quinta-feira, janeiro 31

Incertezas e Incoerências na Saúde



A actual equipa ministerial não conseguiu iniciar uma dinâmica de modernização do sistema de saúde. A sua incapacidade de suster reformas anteriores, que haviam mostrado bons resultados, e a ausência de avaliação dos processos de mudança no SNS reflectiram-se nos retrocessos na reforma dos cuidados de saúde primários, na estagnação dos cuidados continuados e no caos dos hospitais. No líder da pasta deu-se a transfiguração de técnico discreto a demagogo discreto, mais preocupado com a sua imagem pessoal do que com a boa imagem do SNS. As quebras em todos os indicadores de qualidade e acesso já não conseguem esconder os efeitos nefastos da sua acção na população e nas profissões da saúde, incluindo o efeito de “impedimento” de livre utilização dos serviços de saúde que agora recai sobre os idosos e doentes crónicos e a emigração de profissionais promissores e qualificados. Ainda assim, sempre que a opinião pública começa a reconhecer o efeito negativo da actual acção ministerial, vemos de imediato uma série de artigos de opinião, ou reportagens, em defesa da sua boa imagem pessoal. Um processo bastante original na opinião pública nacional que deverá fazer-nos reflectir sobre a Verdade política versus manipulação de imagem pública.
Qualquer celebração da quebra da procura de serviços do SNS deve gerar vergonha entre os actuais responsáveis do SNS, uma vez que não se trata de alteração de fluxos de procura, mas apenas de uma acção concertada de obstrução pela introdução de pesadas taxas de utilização, vulgarmente referidas como “taxas moderadoras”. A contínua opacidade política manteve-se na incoerência de argumentos utilizados para o encerramento da Maternidade Alfredo da Costa e a demagógica recente defesa das pequenas maternidades do interior. Ao recusar aplicar os critérios de segurança da Organização Mundial de Saúde (OMS) a maternidades do interior que, por muito que nos custe, recomendam encerramento parcial, e, por outro lado, ao mitigar com demagogia os critérios para o encerramento diligente de uma das maternidades mais qualificadas da Península Ibérica, estaremos perante um governo que ignora os critérios da OMS para umas situações e manipula-os para justificar outras? Infelizmente, nada de novo no horizonte da demagogia nacional.
Espantamo-nos, porém, com um recente debate de uma rádio pública em que, dos quatro palestrantes, dois representavam PPP hospitalares. Este alinhamento, revelando uma política editorial tendenciosa e manipuladora, deve ser veemente denunciado. Aliás, o programa Prós e Contras da RTP também assumiu a perigosa visão redutora de reduzir o debate sobre o futuro do SNS a um representante hospitalar. É urgente demonstrar aos editores destes espaços de debate que estes contributos são contraproducentes, manipuladores, mesmo que inadvertidamente, e que somente contribuem para legitimar a abordagem errada centrada nos hospitais. O Futuro do SNS, ao contrário dos interesses destes personagens, não pode ser “mais do mesmo”.
Entretanto, parece que continua sem médico de família o mesmo milhão de portugueses desde, pelo menos, 2002. Parece que o défice do SNS continua descontrolado e parece que os números sobre o SNS continuam pouco fiáveis. Em contraste, parece que o ministro mantém uma boa imagem pessoal inspirada na aspiração à narrativa Metamorfoses, a magnum opus de Ovídio, em que Vénus transforma César em Cometa.
Para 2013, espera-se a continuação da intervenção sem estratégia coerente ou transparente. Continuarão os ruídos à volta das intervenções desconexas sobre temas da saúde pública e prevenção. A substituição do apelo ao consumo de sopa portuguesa, protagonizado pela anterior ministra da Saúde, pelo apelo à alimentação saudável a baixo preço, ao bom estilo comercial de uma boa parte da indústria alimentar, parece ser a solução para o descalabro do novo plano nacional de Saúde. Continuarão as acções titubeantes de responsáveis intermédios sem rumo nem liderança e o marasmo na inovação organizacional? Triste.
Paulo Moreira, JP 30.01.13

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1 Comments:

Blogger e-pá! said...

As voltas que o Mundo dá!
Nunca imaginei subscrever, na íntegra, um artigo de PKM.
Todavia, de há uns tempos a esta parte, tomando nota de algumas das suas intervenções públicas, comecei a pressentir que a situação presente um dia aconteceria.
Aconteceu! E tenho todo o prazer ao reconhecê-lo.

7:33 da tarde  

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