sexta-feira, setembro 19

O modelo hospitalar no SNS


Evolução para um modelo competitivo

Sou mais um a render-me ao padrão de qualidade que o tá visto tem trazido ao Saudesa. Para ilustrar esse padrão, serve-me, entre outros exemplos que poderiam citar-se, o conspícuo entendimento da reclamação de António Ferreira por “Maior autonomia de gestão para os hospitais públicos” (Post de 15.09.2008) link. Estou, na generalidade, de acordo com o raciocínio que o tá visto explicita e reconheço a pertinência da interrogação que nos apresenta: “Irá este modelo hospitalar assegurar-nos melhores ganhos em saúde?”. Estou, porém, convencido de que o esforço de sintetizar, será o responsável por terem ficado na penumbra alguns pontos que ajudarão à resposta.
Sabemos que o modelo social europeu consagra o direito à saúde, “por o pagamento estar sempre assegurado pelo terceiro pagador”, independentemente da opção pelo modelo de organização do sistema de serviços de saúde e da evolução registada quer nos modelos Beveridgianos quer nos de tipo Bismarckiano. Não interessará agora determo-nos na consideração das vantagens e desvantagens destes modelos porque temos uma opção constitucional que, além de prever um SNS universal, geral e tendencialmente gratuito, deixa subsistir, ao lado do SNS, instituições de saúde privadas e reserva para o Estado a responsabilidade de “Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade (n.º 3, alínea d) do art.º 64.º da CRP), tal como já tentei evidenciar (post "A predominância do SNS", de 20.06.08) link.
Acresce que essa opção parece-me a melhor; como disse M. Tatcher, “at its best the NHS is the best”. O grande problema é que o nosso SNS está muito longe de atingir o seu melhor, e sabemos que nesse percurso para “assegurar-nos melhores ganhos em saúde” o contributo dos HH será a parte menor. Diz quem sabe, que não eu, que a imensa maioria (mais de 95%) das situações não deveriam chegar à porta do Hospital. Mas, sem esquecer a importância da intervenção nessas outras áreas, limitemo-nos à hospitalar, já que é do modelo hospitalar que estamos a tratar.

O direito à protecção da saúde é, do ponto de vista lógico, precedente ao SNS e às entidades privadas, pois que se, no limite, todas as entidades privadas se desinteressassem das actividades de saúde, mantinha-se inalterada a responsabilidade constitucional do Estado de garantir o direito à protecção da saúde. Isto é: as entidades privadas existem e actuam por livre iniciativa sua e, desde que no cumprimento das exigências legais exigíveis, escolhem livremente o campo e o âmbito ou extensão da sua actuação.
Por isso, não podemos surpreender-nos se procuram atentamente as oportunidades de realizar os seus interesses, procurando o lucro e “desnatando” o SNS. Temos é que surpreender-nos vivamente se a lei e os regulamentos lho permitam. O que não se entende, e muito menos se pode aceitar, é que, ainda por cima num cenário de fortes dificuldades económicas e, como refere o tá visto, de “explosão de hospitais privados como cogumelos”, factores com impacto significativo nos custos não são segregados e objecto de financiamento específico, como é o caso de i) custos de formação pré e post graduada de médicos e outros profissionais, e de projectos validados de investigação ii) custos de disponibilidade de serviço, como a exigência de manter disponíveis valências por razões de acessibilidade (disponibilidade de instalações, equipamentos e recursos humanos), iii) condições de segurança clínica e geral de intervenção, apropriação dos actos ou actividades …, iv) articulação, colaboração com outros serviços ou áreas do SNS, v) referenciação, consultas e outros apoios deslocalizados facultados a outras instituições, participação em programas ou actividades preventivas ou de promoção da saúde).
Não o fazendo e mantendo tabelas de preços que ignoram tudo isto e se apoiam apenas, de forma acrítica, no peso dos GDH (peso que não deveria ser considerado intocável, designadamente pela escassa ponderação das complicações, todas consideradas equivalentes pelas tabelas, o que está longe de corresponder à realidade), a ACSS está a provocar ou a tolerar vários malefícios para o SNS: a) maior despesa para o SNS, b) convite à “desnatação” por selecção adversa, c) falta de rigor e de validade na comparação de custos entre instituições do SNS entre elas e no confronto com o sector privado, d) desmotivação de gestores e profissionais para uma actuação mais voltada para “melhores ganhos em saúde”, mas ignorada nos momentos de avaliação e de financiamento da actividade.

Aidenos

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5 Comments:

Blogger tambemquero said...

Nota sobre interrupção das negociações com estruturas sindicais representativas dos enfermeiros.

O Secretário de Estado Adjunto e da Saúde reuniu hoje, pela segunda vez, com o Sindicato Independente dos Profissionais de Enfermagem, Sindicato dos Enfermeiros, Sindicato dos Enfermeiros da Região Autónoma da Madeira e com o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, no âmbito da discussão dos princípios enformadores da revisão da carreira de enfermagem.

