2 anos, e como se repartirá entre os doentes e o Estado? Tudo dependerá em cada medicamento de:
Valor da comparticipação fixa e seu ajustamento, nem muito elevado porque não provocaria mudança alguma, nem demasiado baixo para evitar efeitos perversos;
Reacção da indústria - concorrência pelo preço e descontinuar produtos;
Reacção dos prescritores e dos doentes.
4º Conclusões
Em abstracto a medida é defensável e beneficiará tanto os doentes como a sustentabilidade do SNS;
A medida faz sentido numa perspectiva evolutiva de intervenção do mercado em que se partiu de uma situação fortemente negativa em medicamentos – maior gasto em % do PIB, preços mais elevados que noutros países com incentivos perversos (para a manutenção ou subida), elevado desperdício em quantidades, genéricos com quota reduzida, …– e em que os MS intervieram de modo a “dar um tempo” à indústria para se ir ajustando;
Em concreto o impacto da medida irá depender do ajustamento daquele valor fixo, podendo trazer, ou não, algumas consequências negativas numa fase inicial para os doentes.
1º Medicamentos: que mercado?
Quando os consumidores não escolhem directamente o produto antes um seu agente, como é o caso dos medicamentos que exigem receita médica, a ponderação do preço perde relevo, sobretudo quando o pagamento principal é transferido para uma entidade difusa e longínqua para muitos (o Estado). Então os Laboratórios tendem a investir, pesadamente, em marketing junto dos decisores/prescritores tentando reforçar a sua fidelidade ao produto supostamente superior em aspectos clínicos.
Assim na prescrição em ambulatório aquele mkt reforça a insensibilidade ao preço de quem decide – dirão os economistas que se reduz a elasticidade preço. Na ausência de outros constrangimentos, como seja a pressão dos doentes e, sobretudo, dos pares (aqui por ex. através de formulários ou listas recomendadas), é fácil ser simultaneamente o mais caro e mais vendido – o que se passa hoje em inúmeros medicamentos em Portugal.
No mercado hospitalar a pressão dos pares (e do orçamento) exige um mkt mais dirigido a quem decide a inclusão nos formulários e a aceitação de justificações. Assim não é de estranhar que os preços sejam substancialmente inferiores aos do ambulatório, mesmo depois de retirado o efeito da dimensão das embalagens. Compreende-se por isso a receptividade à unidose das novas farmácias a instalar nos hospitais: a diferença de preço entre os 2 mercados e o menor desperdício de quantidades permitem maior margem com melhor serviço prestado.
Mas é sobre o ambulatório e sua comparticipação que há que reflectir. Aqui as variáveis são a posição do medicamento (mkt) e o valor da comparticipação. Quanto maior for esta, menor a elasticidade preço e maior pode ser o ganho, seja o medicamento um genérico ou não – permitindo ao Laboratório um preço alto e uma quantidade vendida elevada. Eliminar a comparticipação forçaria a baixa de preço (ou a saída do mercado), mas também provocaria menor acesso ao medicamento, pois o doente pagaria muito mais.
2º Comparticipação em %
Quando a comparticipação é em % o doente e o Estado pagam mais nos medicamentos mais caros e menos nos mais baratos, o que em minha opinião não será muito equitativo:
Doente paga mais, mesmo que o não deseje, porque outrem decide influenciado pelo mkt;
Estado, seja todos os contribuintes, paga mais mesmo que os medicamentos tenham iguais qualidades - desde que os Laboratórios mais invistam em mkt - sem benefício acrescido para a comunidade.
Neste regime a concorrência pelo preço actua pouco pelo que não é difícil que alguns medicamentos sejam campeões de vendas em quantidade tendo o maior preço. Também por isso alguns genéricos podem ter preço superior aos restantes medicamentos e vender maior quantidade ou terem preços largamente superiores aos doutros países. Cito Hipólito Aguiar (DE, 10.09.08) link: “… genéricos comparativamente a outros países, continuam a ter preços altos no nosso país. Por exemplo, o Omeprazol e a Sinvastatina, as duas substâncias mais vendidas em Portugal, custam MAIS DO DOBRO daquilo que custam em Espanha”.
