sábado, março 12

O discurso do presidente da república

O discurso do Presidente Cavaco Silva foi duma enorme coragem. Não há memória dum discurso de posse em que o novo Presidente tenha criticado tão duramente o Presidente anterior. Ao referir-se à década perdida, o PR inclui o último quinquénio e, por isso, não critica apenas o Governo mas acaba, também, por fazer uma autocrítica impiedosa.
Valha a verdade que não se ficou por aqui. A sua autocrítica estendeu-se até ao tempo em que foi Primeiro Ministro.

Quando afirma que
“ O exercício de funções públicas deve ser prestigiado pelos melhores, o que exige que as nomeações para os cargos dirigentes da Administração sejam pautadas exclusivamente por critérios de mérito e não pela filiação partidária dos nomeados ou pelas suas simpatias políticas.”, deve estar arrependido de ter permitido, enquanto PM, que a Administração Pública se tivesse transformado numa grande coutada partidária. Recordemos que foi durante um seu Governo que a Saúde viu chegar os primeiros “gestores de reconhecido mérito”, com os resultados que se conhecem.

Quando declara que “ é crucial a realização de reformas estruturais destinadas a diminuir o peso da despesa pública” deve estar com certeza a lembrar-se de criação das carreiras especiais na Função Pública e do peso que tiveram na criação do “Monstro”.

Quando afirma
“ É crucial aprofundar o potencial competitivo de sectores como a floresta, o mar, a cultura e o lazer, as indústrias criativas, o turismo e a agricultura, onde detemos vantagens naturais diferenciadoras.”, deve estar a reflectir no texto de Miguel Sousa Tavares no Expresso de 13 de Maio de 2010:
“Na década do agora inimigo das grandes obras públicas, Cavaco Silva, construímos sem parar: auto-estradas e hospitais, escolas e tudo mais. "O país está dotado de infra-estruturas!", proclamou-se, triunfantemente. E, de facto, o país precisava. O problema é que, enquanto se dotava de infra-estruturas para servir a economia, o país vendia a economia, a troco de subsídios para abate e set-aside: vendemos assim a agricultura, as pescas, as minas, a marinha mercante, os portos, as indústrias que podiam vir a ser competitivas - ficámos com os têxteis e o fado. E, quando alguém, subitamente, perguntou "de que vamos viver no futuro?", sorriram, com ar complacente. Então, não era óbvia a resposta? Iríamos viver dos serviços, do turismo, da "sociedade de informação" e... de Bruxelas."

Diz o PR:
“Não podemos assistir de braços cruzados à saída de empresas do nosso País. Pelo contrário, temos que pensar seriamente no que é que podemos fazer para atrair mais empresas.” Uma das coisas que não podemos deixar de fazer, diz o bilionário do Pingo Doce, é melhorar o sistema de Justiça. O PR deve estar a lembrar-se que, nessa área, a gesto mais significativo do seu mandato anterior foi receber o Presidente do Sindicato do Ministério Público.

Manifesta o PR a esperança
“que todos os agentes políticos e poderes do Estado e os agentes económicos e financeiros estejam à altura das dificuldades do momento e dêem sentido de futuro aos sacrifícios exigidos aos Portugueses.”
O bilionário da Forbes, tal como a PT, tal como a Portucel, já deram o exemplo com a antecipação de dividendos. Mas, sobre isso, o anterior PR não se pronunciou.

Afirma ainda o PR “Em vários sectores da vida nacional, com destaque para o mundo das empresas, emergiram nos últimos anos sinais de uma cultura altamente nociva, assente na criação de laços pouco transparentes de dependência com os poderes públicos, fruto, em parte, das formas de influência e de domínio que o crescimento desmesurado do peso do Estado propicia. É uma cultura que tem de acabar. Deve ser clara a separação entre a esfera pública das decisões colectivas e a esfera privada dos interesses particulares”
É impossível que não se tenha lembrado do BPN.

Brites

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7 Comments:

Blogger Clara said...

Dos melhores textos publicados até hoje no saudesa.

12:14 da manhã  
Blogger tambemquero said...

