Incertezas e Incoerências na Saúde
A actual equipa ministerial não
conseguiu iniciar uma dinâmica de modernização do sistema de saúde. A sua
incapacidade de suster reformas anteriores, que haviam mostrado bons
resultados, e a ausência de avaliação dos processos de mudança no SNS
reflectiram-se nos retrocessos na reforma dos cuidados de saúde primários, na
estagnação dos cuidados continuados e no caos dos hospitais. No líder da pasta
deu-se a transfiguração de técnico discreto a demagogo discreto, mais preocupado
com a sua imagem pessoal do que com a boa imagem do SNS. As quebras em todos os
indicadores de qualidade e acesso já não conseguem esconder os efeitos nefastos
da sua acção na população e nas profissões da saúde, incluindo o efeito de
“impedimento” de livre utilização dos serviços de saúde que agora recai sobre
os idosos e doentes crónicos e a emigração de profissionais promissores e
qualificados. Ainda assim, sempre que a opinião pública começa a reconhecer o
efeito negativo da actual acção ministerial, vemos de imediato uma série de
artigos de opinião, ou reportagens, em defesa da sua boa imagem pessoal. Um
processo bastante original na opinião pública nacional que deverá fazer-nos
reflectir sobre a Verdade política versus manipulação de imagem pública.
Qualquer celebração da quebra da
procura de serviços do SNS deve gerar vergonha entre os actuais responsáveis do
SNS, uma vez que não se trata de alteração de fluxos de procura, mas apenas de
uma acção concertada de obstrução pela introdução de pesadas taxas de
utilização, vulgarmente referidas como “taxas moderadoras”. A contínua
opacidade política manteve-se na incoerência de argumentos utilizados para o
encerramento da Maternidade Alfredo da Costa e a demagógica recente defesa das
pequenas maternidades do interior. Ao recusar aplicar os critérios de segurança
da Organização Mundial de Saúde (OMS) a maternidades do interior que, por muito
que nos custe, recomendam encerramento parcial, e, por outro lado, ao mitigar
com demagogia os critérios para o encerramento diligente de uma das
maternidades mais qualificadas da Península Ibérica, estaremos perante um
governo que ignora os critérios da OMS para umas situações e manipula-os para
justificar outras? Infelizmente, nada de novo no horizonte da demagogia
nacional.
Espantamo-nos, porém, com um recente
debate de uma rádio pública em que, dos quatro palestrantes, dois representavam
PPP hospitalares. Este alinhamento, revelando uma política editorial
tendenciosa e manipuladora, deve ser veemente denunciado. Aliás, o programa
Prós e Contras da RTP também assumiu a perigosa visão redutora de reduzir o
debate sobre o futuro do SNS a um representante hospitalar. É urgente
demonstrar aos editores destes espaços de debate que estes contributos são
contraproducentes, manipuladores, mesmo que inadvertidamente, e que somente
contribuem para legitimar a abordagem errada centrada nos hospitais. O Futuro
do SNS, ao contrário dos interesses destes personagens, não pode ser “mais do
mesmo”.
Entretanto, parece que continua sem
médico de família o mesmo milhão de portugueses desde, pelo menos, 2002. Parece
que o défice do SNS continua descontrolado e parece que os números sobre o SNS
continuam pouco fiáveis. Em contraste, parece que o ministro mantém uma boa
imagem pessoal inspirada na aspiração à narrativa Metamorfoses, a magnum opus de
Ovídio, em que Vénus transforma César em Cometa.
Para 2013, espera-se a continuação
da intervenção sem estratégia coerente ou transparente. Continuarão os ruídos à
volta das intervenções desconexas sobre temas da saúde pública e prevenção. A
substituição do apelo ao consumo de sopa portuguesa, protagonizado pela
anterior ministra da Saúde, pelo apelo à alimentação saudável a baixo preço, ao
bom estilo comercial de uma boa parte da indústria alimentar, parece ser a
solução para o descalabro do novo plano nacional de Saúde. Continuarão as
acções titubeantes de responsáveis intermédios sem rumo nem liderança e o
marasmo na inovação organizacional? Triste.
Paulo Moreira, JP 30.01.13
Etiquetas: PKM, Um país em sofrimento
1 Comments:
As voltas que o Mundo dá!
Nunca imaginei subscrever, na íntegra, um artigo de PKM.
Todavia, de há uns tempos a esta parte, tomando nota de algumas das suas intervenções públicas, comecei a pressentir que a situação presente um dia aconteceria.
Aconteceu! E tenho todo o prazer ao reconhecê-lo.
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