Com estes preços altos beneficiamos os laboratórios com melhor mkt e incentivamo-los a melhorá-lo mais, à custa de gasto excessivo para os doentes e para o Estado.
Seja qual for o medicamento prescrito o doente paga o mesmo seja o É-pá ou o Governador do Banco de Portugal, o que não se altera se a comparticipação passar a ser fixa.
3º Comparticipação por valor fixo
A comparticipação por valor fixo, ex. 37% com limite de 10 euros no medicamento “bemboatina”, pode provocar maior concorrência e produzir aproximação progressiva aos preços de Espanha. Porque o medicamento campeão passaria a exigir ao doente um pagamento muito maior, dado que a comparticipação é menor, o Laboratório sente a muito maior elasticidade e tenderá a baixar o preço porque: o doente pressiona o médico ou recusa o aviamento pelo pagamento muito maior; o médico fica mais sensível aos argumentos do doente face aos do delegado de informação; outros laboratórios já baixaram o preço.
PPB tem razão ao apontar o acréscimo de gasto para o doente numa primeira fase, como também tem ao defender a introdução doutras medidas. link Porém o doente depois pode recuperar com vantagem esse acréscimo inicial e passar a participar mais na decisão de prescrição. O Estado reduzirá o montante acrescido da sua despesa conseguindo o ajustamento do preço face a países mais ricos.
Qual será o ganho global para a comunidade, digamos ao fim de 2 anos, e como se repartirá entre os doentes e o Estado? Tudo dependerá em cada medicamento de:
Valor da comparticipação fixa e seu ajustamento, nem muito elevado porque não provocaria mudança alguma, nem demasiado baixo para evitar efeitos perversos;
Reacção da indústria - concorrência pelo preço e descontinuar produtos;
Reacção dos prescritores e dos doentes.
4º Conclusões
Em abstracto a medida é defensável e beneficiará tanto os doentes como a sustentabilidade do SNS;
A medida faz sentido numa perspectiva evolutiva de intervenção do mercado em que se partiu de uma situação fortemente negativa em medicamentos – maior gasto em % do PIB, preços mais elevados que noutros países com incentivos perversos (para a manutenção ou subida), elevado desperdício em quantidades, genéricos com quota reduzida, …– e em que os MS intervieram de modo a “dar um tempo” à indústria para se ir ajustando;
Em concreto o impacto da medida irá depender do ajustamento daquele valor fixo, podendo trazer, ou não, algumas consequências negativas numa fase inicial para os doentes.
Hermes
Etiquetas: Hermes
11 Comments:
Expliquem-me como se eu fosse muito burro: O preço de referência já não é um preço fixo?
Se é, qual é a diferença entre isso, e comparticipar um preço fixo?
Se querem baixar os custos, é muito fácil: Reduzir o preço de referência para o genérico mais baixo e não o mais caro, como hoje acontece!
Caro farmasa
A questão sobre que quis fomentar a reflexão não era bem essa…
Parece-me que comparticipar com base no preço de referência do genérico mais caro não é o mesmo que ter um valor fixo de comparticipação. Porque o preço daquele pode variar e permite a situação actual: ter genéricos mais caros que os não genéricos, alguns com preço duplo dos preços de Espanha. Provavelmente o valor de referência situar-se-á, por referência a um preço entre o genérico mais caro e o mais barato.
Por outro lado alguns medicamentos não têm genérico alternativo e aí o valor fixo terá que ser encontrado doutra maneira. Ou não … nesses medicamentos não sei o que se prevê, li o mesmo que o e-pá - a notícia do Diário Económico de 12 Setembro. link
E que tal seria simplesmente eliminar o marketing junto dos decisores como forma de (também) controlar os custos. Porque o consumidor paga tudo, até o marketing que neste caso me parece francamente imoral porque ainda por cima anda disfarçado de informação "científica"...