A resposta a Cavaco

Discordo da ideia de que,face à declaração de guerra do Presidente da República no seu discurso inaugural,o Governo deveria encarar a hipótese de apresentar a demissão.
Pelo contrário. Não só o Governo deve continuar enquanto tiver condições para isso, como deve aproveitar para contrapor ao catastrofismo derrotista do Presidente a mesma atitude de determinação e confiança na superação da crise orçamental e da dívida pública.
E mesmo se e quando chegasse à conclusão de que tinha deixado de ter margem para governar -- e o discurso presidencial só contribuiu para a estreitar --, a solução não deve ser a autodemissão, que sempre poderia se entendida como uma fuga, mas sim a presentação de uma moção de confiança, desafiando as oposições a derrubarem o Governo. Depois de todos os esforços, que Cavaco belicosamente ignorou, o Governo só pode sair "por cima", quando não tiver outra alternativa.

Vital Moreira, causa nossa

12:28 da manhã  
Blogger tambemquero said...

O Presidente da República queixa-se de se ter feito uma “interpretação abusiva ou distorcida” do seu discurso de tomada de posse. Na página oficial no Facebook, Cavaco Silva aconselha os “cidadãos de boa fé” a lerem com atenção o seu discurso. link

JP 12.03.11

Um PR assim, custa a acreditar...

12:37 da manhã  
Blogger DrFeelGood said...

O constitucionalista Jorge Miranda afirma que o discurso de tomada de posse do Presidente da República foi “extremamente duro” e um factor de instabilidade.

O catedrático, considerado um dos pais da Constituição portuguesa, disse numa entrevista do Gente que Conta, publicada hoje no Diário de Notícias e transmitida pela rádio TSF, que Cavaco Silva deveria tirar consequências do discurso que fez na quarta-feira, durante a tomada de posse.

“Achei que foi um discurso duro, talvez excessivamente duro, e que tive dificuldade em o situar no contexto da posse como PR”, explicou Miranda, que concorda com todos os factores, críticas e queixas que o Presidente fez relativamente à situação.

No discurso de quarta-feira Cavaco Silva disse que “Portugal está hoje submetido a uma tenaz orçamental e financeira” e pediu aos portugueses para “despertarem da letargia”. O discurso foi uma dura critica ao Governo de José Sócrates.

“Mas a verdade é que se este Governo existe, foi porque o PR permitiu que se formasse”, contrapôs o constitucionalista, defendendo que Cavaco não deveria ter permitido a formação desse Governo. “O PR deveria ter exigido ao Parlamento e aos partidos a formação de um Governo maioritário.”

Por isso, Miranda defende que “tendo feito o discurso, o PR tem de tirar as consequências. Não pode falar outra vez em estabilidade quando o próprio discurso é um factor de instabilidade.”

Na entrevista, o constitucionalista critica ainda o estado actual do Parlamento. “São os directórios [dos partidos] que determinam o sentido do voto dos deputados à Assembleia da República”, disse, explicando que no passado “as pessoas iam para lá defender posições próprias dentro de um contexto partidário.”

Segundo o constitucionalista esta mudança é extremamente negativa porque os cidadãos que votaram nos deputados não são representados, o “que diminui muito o papel e o poder dos parlamentos”. Para que isto mude, seria necessária uma reforma nos partidos, adianta Jorge Miranda. Mas, “infelizmente”, o constitucionalista tem “as maiores dúvidas que os partidos tenham essa capacidade”.

JP 13.03.11

2:40 da tarde  
Blogger DrFeelGood said...

A Maria é a autora dos últimos discursos do PR, Aníbal Cavaco Silva.
A marca da primeira dama é bem visível. O ressabiamento e sede de vingança das últimas intervenções do PR são marcadamente femininas.
Se nos primeiros cinco anos, Cavaco Silva conseguiu ser o presidente de todos os portugueses neste, neste segundo mandato será Maria Cavaco Silva a comandar a república.

2:53 da tarde  
Blogger saudepe said...

