Conquistas cívicas da Saúde
Necessidade de agilizar a sua aplicação ...
A propósito da recente intervenção da IGAS e da PSP numa "clínica" de interrupção voluntária da gravidez (IVG) no Porto, que levou ao seu encerramento, por manifesta falta de condições, torna-se necessário reflectir sobre a capacidade dos serviços públicos responderem, no nosso País, a uma nova situação criada, em consequência da aprovação da nova lei, que regula a IVG.
Hoje (03.02.2009), o jornal Público (pág. 9) noticia que cerca de 1/3 terço (5.530 do total de 16.784 abortos) dessas intervenções, realizadas dentro dos parâmetros legais, realizam-se em clínicas privadas. link
A nova lei que entrou em vigor em Julho de 2007 (Lei n.º 16/2007 de 17 de Abril), determina no seu artº. 3º. (Organização dos Serviços), o seguinte:
..."1—O Serviço Nacional de Saúde deve organizar-se de modo a garantir a possibilidade de realização da interrupção voluntária da gravidez nas condições e nos prazos legalmente previstos"...
Estamos, portanto, longe de conseguir a efectividade desta Lei.
A percentagem de IVG´s realizadas fora do SNS é similar à verificada nas outras áreas de prestação de cuidados de Saúde - quer por cobertura através de seguros de saúde, quer pela contribuição directa dos cidadãos (out-of-pocket payments).
Verificamos que, nas condições actuais, os meios públicos postos à disposição dos utentes, para o cumprimento da legislação em vigor, são insuficientes, havendo, ainda, situações (felizmente residuais) em que a IVG não decorre nas melhores condições técnicas.
Esta Lei, que foi precedida de um amplo e animado debate público, arrastando-se durante vários meses, mesmo assim, não permitiu ao Estado organizar os serviços públicos para oferecer uma resposta com melhores performances.
Há, com certeza, situações especiais, quer pelos problemas criados pela objecção de consciência de médicos, quer pela reserva de intimidade que aliás a própria lei teve o cuidado de proteger (artº. 5º.)
Estas "situações particulares" explicam alguns casos de não-utilização dos serviços públicos, mas estão longe de justificar a percentagem agora divulgada (cerca de 33%).
Mesmo se tomarmos como bons os dados da Maktest de que, cerca de 20,2% dos portugueses, possuem seguro de saúde.
Esta percentagem de subscritores de seguro de saúde sobe para os indivíduos das classes alta e média alta para cerca de 37,1% , mas esta faixa populacional é restrita, assimétrica no País, concentra-se na área de Lisboa e Vale do Tejo, que produz quase metade da riqueza nacional (46,7%).
Na verdade, não podemos deixar de considerar que uma fatia significativa de portugueses não tem acesso aos cuidados previstos na Lei e que recaiem sobre a alçada do SNS.
A universalidade do SNS, mesmo em situações sensíveis como é a IVG, é, ainda, muito restricta, não se conhecendo estudos sobre a procura e análises sociológicas que justifiquem tal desvio.
Finalmente, as condições técnicas das clínicas particulares.
A IGAS considera urgente a elaboração específica de regulamentação sobre os requisitos técnicos para estas clínicas.
De resto, só sendo possível a realização de IGV em estabelecimentos legalmente autorizados, como determina o artº. 4º. - 2, não se compreende em que bases se processou o reconhecimento técnico das clínicas em funcionamento.
De salientar que, apesar destas insuficiências que colocam problemas em relação à metodologia de concessão de licença a muitas clínicas em funcionamento, a IGS só recebeu 2 queixas de estabelecimentos em situação ilegal.
Uma notável melhoria em relação ao que se verificava, antes da entrada da lei em vigor.
À laia de repto - sem alimentar quaisquer outras veleidades - não posso, neste interim, de deixar de interrogar-me sobre a existência (ou a utilidade) da ERS.
Mas, verifica-se em Portugal, tanto na Saúde, como noutros sectores de actividade da vida dos portugueses e das portuguesas que, entre a aprovação de uma Lei e a sua efectiva regulamentação, decorre um tempo interminável...
Somos avessos a regular actividades o que, nos tempos que correm, pode ser um grave problema.
Recentes "acontecimentos" - não propriamente na área da Saúde - mostraram-nos isso!