Caro Hermes:
A notícia do DE dizia:
"Os remédios vão ser comparticipados com um valor fixo, independentemente do seu preço".
Esta especificação "independentemente do seu preço" o que quer dizer?
Será o preço de referência do genérico mais barato?
Será um preço arbitrário?
E os novos medicamentos que não têm genéricos?
Porque razão os medicamentos genéricos vão ter no Infarmed uma tramitação agilizada e simplificada?
Estas "facilidades" garantem os controlos de qualidade?
Ou o tema do DE não será um anúncio serôdio de algo que não está ainda suficientemente estudado?
Ou é um "balão de ensaio" para ver a reacção da Apifarma, sindicatos, etc.?
No final do dia de ontem tivemos um pequeno problema com o funcionamento do saudesa, o que, naturalmente, prejudicou a postagens dos comentários.
Pelo contratempo, as nossas desculpas.
(...) 2. Os medicamentos que estão dentro dos Grupos Homogéneos, ou seja, aqueles que concorrem com os genéricos, vão passar a ser comparticipados em função de um valor fixo e não de uma percentagem sobre o preço individual de cada medicamento.
3. Todos os remédios são abrangidos pelo novo regime?
A mudança no modelo de comparticipações aplica-se apenas ao grupo de medicamentos onde há concorrência com os genéricos (os Grupos Homogéneos). Este grupo representa cerca de metade do número de medicamentos no mercado total, mas não há dados disponíveis para o valor deste grupo, em termos de facturação. Em tese, o valor de mercado deste conjunto de medicamentos deve ser menor do que o da outra metade, uma vez que, no conjunto de medicamentos que não têm a concorrência dos genéricos, encontram-se os remédios inovadores – ou seja, os mais recentes e, consequentemente, mais caros.
4. Esta medida vai afectar os preços dos restantes medicamentos?
À partida, não. Embora seja possível pensar que o Governo possa querer atribuir um valor fixo à comparticipação de todos os outros medicamentos, as fontes contactadas pelo Diário Económico consideram que a medida só é possível em teoria, porque implicaria uma mudança tão violenta que equivaleria a mudar todo o sistema, não sendo fácil calcular o seu impacto.(...) link
A minha questão é a seguinte:
Dado que a implementação desta medida comporta riscos elevadíssimos, conhecida a desastrada veia comunicacional do MS (que continua) o que se pretende com o anúncio desta medida?
Limitá-la aos grupos homogéneos?
Não há que temer a reacção da Indústria pois escrevia um leitor do DE num comentário:
«Nos países onde a quota de mercado dos MG`s é um exemplo de inteligência, as companhias continuam a investir no R&D. O facto de os médicos, inteligente e racionalmente, prescreverem genéricos faz, ao contrário da barbaridade que escreve, com que as companhias se sintam pressionadas a investigar novas moléculas (e não a vergonha das novas formas de apresentação que apenas servem para "fugir" aos genéricos. Essas, as vergonhosas, deviam ser - TODAS - impedidas de poluir o mercado. »
Caro É-pá
A minha reflexão visava analisar se haveria, ou não, melhorias de sustentabilidade, com ou sem problemas adicionais na equidade, com a mudança (possível) que nos foi dada a conhecer pela notícia publicada pelo DE. Continuo a achar que a medida pode ser positiva em ambas as variáveis sem qualquer consequência negativa na qualidade – dependendo do valor fixado pode haver, ou não, pequeno aumento inicial no valor a pagar pelos doentes.
Na notícia anunciava-se a mudança apenas para os grupos homogéneos –“…medicamentos que servem para a tratar a doença e no qual existem genéricos… representam cerca de metade do nº de medicamentos …valor de mercado deve ser menos que metade do mercado”. Referia depois que aqueles medicamentos vão passar a “… ser comparticipados em função de um valor fixo e não de uma % sobre o preço INDIVIDUAL de cada medicamento” e que “…o objectivo é que os genéricos concorram pelo preço”. Assim podemos concluir que a medida em estudo se cinge aos medicamentos em que há genéricos e que se visa a concorrência - diria eu para evitar que tenhamos genéricos tão caros, chegam a ser duplos dos de Espanha, e em substituição da baixa de preços imposta para o período até 31 dez 2008. Portanto para mim a sua questão foi respondida no artigo do DE.