"Só um diagnóstico correto e um discurso de verdade sobre a natureza e a dimensão dos problemas económicos e sociais que Portugal enfrenta permitirão uma resposta adequada", disse Cavaco Silva no seu discurso de tomada de posse e eu subscrevo. "Como em tudo na vida, para delinearmos o melhor caminho para atingirmos o futuro que ambicionamos, temos de saber de onde partimos", continuou e não podia ter mais razão. O problema vem depois. É que quase tudo o que foi referido vem de longe.

Defendeu o presidente Cavaco Silva que esta foi uma "década perdida". É verdade. Mas recordo que houve outra, quando o dinheiro chegava em grandes quantidades ao nosso Pais. E foi nessa década que grande parte do modelo de desenvolvimento que nos trouxe até aqui foi delineado. Era primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva.

Defendeu o presidente Cavaco Silva que não nos podemos esquecer dos "encargos futuros com as parcerias público-privadas". Recordo que o primeiro-ministro Cavaco Silva estreou estas ruinosas parcerias com a ponte Vasco da Gama.

Defendeu o presidente Cavaco Silva que há uma "concessão indiscriminada de crédito, em especial para fins não produtivos". Recordo que a compra de casa própria é um dos principais sorvedouros de crédito e que houve poucos governos que mais tenham promovido este tipo de investimento das famílias do que o do primeiro-ministro Cavaco Silva.

Defendeu o presidente Cavaco Silva que "temos de apostar de forma inequívoca nos setores de bens e serviços transacionáveis". Recordo que o primeiro-ministro Cavaco Silva apostou na construção civil e no betão.

Defendeu o presidente Cavaco Silva que "não podemos privilegiar grandes investimentos que não temos condições de financiar, que não contribuem para o crescimento da produtividade e que têm um efeito temporário e residual na criação de emprego". Recordo os brutais investimentos públicos feitos pelo primeiro-ministro Cavaco Silva, que sugaram os fundos europeus, sem que que tal tivesse, como se vê, um efeito mais do que temporário na economia ou mais do que residual no emprego.

Defendeu o presidente Cavaco Silva que os portugueses devem participar "mais ativamente na vida coletiva, afirmando os seus direitos e deveres de cidadania e fazendo chegar a sua voz aos decisores políticos". Recordo que não houve no Portugal democrático nenhum governante que mais vezes reprimisse qualquer tentativa popular de fazer chegar a voz dos cidadãos aos decisores políticos do que o primeiro-ministro Cavaco Silva.

Daniel Oliveira, Publicado no Expresso Onlin

3:03 da tarde  
Blogger saudepe said...

...
E, cereja em cima do bolo, defendeu o presidente Cavaco Silva que "em vários setores da vida nacional, com destaque para o mundo das empresas, emergiram nos últimos anos sinais de uma cultura altamente nociva, assente na criação de laços pouco transparentes de dependência com os poderes públicos". Nos últimos anos? Pois ela é quase tão antiga como a Nação e teve no tempo em que Cavaco Silva era primeiro-ministro um dos seus momentos mais vistosos. Teremos de recordar mais uma vez o nome de Dias Loureiro?

E defendeu ainda o presidente Cavaco Silva que "deve ser clara a separação entre a esfera pública das decisões coletivas e a esfera privada dos interesses particulares". Que tal ser mais concreto? Na campanha houve quem o tentasse ser. Falando, por exemplo, do BPN. São excelentes estas generalidades. Mas se falamos da realidade somos a "infâmia" contra a "dignidade".

O discurso do Presidente tem dois problemas. O primeiro: naquilo em que o diagnóstico do Presidente Cavaco Silva está certo, as asneiras começaram com o primeiro-ministro Cavaco Silva.O segundo: as soluções são pouco mais do que frases vazias. E é normal que o sejam. Não esquecendo todas as responsabilidades do atual governo, nenhum diagnóstico que esquece a Europa e a crise internacional pode apontar para qualquer solução séria. Faltou a Cavaco Silva coerência com o seu passado, seriedade quanto ao presente e conteúdo quanto ao futuro.

Daniel Oliveira, expresso on line

3:04 da tarde  

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