A propósito da recente intervenção da IGAS e da PSP numa "clínica" de interrupção voluntária da gravidez (IVG) no Porto, que levou ao seu encerramento, por manifesta falta de condições, torna-se necessário reflectir sobre a capacidade dos serviços públicos responderem, no nosso País, a uma nova situação criada, em consequência da aprovação da nova lei, que regula a IVG.
Hoje (03.02.2009), o jornal Público (pág. 9) noticia que cerca de 1/3 terço (5.530 do total de 16.784 abortos) dessas intervenções, realizadas dentro dos parâmetros legais, realizam-se em clínicas privadas. link
A nova lei que entrou em vigor em Julho de 2007 (Lei n.º 16/2007 de 17 de Abril), determina no seu artº. 3º. (Organização dos Serviços), o seguinte:
..."1—O Serviço Nacional de Saúde deve organizar-se de modo a garantir a possibilidade de realização da interrupção voluntária da gravidez nas condições e nos prazos legalmente previstos"...
Estamos, portanto, longe de conseguir a efectividade desta Lei.
A percentagem de IVG´s realizadas fora do SNS é similar à verificada nas outras áreas de prestação de cuidados de Saúde - quer por cobertura através de seguros de saúde, quer pela contribuição directa dos cidadãos (out-of-pocket payments).
Verificamos que, nas condições actuais, os meios públicos postos à disposição dos utentes, para o cumprimento da legislação em vigor, são insuficientes, havendo, ainda, situações (felizmente residuais) em que a IVG não decorre nas melhores condições técnicas.
Esta Lei, que foi precedida de um amplo e animado debate público, arrastando-se durante vários meses, mesmo assim, não permitiu ao Estado organizar os serviços públicos para oferecer uma resposta com melhores performances.
Há, com certeza, situações especiais, quer pelos problemas criados pela objecção de consciência de médicos, quer pela reserva de intimidade que aliás a própria lei teve o cuidado de proteger (artº. 5º.)
Estas "situações particulares" explicam alguns casos de não-utilização dos serviços públicos, mas estão longe de justificar a percentagem agora divulgada (cerca de 33%).
Mesmo se tomarmos como bons os dados da Maktest de que, cerca de 20,2% dos portugueses, possuem seguro de saúde.
Esta percentagem de subscritores de seguro de saúde sobe para os indivíduos das classes alta e média alta para cerca de 37,1% , mas esta faixa populacional é restrita, assimétrica no País, concentra-se na área de Lisboa e Vale do Tejo, que produz quase metade da riqueza nacional (46,7%).
Na verdade, não podemos deixar de considerar que uma fatia significativa de portugueses não tem acesso aos cuidados previstos na Lei e que recaiem sobre a alçada do SNS.
A universalidade do SNS, mesmo em situações sensíveis como é a IVG, é, ainda, muito restricta, não se conhecendo estudos sobre a procura e análises sociológicas que justifiquem tal desvio.
Finalmente, as condições técnicas das clínicas particulares.
A IGAS considera urgente a elaboração específica de regulamentação sobre os requisitos técnicos para estas clínicas.
De resto, só sendo possível a realização de IGV em estabelecimentos legalmente autorizados, como determina o artº. 4º. - 2, não se compreende em que bases se processou o reconhecimento técnico das clínicas em funcionamento.
De salientar que, apesar destas insuficiências que colocam problemas em relação à metodologia de concessão de licença a muitas clínicas em funcionamento, a IGS só recebeu 2 queixas de estabelecimentos em situação ilegal.
Uma notável melhoria em relação ao que se verificava, antes da entrada da lei em vigor.
À laia de repto - sem alimentar quaisquer outras veleidades - não posso, neste interim, de deixar de interrogar-me sobre a existência (ou a utilidade) da ERS.
Mas, verifica-se em Portugal, tanto na Saúde, como noutros sectores de actividade da vida dos portugueses e das portuguesas que, entre a aprovação de uma Lei e a sua efectiva regulamentação, decorre um tempo interminável...
Somos avessos a regular actividades o que, nos tempos que correm, pode ser um grave problema.
Recentes "acontecimentos" - não propriamente na área da Saúde - mostraram-nos isso!
e-pá!