Na minha reflexão quis questionar se a medida em toda a amplitude possível – universo dos medicamentos comparticipados – não devia ser aplicada. Esta extensão justifica-se por si numa reflexão de blogue mas a verdade é que o próprio artigo já a deixava antever como possível, talvez para mais tarde (cito o DE questionando-se e respondendo a si próprio):
“Esta medida vai afectar os preços dos restantes medicamentos? Á partida não. Embora seja possível pensar que o governo possa querer atribuir um valor fixo à comparticipação de TODOS os medicamentos,…”.
Na reflexão quis mostrar que a comparticipação por valor fixo baixará o preço de todos os medicamentos comparticipados (do grupo) – via concorrência e efeitos das reacções das pessoas e empresas envolvidas. Naturalmente se a medida fosse aplicada a todos os medicamentos comparticipados, embora o que foi anunciado no artigo visava apenas os que tivessem genéricos, o valor de referência a determinar para cada grupo deve variar e não poderá ser o do genérico mais barato – porque nalguns casos não haveria genéricos e noutros não seria o mais apropriado.
A evidência empírica sobre os efeitos de preços de referência tem sido difícil de obter, já que normalmente a sua introdução é acompanhada de outras medidas de reforma. Como é natural, uma proporção substancial dos estudos
sobre preços de referência tem focado no seu impacte sobre a despesa em medicamentos e sobre o seu preço.
Em termos de efeitos avaliados empiricamente, a evidência disponível sugere que há poupanças de curto prazo mas as poupanças a longo prazo não são significativas.
Essencialmente, o crescimento da despesa em medicamentos encontra-se
sobretudo associado com a introdução de novos produtos, pelo que os preços referência ao serem aplicados a medicamentos já existentes no mercado, afectam o nível da despesa num determinado momento mas não a dinâmica de crescimento subjacente. Por outro lado, deve-se ter em atenção
que a comparação correcta não é entre crescimento da despesa antes e depois da introdução de preços de referência, mas entre o crescimento observado com preços de referência e o crescimento que ocorreria na ausência de preços de referência.
Uma questão geral que por vezes é colocada como objecção aos argumentos apresentados é: será que a existência de concorrência afecta mesmo os preços dos medicamentos, quando estes são escolhidos pelas companhias
farmacêuticas? A resposta é, na medida da evidência disponível, afirmativa.
A instituição de preços de referência é uma medida com
forte sentido económico caso as companhias farmacêuticas tenham plena liberdade na sua estratégia de fixação de preços.
Num contexto de determinação administrativa de preços de medicamentos, tal como ocorre em vários países, nomeadamente Portugal, a ordenação das várias alternativas, em termos de contribuição para contenção de custos, modifica-se relativamente à situação de livre estabelecimento de preços.
Em concreto, a criação de uma lista de medicamentos comparticipados, não recebendo os restantes qualquer comparticipação, assegura uma menor
despesa global (e para a entidade comparticipadora) do que a instituição de preços de referência.
Ou seja, a importação “cega” de medidas aplicadas noutros contextos pode, neste caso, redundar numa escolha de medida menos adequada do que outra alternativa.
Um sistema de preços de referência actua sobretudo através da pressão
concorrencial para preços mais baixos. Se o crescimento nos custos com medicamentos não resulta de preços elevados mas de um excesso de prescrição, o efeito de contenção de custos será necessariamente mais limitado (embora possa ser não dispiciendo em valor absoluto). Por outro lado, existirão efeitos tanto mais significativos quanto maior for a diferença depreços entre medicamentos equivalentes.
