segunda-feira, novembro 10

Insensibilidade social


Para que se perceba que níveis de insensibilidade social pode atingir a ideologia neoliberal. Aqui deixo o pensamento de um dos nossos gurus de economia em saúde (Pita Barros) sobre conceitos de equidade e acesso.

Foi à roda da questão do papel das taxas ditas moderadores que andou a troca de ideias entre Manuel Delgado e Pedro Pita Barros, num debate em que Álvaro Almeida referiu, mais uma vez, que há discriminação de utentes do SNS pelo sector privado convencionado.
«Temos taxas moderadoras não para moderar a demanda, mas que funcionam como co-financiamento.» Foi com esta explicação sobre o modo de financiamento do sistema de Saúde em Cabo Verde, que, tal como em Portugal, tem como financiador e prestador maioritariamente o sector público, que Artur Jorge Correia, representante cabo-verdiano na 3.ª Conferência de Gestão Hospitalar dos Países de Língua Portuguesa, animou a discussão que se seguiu à mesa sobre «Os modelos base de financiamento da Saúde e as formas de pagamento aos hospitais: em busca da eficiência e da sustentabilidade», que decorreu no Taguspark, em Oeiras, no dia 31 de Outubro.
Da plateia, Manuel Delgado, presidente do conselho de administração do Hospital de Curry Cabral, elogiou a sinceridade do representante de Cabo Verde ao admitir que as taxas servem para ajudar a financiar os custos com a Saúde, já que «cá não se consegue assumir isso». Para o administrador hospitalar, em Portugal não se percebe se as taxas moderadoras servem apenas para «moderar o consumo» ou «também ajudam a financiar» o Serviço Nacional de Saúde (SNS). «Ainda bem que todos em Cabo Verde sabem», ironizou.
Por outro lado, Pedro Pita Barros, professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa, desvalorizou o papel das taxas moderadoras no SNS, lembrando os «45% de isenções formais» e que a verba arrecadada por esta via não supera «1% do total da receita» dos hospitais.
Outra afirmação de Artur Jorge Correia que mereceu comentários foi a revelação da existência, no arquipélago, de um «escalonamento de pagamento, de acordo com o rendimento das pessoas».
Manuel Delgado questionou se essa diferenciação não pode ser perniciosa, admitindo o «risco» de um gestor dar prioridade no atendimento a doentes que mais contribuem.
Álvaro Almeida, presidente da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), era o moderador do debate e tomou a palavra para lembrar que as investigações levadas a cabo pela ERS concluíram que «este é um problema que existe em Portugal», relacionado com o facto de as instituições privadas e convencionadas terem várias fontes de financiamento e tabelas diferentes para os utentes do SNS, dos subsistemas ou dos seguros de saúde. «Como as tabelas do SNS são mais baixas, os utentes [deste sistema] acabam por ter o seu acesso limitado ou mesmo recusado», explicou.
Situação que parece não ser demasiado perturbadora para Pita Barros, uma vez que, tirando as situações de urgência ou emergência, não lhe causa estranheza questionar-se «porque é que um doente que paga mais não deve ser atendido mais rapidamente». Afinal, esse doente vai contribuir para que quem paga menos também possa ter acesso aos cuidados de saúde.
Além disso, Pita Barros acredita que essa diferenciação já existe «implicitamente», quando se assume que nem toda a população frequenta o mesmo restaurante e que quem paga mais tem um acesso mais rápido e para quem paga menos tudo é mais lento.
Álvaro Almeida não resistiu à metáfora do economista e respondeu: «Não vamos todos ao mesmo restaurante, mas não sei se se aceitaria que no mesmo restaurante nos passasse à frente outra pessoa só porque esta fez uma despesa maior.»
Fonte – Tempo Medicina

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