Na primeira reunião com estas estruturas sindicais, no final de Agosto, foi discutida a proposta apresentada pelo Ministério da Saúde sobre esta matéria.

Após este primeiro encontro, entenderam as estruturas sindicais representativas dos enfermeiros apresentar um pré-aviso de greve para os dias 30 de Setembro e 1 de Outubro.

A convocação de uma greve é um direito que assiste a todos os sindicatos.

Porém, o Ministério da Saúde entende que esta iniciativa é prematura e injustificada, tendo transmitido aos quatro sindicatos que considera inaceitável a pressão causada pelo pré-aviso de greve, razão pela qual não vai prosseguir as reuniões.

O Ministério da Saúde declara total disponibilidade para retomar imediatamente negociações formais com os sindicatos sobre a revisão da carreira de enfermagem.

Lisboa, 17 de Setembro de 2008

10:13 da manhã  
Blogger Joaopedro said...

O que está a dar é a história do Estomatologista de Odemira, despromovido por conveniência pela comunicação social a médico dentitista.

Os estomatologistas são licenciados em Medicina (5 anos), mais 2 anos de medicina geral (internato geral) e mais tarde mais 6 anos da especialidade de Estomatologia (Internato Complementar), é portanto um médico de pleno direito para exercer medicina geral.

Poderá estar melhor preparado, que a maioria dos tarefeiros que prestam serviço em muitos hospitais públicos e privados(espanhóis, palops, brasileiros, etc) indiferenciados, sem qualquer especialização e sem internato geral.

Quantos profissionais médicos a exercer funções nos hospitais públicos e privados não tem cursos de formação em suporte avançado de vida?
Montes.

Penso que este problema cabe ao MS e à Ordem dos Médicos resolver.

11:36 da manhã  
Blogger e-pá! said...

Caro aidenós:

“Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade”

O espaço reservado para as instituições está, de facto, subordinado a muitas circunstâncias, algumas delas com entendimentos dispares.

Que mecanismos de articulação entre as instituições privadas e o SNS?
Só se for as disputa por contactualizações... ou em caso de catástrofe.

Quem controla nas instituições privadas os padrões de eficiência e qualidade?
A ERS, a DGS, a ACS, ACSS, ARS's,...
Embora o controlo de qualidade não seja um problema exclusivo do foro privado - é-o também nos HH's públicos - a verdade é que ele é incipiente, ou feito por mecanismos inditectos, necessariamente falíveis...

Portanto, a coexistência de um sector público e privada, esteja prevista, diversos entendimentos poderão ser feitos, quanto ao modo.
Por outro lado o artº. 64º da CRP tem várias alíneas e itens, cuja interpretação lata, pode levar a maiores restrições.

O direito à protecção da saúde é, do ponto de vista lógico, precedente ao SNS e às entidades privadas....

Não é só do ponto de vista lógico.
Esse direito positivo que deriva da concepção constitucional, coloca o Estado como depositário de todos esses direitos e, ao mesmo tempo, mostra uma real incapacidade de fazer valer os direitos fundamentais, muitos deles universais, entendidos na generalidade.

O Homem depende da sociedade e está rodeado de princípios normativos, sem os quais a subsistência na sociedade seria difícil, se não impossível.
Para lám disso sendo um ente físico é novamente dependente da sociedade, para sobreviver. Daí a proomoção da saúde ser um ponto fundamental.

Competindo ao Estado criar condições objectivas para o exercício destes direitos, não havendo mecanismos, nem monitotização de "adequados padrões de eficiência e de qualidade", não se entende como o SNS pode entrar num "mercado competitivo" tout court.
A regulamentação desse mercado terá sempre de preceder o seu desenvolvimento e posterior funcionamento.
Estamos a fazer o oposto.

Existem em letra de forma direitos dos cidadõas. Todavia, o Estado tem o dever de os tornar exequíveis, através de uma política social nacional (não importa invocar todos os dias o modelo social europeu), racional, bem gerida, equitativa que responda às dificuldades que a vida - previsivelmente ou de imprevisto - vai colocando aos portugueses.

Neste momento, a existência de um mercado de saúde em insípido funcionamento, exige um sistema normativo de regulamentação e orgãos eficazes de fiscalização. Um "mercado blindado".
Não temos essas condições. Pelo que os planos que passam pelo modelo competitivo, podem conduzir a resultados indesejáveis, mesmo que consigamos "extraordinários ganhos em saúde".

Outra coisa é reivindicar autonomia de gestão (administratibva e clínica) com a qual concordo, desde que haja processos lineares e transparentes de accountability.

12:41 da tarde  
Blogger e-pá! said...

A propósito do direito à protecção da saúde e para que haja prevenção adequada:

ESPECIALISTAS PREVÊEM EPIDEMIA DE GRIPE PARA O OUTONO

Três novas estirpes de gripe, uma das quais «especialmente virulenta», foram detectadas no hemisfério Norte, o que levou especialistas a avisar sobre a chegada de uma epidemia de gripe «severa» em toda a Europa, informou o Sanofi Pasteur MSD.
De acordo com o Sanofi, pela primeira vez em vinte anos, a vacina da gripe dirigida à população que habita o hemisfério Norte vai ter três novas estirpes em relação ao ano anterior.