Discutiram-se igualmente os problemas associados com a avaliação dos efeitos da introdução de preços de referência, concluindo-se pela ausênciade estudos públicos que apresentem evidência empírica das suas vantagens(e desvantagens).
Assim, a adopção de preços de referência em Portugal, possibilidade quetem sido por vezes noticiadas na imprensa, constitui um “salto no escuro,”baseado em princípios económicos, mas sem uma quantificação adequada.
Adicionalmente, não é claro que a mera exclusão de medicamentos do
sistema de comparticipação não gere poupanças de custos (o que não
acontece num contexto de liberdade de estabelecimento de preços).
Pedro Pita Barros, "Aspectos económicos da escolha do sistema de comparticipação de
medicamentos"
Em Portugal, tem prevalecido a opção pelo preço fixo do medicamento, através da acção reguladora do Estado.
Este papel regulador é responsável quer pela contenção do aumento do preço dos medicamentos – com vantagens para os utentes e para o Estado, quer pela igualdade de custos para todos os utentes.
A fixação de uma comparticipação por valor fixo, não implicará a implementação de um sistema de preços variáveis dos medicamentos para que possa haver vantagem económica efectiva com a implementação do novo sistema, através da concorrêmcia entre laboratórios?
ASSOCIAÇÃO MACABRA...
Nos últimos tempos a fixação de preços dos medicamenos levou a uma estranha e aberrante associação com a evolução dos preços dos combustíveis (estes são preços livres e "vigiados" pela Autoridade da Concorrência, não são?)
Nuns sobe a gasolina para baixar o gasóleo, noutros fixam-se (independentemente do custo) nos genéricos que são considerados preços de referência (ou não, não compreendi ainda), e em compensação libertar(?), a comparticipação dos novos medicamentos (geralmente de elevado custo) ou, então, permitir a fixação do preço ad hoc, ou, p. exº., de acordo com a quota de mercado e dos ganhos estimados pela Indústria. É neste últimos que entra a história do pedinte e do Governador do Banco de Portugal (este, porque é das poucas pessoas, em Portugal, que trabalhando numa instituição pública, fixa o seu vencimento).
Caros amigos
Muito obrigado pelos vossos comentários e achegas. Tudo considerado creio que podemos concluir que o afirmado quanto à comparticipação por valor fixo se mantém válido. Nesse regime os preços de cada medicamento podem variar, dentro do condicionalismo legal, mas a comparticipação atribuída a cada grupo homogéneo tem um valor fixo seja qual for o preço do medicamento que for aviado.
Penso igualmente que vale a pena sublinhar o seguinte:
a) Esta medida visa estimular a concorrência pelos preços e, especificamente, pode usar-se para evitar a manutenção de genéricos a preço demasiado elevado. Os seus efeitos far-se-ão sentir noutros medicamentos do grupo homogéneo, através dos efeitos da concorrência e de reacção doutros envolvidos (doentes, prescritores).
Será possível comparticipar por valor fixo sem efectuar grandes mudanças na legislação existente quanto a preços- ex. preços máximos e baixa automática de preços de genéricos.
b) Concordei com as observações de PPB: quanto á medida e possíveis efeitos a curto prazo; quanto à necessidade de outras medidas. Dependendo das componentes do problema que se quer atacar (eliminar, minorar, controlar) outras medidas se podem tomar (em complemento ou alternativa) no SNS, como sejam: definição de listas de medicamentos positivas e negativas; prescrição electrónica com apoio à decisão; formulároios para internamento E ambulatório; orçamentos associados à actividade para Serviços.
c) Finalmente não cabe na cabeça de ninguém admitir que as medidas a tomar nos medicamentos, dada a delicadeza e imprtância desta área, não serão integradas em plano de actuação global e de prazo longo. Essa minha convicção assenta em que o "dono da obra" actual (SEAS) é especialista nesta área e que afirmou, no artigo do DE que vimos analisando, que "não há limite para as medidas a tomar pelo MS...".
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