segunda-feira, fevereiro 4

ADSE - mitos e realidades

No seu artigo do PÚBLICO de 21 de Janeiro — "O curioso caso da ADSE e a espiral estatizante" link — o prof. João Carlos Espada ( J.C.E.) considera a ADSE uma “espécie de seguro”, aponta-lhe vantagens: liberdade de escolha, responsabilização do utente através de co-pagamentos, criação de um mercado de serviços concorrencial, racionalidade e economia.
A ADSE foi criada nos anos 60 para garantir a funcionários protecção idêntica à que as Caixas asseguravam aos trabalhadores por conta de outrem, na lógica do modelo “bismarkiano”, ensaiado pelo Estado Novo. Ao adoptar-se, em 1979, o modelo “beveridgeano” de um Serviço Nacional de Saúde financiado por impostos, subsistemas de Saúde como a ADSE deveriam, em coerência, ter sido extintos. Não foram.
A ADSE parece ser um seguro, mas não tem partilha de risco entre os beneficiários. O SNS serve também os funcionários e pensionistas do Estado, mas a ADSE permite-lhes aceder a benefícios complementares, como a livre escolha de médico e de clínica privada, com amenidades hoteleiras. Vantagens que só existem na faixa litoral do país.
A adesão não é voluntária, a prevenção e controlo do risco moral, típicas das seguradoras, estão ausentes, ou quase. No ponto de contacto o doente paga uma pequena fracção dos custos, mas a sua parte na conta fi nal, em tardio reembolso, é normalmente elevada – o que torna impossível a generalização da ADSE a todos os cidadãos. Quanto aos benefícios apontados, vejamos:
A liberdade de escolha pode resultar em prejuízo do utente, dado estarmos longe de um mercado de concorrência perfeita. Não existe soberania do consumidor, o qual tem informação insuficiente sobre o mercado, o produto e os resultados. Fragilizado pela doença e pela dependência do médico, seu “agente”, a sua escolha não é soberana. A ausência de referência médica, combinada com a livre escolha e liberta do preço, induz consumismo, acréscimo de custos e riscos adicionais para o doente. Regista-se, em estudos comparados, que os sistemas de tipo convencionado (“bismarckianos”) apresentam maior custo global e menor equidade.
J.C.E. fala em co-pagamentos responsabilizantes, mas desconhece o mercado das clínicas privadas convencionadas com a ADSE, onde o doente, embora não pague taxas moderadoras, tem a seu cargo importantes co-pagamentos, tendo por vezes que se submeter a sistemas de admissão discriminantes. É duvidoso que a ADSE possa “criar mercado e concorrência” e evite a destruição da “economia independente”. Mais importante que a concorrência é a cooperação, para tratar o doente e obter os melhores resultados. E para quê a expansão da economia “independente”, à custa do aumento de encargos para o Estado?
Afirma J.C.E. que a ADSE é um sistema mais racional e menos despesista. A ADSE nem sequer é um sistema, muito menos racional, mas um conjunto não estruturado, focado nos cuidados curativos, em que ninguém é responsável pela gestão da doença. Ao contrário, o SNS baseia-se na primeira instância, em cuidados primários, a prestar na comunidade, e numa segunda instância de cuidados hospitalares, promovido através de referência. O médico de família é o gestor dos recursos: como primeiro contacto, pode melhor gerir o uso de meios de diagnóstico e medicamentos e o envio a especialistas, evitando a hospitalização desnecessária.
Garante J.C.E. que a ADSE é “obviamente” mais barata. Não é verdade. Os actos não são idênticos no público e no privado, na diferenciação e no que o preço integra: a consulta hospitalar inclui medicamentos e meios de diagnóstico. O menor preço do cada acto sai mais caro ao Estado, se ocorrer uma multiplicação de actos, como cronicamente acontece na ADSE. No final, o custo total por doente, controlado por casuística e severidade, é mais elevado na ADSE que no SNS.
Afirma também que o SNS nem precisa de “construir e sustentar serviços estatais”. Tendo o SNS capacidade suficiente, aqui e ali excedentária, a solução correcta será utilizar a capacidade instalada e não fomentar investimentos duplicados. Com as condições políticas favoráveis actuais, há que preservar e melhorar a eficiência do SNS, que exibe resultados notáveis, com indicadores idênticos aos dos restantes países europeus e muito melhores que os dos EUA. Quanto à ADSE, sendo indesejável a sua extinção imediata, será necessário reformulá-la, tornando-a um sistema autosustentável e bem controlado.
A. Dias Alves J. Meneses Correia, Administradores hospitalares

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