Etiquetas: E-Pá
3 Comments:
.../ Apesar de vivermos numa "era de direitos", repleta de conquistas e avanços, os direitos sociais parecem hoje viver muito mais como direitos proclamados, "direitos em sentido fraco", ou expectativas de direitos, como diria Norberto Bobbio, que como direitos efetivamente usufruídos, ou seja, "direitos em sentido forte". Há, no campo dos direitos sociais, um maior grau de defasagem entre a norma jurídica e a sua efetiva aplicação. Trata-se de uma defasagem comum a todas as áreas, mas que, na área social, parece ser maior, basicamente porque os direitos sociais dependem muito, para ser efetivamente usufruídos, de decisões políticas cotidianas, tomadas praticamente no dia-a-dia. Os direitos sociais trazem consigo, como sabemos, a necessidade de alocações expressivas de recursos: financeiros, humanos, técnico-científicos, organizacionais, políticos, seja para financiar os direitos, seja para viabilizá-los no plano organizacional. Como são recursos de natureza ampla, quase sempre mexem com interesses estabelecidos, e por isso acabam ficando na dependência de acertos, acordos, pactos societais, decisões de natureza governamental e política, que muitas vezes comprometem a efetiva aplicação, implementação e proteção desses direitos.
os direitos sociais são direitos de um tipo especial, já que não implicam a possibilidade da criminalização. Diferentemente dos demais tipos de direitos, que trazem consigo a possibilidade de penalizar aqueles que os infringem, no caso dos direitos sociais essa possibilidade, ou não existe, ou está radicalmente enfraquecida, inviabilizada pela própria natureza desses direitos. O governante que não cumpre o que estabelece a norma constitucional no plano dos direitos sociais pode, quando muito, sofrer sanções morais e desgaste político. Somente será criminalizado se o não-cumprimento vier acompanhado de atos abertos de corrupção: a incompetência ou a opção por uma política social inconsistente, equivocada, prejudicial à população, não são "crimes". Vale a pena, portanto, pensar na provocativa pergunta feita por Bobbio: será que ainda podemos chamar de direito "um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva proteção podem ser adiados sine die, além de confiados à vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o 'programa' é apenas uma obrigação moral ou, no máximo, política"? (Bobbio, A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992, p. 77). Podemos, é claro, continuar chamando de direitos estas exigências, que são sobretudo expectativas de direitos, mas só teremos a ganhar se soubermos evitar a confusão entre uma exigência de proteção futura de um certo bem (a saúde, por exemplo), que posso proclamar e exigir com certa facilidade, e a proteção efetiva desse bem, algo que muitas vezes só posso conquistar mediante recurso a uma corte de justiça. No campo dos direitos sociais, não há tribunais capazes de reparar erros gerenciais, má alocação de verbas ou opções políticas equivocadas, nem muito menos de punir os culpados.../
Marco Aurélio Nogueira
«A percentagem de IVG´s realizadas fora do SNS é similar à verificada nas outras áreas de prestação de cuidados de Saúde »
Apesar de tudo, esta situação devia preocupar também a senhora ministra da saúde.
O Serviço Púlico não devia assumir nesta area uma intervenção mais preponderante?
Manhosices assassinas
Enquanto Manuela Ferreira Leite faz de conta que o caso Freeport lhe é indiferente e se remete ao silêncio na esperança de capitalizar os ganhos, deixa a Pacheco Pereira o papel de lançar insinuações. Mas não basta isso à líder do PSD, é necessário lançar uma campanha pública e para isso não há como a JSD, no pressuposto de que à juventude tudo se perdoa. A JSD de Setúbal vai fazer o trabalho sujo lançando outdoors onde Sócrates é tratado por Pinócrates. É aquilo a que se chama uma campanha oportunista.
O Jumento
Depois da...
.../ ostensiva campanha de "assassínio político" do primeiro-ministro, diariamente amarrado ao pelourinho, Cavaco Silva optou por não se pronunciar. Sendo evidente que o Presidente da República não pode nunca pronunciar-se sobre uma investigação penal nem tem de socorrer politicamente o primeiro-ministro, o silêncio não é porém uma opção quando estão em causa os princípios do Estado de Direito e a transparência e responsabilidade das instituições.»
vital moreira, causa nossa
Excelente post.
Apesar dos esforços da senhora ministra, cada vez mais situações passam ao largo do Serviço Público.
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