quarta-feira, janeiro 27

Gripe A, desperdício de vacinas

Assunto: Desperdício de vacinas contra a infecção pelo vírus da gripe A (H1N1)
Destinatário: Ministério da Saúde
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República
As notícias mais recentes sobre os interesses financeiros e a ligação de diversos peritos da Organização Mundial de Saúde (OMS) às empresas farmacêuticas Glaxo SmithKline, Abbot, Novartis e Roche (produtoras das três vacinas contra a Gripe A e do único anti-vírico disponível – Tamiflu®), aliadas ao facto de a gravidade e os níveis de contágio terem ficado significativamente aquém dos anunciados, vieram colocar em causa, de forma particularmente gravosa, a credibilidade e a forma de actuação dos organismos internacionais e nacionais responsáveis pelo combate à potencial pandemia pelo vírus da gripe A (H1N1). Os factos assinalados levaram a Comissão de Saúde da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa a aprovar uma resolução para a realização de um inquérito sobre a influência exercida pelas empresas farmacêuticas, na definição da estratégia global de luta contra a gripe A (a ser iniciado ainda em Janeiro de 2010). Face a uma actuação que é agora percebida pela opinião pública como desmedida e alarmista, a própria OMS veio anunciar publicamente que está disponível para se submeter a uma auditoria externa.
Em Portugal, constavam no orçamento rectificativo 45 milhões de euros para a aquisição da vacina contra a gripe A, aos quais se juntam 22,5 milhões de euros gastos desde 2007 na aquisição do medicamento Tamiflu®. Além disso, os recursos humanos, organizacionais e financeiros usados na preparação e implementação do Plano de Contingência Nacional do Sector da Saúde para a Pandemia de Gripe, deixaram de estar disponíveis para outros fins. Muitos serviços tiveram que adiar as suas prioridades de prestação de cuidados de saúde às populações que servem, para responderem ao referido Plano.

Relativamente à vacina contra a Gripe A, o Ministério da Saúde encomendou 6 milhões de doses para vacinar 30% da população Portuguesa (cada pessoa necessitaria de 2 doses de 2,5 ml cada). No entanto, posteriormente veio a saber-se que cada adulto apenas necessitava de uma dose de vacina (2,5 ml) e as crianças de duas doses de 1,25 ml cada (ou seja, o correspondente a uma dose de um adulto), o que significa que a encomenda daria para seis milhões de pessoas. A desproporção da quantidade de vacinas encomendada é avassaladora, face à procura real pela população Portuguesa abrangida pela vacinação (grupos-alvo): de acordo com um comunicado da Direcção-Geral de Saúde (DGS), datado de 5 de Janeiro de 2010, até àquela data tinham sido vacinadas apenas 320.000 pessoas (incluindo crianças até aos 12 anos de idade), muito longe dos 30% da população Portuguesa que o Ministério da Saúde previu. Salienta-se ainda o facto de o fornecimento da vacina contra a gripe A ter sido adjudicado a uma única multinacional farmacêutica – a Glaxo SmithKline (GSK), ao contrário do que foi feito noutros países e do que, normalmente, acontece nos concursos públicos e apesar de existirem outras duas vacinas comercializadas por outras empresas.

Neste momento, a actividade gripal já diminuiu. Além disso, a vacina contra a gripe sazonal, a disponibilizar no próximo Outono-Inverno (2010/11), deverá também conter o vírus H1N1, pois este continua a ser uma das estirpes mais prevalentes. Neste cenário, e apesar de as doses de vacina contra a gripe A, adquiridas pelo Ministério da Saúde, terem um prazo de validade de três anos, a partir do momento em que a nova vacina contra a gripe sazonal estiver disponível (em Setembro-Outubro deste ano) deixará de fazer sentido continuar a administrar a vacina contra a gripe A em separado.

Atendendo ao exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda vem por este meio dirigir ao Governo, através do Ministério da Saúde, as seguintes perguntas:
1.- Quais os pressupostos em que se baseou a estimativa avançada pelo Ministério da saúde, relativamente à necessidade de vacinar 30% da população Portuguesa, ou seja, três milhões de pessoas?
2. Por que razão o Ministério da Saúde adjudicou a uma única empresa – a GSK – o fornecimento da vacina contra a gripe A?
3. Quantas embalagens de Pandemrix® (contendo cada uma 50 frascos de emulsão + 50 frascos de antigénio) foram encomendadas pelo Ministério da Saúde à GSK? Qual o custo de cada embalagem e o valor global a pagar pelo Ministério da Saúde, conforme estabelecido no acordo/contrato com a GSK?
4. Quantas embalagens de Pandemrix® já foram, efectivamente, fornecidas pela GSK, até ao momento e qual o montante global pago/a pagar?
5. Estão previstos mais fornecimentos de Pandemrix® ao abrigo da encomenda acordada entre o Ministério da Saúde e a GSK?
6. Da totalidade de embalagens de Pandemrix® fornecidas pela GSK até ao momento, que proporção foi efectivamente administrada a pessoas incluídas nos grupos-alvo?
7. Qual a proporção de pessoas que já receberam a vacina contra a gripe A, em cada um dos grupos-alvo prioritários definidos pela DGS (A, B e C)?

Face ao exposto, como se explicam as declarações recentes da Sra. Ministra da Saúde e do Sr. Director-Geral da Saúde, afirmando que não existe em Portugal um excesso de vacinas contra a gripe A, sabendo-se que foram encomendadas doses para seis milhões de pessoas? O que pensa o Ministério da Saúde fazer com as vacinas que não forem administradas até ao final da presente época gripal? Há alguma cláusula que permita a anulação ou redução da encomenda feita?
Palácio de São Bento, 25 de Janeiro de 2010

O deputado, João Semedo

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