A estirpe denominada «A/H3N2», proveniente da Austrália, já triplicou o número de casos de gripe confirmados este ano relativamente aos cinco anos anteriores, de acordo com explicações fornecidas pelo Centro Colaborador da Organização Mundial de Sáude (OMS) em Melbourne, Austrália. Todos os anos, a Rede de Vigilância Global da Gripe da OMS analisa milhares de amostras de vírus em todo o mundo e prevê quais serão as três que representarão o maior risco para a saúde geral na temporada seguinte, procedendo à formulação de uma vacina nova anualmente.

Assim, este ano a OMS recomendou a inclusão das estirpes «A/H3N2», bem como outras novas – A/Brisbane/59/2007 (H1N1) e B/Florida/4/2006, na vacina destinada à Europa este ano.

Será que vamos tê-la antes do Inverno?

4:15 da tarde  
Blogger Tá visto said...

ALFREDO MAIA
O presidente do Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim tem uma empresa fornecedora de profissionais de saúde a hospitais públicos. Diz que não é incompatível. A Ordem e a Federação dos Médicos estranham. A nomeação do novo presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/Vila do Conde (CHPV/VC) questiona a acumulação de funções de gestão num hospital público com a participação em fornecedores privados do Serviço Nacional de Saúde (SNS). É que Gaspar Pais detém metade do capital da empresa que fornecia serviços médicos àquele hospital - a GPA, Prestação de Serviços de Saúde.Ouvido pelo "Jornal de Notícias", o administrador de carreira (no SNS há dez anos e com três mandatos em administrações) garantiu que o primeiro acto no dia da posse, em 1 de Setembro, foi fazer cessar o contrato do CHPV/VC com a sua empresa. A GPA fornece serviços médicos, de enfermagem, técnicos e outros a unidades do SNS, como os centros hospitalares do Vale do Ave e do Vale do Sousa (onde Gaspar Pais foi gestor) e o Hospital de Valongo. Recentemente, passou a prestar serviços de consultadoria à Entidade Reguladora da Saúde. "Mas tudo isto mediante concursos públicos, nos quais nos temos posicionado bem", assegura o gerente da empresa, Pedro Osório, situando o arranque da GPA em 2003 precisamente no Hospital da Póvoa de Varzim. Nessa altura, acentuam o gerente da GPA e o próprio Gaspar Pais, este estava na administração de outro hospital (Penafiel) e o contrato da Póvoa manteve-se com sucessivas administrações. Ao ser empossado no novo cargo, transitando de vogal do CA do Centro Hospitalar de Gaia/Espinho, tomou a iniciativa de cessar o contrato do centro hospitalar com a GPA, "para que não haja ligações nem eventual conflito de interesses"."Para mim, é uma questão de honra que a empresa não esteja no hospital onde eu estou", disse ao JN, acentuando ser "uma questão de ética e não de lei, que é clara quanto à inexistência de incompatibilidade" e que declara ao Tribunal de Contas todos os seus interesses. A questão não se coloca quando fornece outros hospitais, porque o fornecimento é objecto de "concursos públicos com regras muito apertadas, de transparência e de publicidade, cujas decisões podem ser contestadas por outros concorrentes", diz."Sem reprovação imediata", pois promete analisar melhor o assunto, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), Pedro Lopes, declara para já "alguma apreensão" em relação ao assunto e considera mesmo que essa "não é a melhor forma de os administradores se situarem".Mesmo que a lei não o impeça, "há questões morais e éticas", mesmo que a acumulação seja exercida com autorização da tutela, disse Pedro Lopes ao "Jornal de Notícias", considerando que aquela prática é particularmente criticável quando a APAH pede ao Ministério a exclusividade dos médicos. A acumulação pode não ter impedimento legal, mas não deveria ser aceite, considera a vice-presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), Merlinde Madureira. "Parece-me pouco transparente que alguém que é, por um lado, gestor de serviços públicos, tenha a possibilidade de fornecer-lhes serviços", declarou ao JN."Deixa-me na maior perplexidade; não sabia que isso existia!", disse ao JN o bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, que considera a cumulação "obviamente incompatível". Mesmo que o serviço da empresa privada seja prestado a instituição diferente daquela que o gestor público administra, "permanece sempre a dúvida de que pode haver favorecimento".

>>>> Situações que noutros países são uma claríssima ilegalidade no nosso são ainda tratadas como meras questões de natureza ética. Considera e bem, o Dr. Pedro Nunes que a cumulação é "obviamente incompatível". Mesmo que o serviço da empresa privada seja prestado a instituição diferente daquela que o gestor público administra, "permanece sempre a dúvida de que pode haver favorecimento".
Pergunta-se, por que usa uma bitola jurídico-moral diferente quando se trata de médicos?

10:59 da tarde  

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